O retrato do Brasil na entrada de 2021 é de assustar. São mais de 14 milhões de desempregados, 39,9 milhões de pessoas vivendo na miséria, sendo que 10 milhões não têm segurança alimentar. Também são 63,1 milhões de inadimplentes, foram 716 mil empresas quebradas em 11 meses até janeiro e mais de 200 mil mortes por Covid-19 no período. Estes, que poderiam ser números relativos a uma guerra, mostram bem como o País começou a década. Com desafios imensos, o aumento da desigualdade pode parecer inevitável. Mas não é. Com políticas públicas estruturadas, injeção de capital em áreas estratégicas e vontade política será possível traçar uma rota de recuperação sustentada no aumento de renda da massa populacional.

Os números alarmantes sobre a situação brasileira são de fontes ligadas ao governo federal, como Ministério da Cidadania e Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), além de dados divulgados pelos estados pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). Eles mostram que, se nada for feito, o futuro será mais difícil para os brasileiros que estão à margem da sociedade ou vivem em situação de vulnerabilidade. Não há Bolsa Família, Renda Cidadã ou auxílio emergencial que, sozinho, seja capaz de diminuir o abismo que divide o País em dois. Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil caiu nove posições no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre 2019 e 2020 e o motivo, segundo o sociólogo brasileiro Alberto Shultz, é que os problemas sociais nunca foram enfrentados, e medidas paliativas não bastam para mudanças profundas. Shultz, que é pesquisador da Universidade Oxford, na Inglaterra, integrou a equipe brasileira que em 2002 deu início aos estudos para desenvolvimento do Bolsa Família.

De acordo com o pesquisador, quando iniciado o programa, foi dito ao ex-presidente Lula que uma política de transferência de renda, sem suporte de emprego, educação, crédito, saúde e alimentação não teria qualquer efeito no médio e longo prazo. “Transferência de renda precisa ser uma política pública, não um benefício”, disse. Para ele, muitos erros aconteceram desde o início do programa e foram ampliados com o passar dos anos. “O Bolsa Família tornou visível milhões de pessoas que estavam abaixo da linha da pobreza, mas não bastou para mudar a vida do mesmo número de cidadãos ou conter o crescimento da população miserável”, afirmou. A solução, segundo ele, passa pelas mãos do governo, que precisa investir em várias frentes de modo simultâneo. “Aos mais pobres, sustento; aos bilionários, responsabilidades fiscais; às empresas, suporte.”

NAS RUAS Sem colocação formal no mercado de trabalho, brasileiros vão ao comércio informal. (Crédito:Taba Benedicto)

FUTURO Se o processo de redução de desigualdade social será custoso para o governo, ele também pode ser muito bom para a economia. Com mais segurança financeira e acesso a crédito e emprego haverá um impulso social com combustível suficiente para reativar o motor econômico. Algo similar ao que aconteceu entre 2003 e 2013 no Brasil. Em um evento no Palácio do Planalto no começo do mês, o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, afirmou que tinha visitado, semanas antes, alguns lixões. Em tom surpreso, ele afirmou ter sido algo que ele nunca tinha pensado que existisse. “Pessoas morando nos lixões, e vivendo no chorume”, disse. Por essa razão o presidente do banco público mais importante para liberação de crédito para moradia reforçou o papel fundamental da estatal para mudar a realidade do País.

E ele tem razão. Com a taxa básica de juros em seu menor patamar histórico e com a inflação aparentemente controlada, o Brasil possui as condições básicas do ponto de vista monetário para começar um processo desses. Mas por que ele não acontece? Na avaliação do economista Everton Loroza, ex-secretário adjunto do ministério da Fazenda do governo Michel Temer, o Orçamento engessado é o principal obstáculo. “Todos falam do teto de gastos, mas o vilão é a despesa carimbada que consome 96% do Orçamento”, afirmou. Para ele, os próximos anos serão decisivos para a forma como o Brasil se comportará no quesito desigualdade. “O coronavírus vai empurrar muita gente para a pobreza e o governo não poderá fazer nada pois não pode manejar recursos”, disse.

Ainda que não haja números específicos que correlacionem o coronavírus ao aumento da pobreza no Brasil, estudo desenvolvido pelo PNUD, em parceria com o Pardee Center for International Futures, da Universidade de Denver (EUA), concluiu que os efeitos da pandemia podem empurrar mais 207 milhões de pessoas para a pobreza extrema, elevando o total mundial para mais de 1 bilhão até 2030. Isso significaria 44 milhões de pessoas a mais do que era previsto antes da pandemia. Números de assustar qualquer presidente ou primeiro-ministro comprometido com seu País.