A reunião anual que comemorou a 50ª edição do Fórum Econômico Mundial, realizada na semana passada em Davos, na Suíça, foi tida como a mais verde da sua história. As verdinhas sempre estiveram presentes no evento por se tratar de um encontro que congrega os mais endinheirados e poderosos do mundo: empresários, banqueiros, economistas, executivos e líderes políticos. Mas, desta vez, o alemão Klaus Schwab, fundador do evento, direcionou as discussões para um futuro mais sustentável para o capitalismo, em que o verde do meio ambiente também estivesse no centro das preocupações, ao lado do dinheiro. Em um manifesto, Schwab propôs a chegada de uma nova fase da economia. Depois do capitalismo de acionistas, que visava só maximizar os lucros, e do capitalismo de Estado, adotado por alguns países emergentes como a China, seria o momento do “capitalismo de stakeholders”, ou de partes interessadas. “Uma empresa é mais do que unidade econômica gerando riquezas. Ela contempla aspirações humanas e da sociedade como parte de um sistema social maior”, escreveu Schwab no manifesto O propósito universal de uma empresa na quarta revolução industrial.

A jovem ativista ambiental sueca Greta Thunberg, claro, fez parte da programação oficial de apresentações. ainda que sem o brilho esperado. Schwab afirmou que a jovem fez o mundo perceber que o sistema atual seria uma traição às gerações futuras, ao deixar um grande dano ambiental. Esse alerta se soma às novas demandas dos jovens consumidores e a uma maior preocupação com a perenidade dos negócios, o que faz a sutentabilidade ganhar importância na economia. Pela primeira vez em dez anos, as mudanças climáticas entraram entre as cinco maiores preocupações dos CEOs, segundo o relatório anual de riscos globais do Fórum.

O Brasil não foi representado pelo presidente Jair Bolsonaro, mas por seu ministro da Economia, Paulo Guedes. A ausêncoa do presidente pode ter evitado que ele se tornasse alvo de ataqes. Ainda assim, Guedes, alinhado com o posicionamento de políticos como Donald Trump e do premiê australiano Scott Morrison, escorregou ao afirmar que “a pior inimiga do meio ambiente é a pobreza”. Segundo ele, as pessoas destruiriam o meio ambiente porque “precisam comer”, dando a entender que os maiores responsáveis por ameaçar o meio ambiente não são os grandes consumidores de recursos energéticos e ambientais da indústria ou da agricultura. Depois de receber críticas e menções indiretas num painel que reuniu o americano Al Gore e o climatologista brasileiro Carlos Nobre, o ministro tentou “consertar” a declaração em reunião com líderes de grandes multinacionais. Ele afirmou que desejava ter dito que os países que hoje criticam o Brasil pela política ambiental já destruíram as suas florestas no passado para acabar com a fome.

Se, por um lado, estar na contramão no discurso ambiental pode ser prejudicial para o Brasil, por outro lado, Guedes teve seu momento de ouro ao lembrar que, enquanto o crescimento das maiores economias desacelera, o Brasil espera mais expansão em 2020. Otimista, ele afirmou que o PIB pode ter crescido 1,2% em 2019 e ir a 2,4% neste ano. Na semana anterior, a Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia estimou alta de 1,12% no PIB em 2019.

Guedes comemorou o crescimento de 25% do investimento direto externo no Brasil, em 2019, o que colocou o país na quarta posição global.

Em seu papel de atrair investimentos para o Brasil, Guedes destacou o controle das contas públicas, já que aprovou a nova Previdência, reduziu juros da dívida e criou regras que permitem congelar salários de cargos públicos. Por fim, ainda mostrou confiar na aprovação, ainda neste ano, da reforma tributária. Ele também comemorou que o investimento direto estrangeiro subiu 25%, em 2019, colocando o Brasil como o quarto país que mais atraiu capital externo. Essa posição, no entanto, não está garantida para o médio e longo prazo. Segundo a Pesquisa Global com CEOs, divulgada em Davos pela PwC, o Brasil caiu da sexta posição, em 2019, para a nona, neste ano, na lista de nações mais importantes para o crescimento das empresas. Em apenas um ano fomos ultrapassados por Austrália, Japão e França.

Assim, a percepção do Brasil no exterior parece dicotômica. Presente no encontro em Davos, um alto executivo de uma empresa de concessões de infraestrutrura afirmou à DINHEIRO que o clima geral do encontro era promissor para o Brasil. “A imagem de Guedes ainda é positiva, apesar de algumas trapalhadas do governo”, disse. Mesmo com ambiente favorável para negócios, ele conta que o único tópico frágil é, justamente, a questão ambiental. “Isso é muito sensível aos empresários porque hoje boa parte dos consumidores deixa de comprar de uma determinada marca se ela for atrelada, por exemplo, a maus tratos de animais ou desmatamento. Há resistência, principalmente nos acordos comerciais do ramo têxtil.”

O retrato repassado pelo empresário reflete a relação da elite mundial no que diz respeito ao clima. Para desviar de criticas de ambientalistas que tratam a cúpula como hipócrita, a edição deste ano foi livre de utensílios descartáveis. Havia ainda coleta seletiva e boa parte da alimentação não continha proteína animal, além do plano de salvar 1 bilhão de árvores, e pedir para os executivos neutralizarem, em suas empresas, o carbono emitido para levá-los de avião ao encontro.

PRESENÇA BRASILEIRA Além de Guedes, outros expoentes da cena política brasileira deram as caras em Davos. Entre eles, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Cotado como potencial candidato à presidência em 2022, o tucano aproveitou seu tempo para apresentar um amplo plano de desestatização de ativos estaduais, e garantiu que haverá segurança jurídica aos potenciais investidores. Ele também usou o tempo discursando para falