Ao longo da próxima sexta-feira, 6 de novembro, data agendada pela B3 para a abertura de capital da empresa de comercialização de bebidas Wine, os brasileiros terão comprado, em diferentes canais de vendas, cerca de 2 milhões de garrafas, entre brancos, tintos, rosés e espumantes. O número se refere à média de aquisições diárias no País desde o início da pandemia. A disparada do consumo de vinho é um dos fatores por trás da forte expectativa sobre o IPO da empresa capixaba que nasceu como e-commerce e tem ajudado a popularizar a cultura do vinho no Brasil. A faixa indicativa de preços por ação está entre R$ 8,50 e R$ 10,50. Caso se mantenha assim no dia em que for negociada no Novo Mercado da B3 (com o ticker ‘WNBR3’), a Wine poderá levantar R$ 1 bilhão.

A operação, coordenada por Itaú BBA, Bank of America, XP, BTG e ABC Brasil, ocorre em um momento altamente favorável para o setor, beneficiado por uma combinação inédita de fatores. O brasileiro está descobrindo — e adorando — os prazeres de Baco. Há um interesse crescente em cursos, degustações, confrarias, clubes de assinatura de vinho e até no enoturismo, uma das principais fontes de receita das vinícolas nacionais, que têm investido alto em instalações de padrão internacional para receber visitantes. A isso tudo se somam duas safras excepcionais no País: a de 2018, melhor até então, e a de 2020, a “safra das safras” na opinião de especialistas.

A Wine será a primeira empresa do setor no Brasil a abrir o capital. Os principais acionistas vendedores – a gestora Península, de Abilio Diniz, e a Orbeat Som e Imagem, representada pela família Sirotsky e gerida pela EB Capital – detêm cada uma 40,96% das ações. Caso sejam exercidos os lotes adicional e suplementar, ambos terão sua participação reduzida para 12,34% cada. Já Rogerio Salume, fundador da empresa e hoje dono de 9,02% das ações, ficará com 1,80%. Os recursos obtidos com a oferta primária serão investidos em aquisições, marketing, logística, tecnologia e expansão de lojas físicas.

Criada em 2008 com a filosofia de democratizar o consumo de vinhos entre os brasileiros por meio do e-commerce, a Wine ganhou escala com o lançamento de um clube de assinaturas, já no ano seguinte. Hoje, as compras efetuadas pelos assinantes somam 78,6% da receita da empresa. Além de se converter em carro-chefe da companhia, o clube de vinhos se tornou o maior da América Latina, com 200 mil sócios ativos, de acordo com números fornecidos pela empresa. Segundo o consultor Rodrigo Lanari, que representa a britânica Wine Intelligence no Brasil, a última década trouxe um incremento de cerca de 15,6 milhões no número de pessoas que bebem vinho regularmente no País. “O consumidor brasileiro tem como característica marcante o gosto pela descoberta, o que é extremamente vantajoso para novas empresas”, afirmou, referindo-se ao fato de a Wine ter sido responsável por apresentar novos rótulos, com boa relação custo-benefício, e popularizar os clubes de vinhos no País. “Fora o fato de o Brasil já trafegar muito bem no ambiente digital e nas redes sociais — o que, no caso da Wine, também ajudou bastante.”

“Abrir esse canal direto com o cliente nos permite entendê-lo melhor, além de ampliar nosso trabalho de curadoria” Antonio Pereira Carvalhal Neto, diretor comercial e de marketing da Casa Flora.

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Hoje, a empresa opera uma plataforma omnicanal que, além da assinatura e do e-commerce de vinhos, inclui atendimento B2B (para bares, restaurantes, hotéis, lojas de varejo e quiosques), eventos e cinco lojas físicas, nas cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo. A inauguração mais recente ocorreu no bairro de Moema, na capital paulista, na semana passada. A estratégia dos espaços físicos é fortalecer o conceito O2O (on-line to off-line). Além das vendas, há treinamentos, workshops, degustações e até mesmo jantares. O faturamento da Wine em 2019 chegou a R$ 252,7 milhões. Em 2020, o resultado do primeiro semestre foi de R$ 146,3 milhões, com lucro bruto de R$ 70 milhões.

LUCRO LÍQUIDO? O que o investidor seduzido pela atraente ideia de lucrar no mercado de vinhos pode esperar? Um fator fora da curva é o cenário atípico, com o aumento de consumo (informações no quadro à direita) foi impulsionado pelo isolamento imposto pela pandemia de Covid-19. Sem poder gastar com jantares fora de casa, viagens e outros itens de lazer, muita gente passou a consumir mais vinhos em casa. O mês de julho, em particular, registrou o mais alto volume de vendas em um único mês no Brasil: 63 milhões de litros, de acordo com a Ideal Consulting. O número é 32% maior que o recorde anterior, em outubro de 2019, quando as vendas somaram 47,7 milhões de litros.

CRESCIMENTO Os sócios da Evino, Marcos Leal e Ari Goreinstein (à dir.): e-commerce já é o maior de vinhos da América Latina, com faturamento previsto de R$ 400 milhões este ano. (Crédito:Divulgação)

Com mais brasileiros dispostos a beber vinho, novas empresas de e-commerce e diferentes clubes de surgiram para acirrar a disputa pelo bolso do consumidor. E aí está uma das maiores ameaças para o crescimento da Wine no médio prazo: a Evino. De janeiro até o fim de agosto deste ano, a empresa fundada em 2013 pelos sócios Ari Gorenstein e Marcos Leal faturou R$ 300 milhões, apontando um crescimento de 72% em relação ao mesmo período do ano passado. A concorrente mais jovem também superou a Wine no volume importado. Foram 600.965 caixas de vinho contra 421.967 da Wine, segundo levantamento da Ideal Consulting.

A Evino se destacou no mercado com o modelo de flash sales – promoções de itens em quantidade limitada oferecidas durante um breve período de tempo. Também lançou seu clube de vinhos e ampliou o portfólio de rótulos premium mirando na evolução do paladar de seus clientes. Pensando no público jovem, a Evino lançou em setembro sua primeira linha própria de vinhos, a Vibra!, vinificada pela Góes, em São Roque (SP), com opções de tinto, branco, rosé e frisante comercializados em latas por R$ 12,90 a unidade. Como resultado, a Evino se consolidou em 2020 como líder de e-commerce de vinhos na América Latina. De janeiro a setembro, a empresa já registrou R$ 37 milhões de Ebitda, com previsão de elevar essa marca para R$ 50 milhões até o fim do ano, quando as vendas deverão somar R$ 400 milhões.

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“Temos mais de 100 pessoas por hora acessando a plataforma e conversando sobre vinhos” Alexandre Bratt, diretor comercial da Grand Cru.

E não são apenas os importados que garantem os bons números do e-commerce de vinhos em 2020. A vinícola Miolo, com sede em Bento Gonçalves (RS) e produção em quatro regiões do País, investiu em uma nova plataforma digital que otimiza sua interface responsiva. A estratégia elevou em 100% as vendas pelo canal digital nos nove primeiros meses do ano, em comparação com o mesmo período de 2019. Inevitável, a transformação digital no mercado brasileiro de vinhos também atraiu a adesão das empresas mais tradicionais, como a Casa Flora, uma das maiores importadoras e distribuidoras de alimentos e bebidas do Brasil, com sede em São Paulo e centros de distribuição em Belo Horizonte, Curitiba e Rio de Janeiro. Até o fim de novembro, o portfólio de 800 rótulos importados de 20 países estarão disponíveis em seu novo e-commerce, assim como todos os outros produtos do catálogo seco da empresa.

“Abrir esse canal direto com o cliente nos permite entendê-lo melhor, além de ampliar nosso trabalho de curadoria de sortimento pelo mundo”, disse Antonio Pereira Carvalhal Neto, diretor comercial e de marketing da Casa Flora. “Já quisemos trazer produtos cuja operação não teve aderência em nossos canais tradicionais, como supermercados, hotéis e restaurantes, mas que se adequam muito bem ao ambiente eletrônico”, afirmou, enfatizando o caráter complementar da plataforma de e-commerce. Gerida desde o início pela mesma família, a importadora desconsidera a possibilidade de vir a abrir capital. “Entendemos que a nossa empresa familiar, com participação por conselhos e gestão profissional via sistemas de informações, nos permite a tomada mais rápida de decisões e traz credibilidade junto ao público e aos nossos fornecedores”, disse Neto.

Para o diretor comercial da Grand Cru, Alexandre Bratt, a pandemia forçou a empresa a repensar muitas frentes. “Lojas nossas fecharam, assim como restaurantes que atendíamos”, afirmou. Em abril, a maior importadora de vinhos do Brasil chegou a comunicar aos fornecedores a suspensão temporária de pagamentos, demitiu 10% de seu corpo de funcionários, renegociou aluguéis de suas 78 lojas (próprias e franquias) e adotou uma série de outras medidas para se adequar ao novo momento. Uma das novidades foi o investimento em canais como supermercados e empórios, que permaneceram abertos, e em seu canal digital.

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“O consumidor brasileiro tem como característica marcante o gosto pela descoberta, o que é extremamente vantajoso para novas empresas” Rodrigo Lanari, consultor da Wine Intelligence.

Entre as inovações está a criação da plataforma de live commerce Grand Cru ao Vivo, que funciona como uma vitrine para os produtos e reproduz o contato presencial com um vendedor, por meio de perguntas feitas via chat. Quando não há clientes on-line, a ferramenta veicula ofertas e promoções. “Com ela conseguimos escalar rapidamente o atendimento que nossos vendedores poderiam fazer”, afirmou Bratt, que aponta o crescimento de 10% nas vendas on-line com o Grand Cru ao Vivo. “Em vez de atender 15 pessoas por dia, temos mais de 100 pessoas por hora acessando a plataforma e conversando sobre vinhos”, disse o executivo. Ele acredita que o consumo crescente veio para ficar, já que quem se inicia no mundo do vinho dificilmente o abandona.

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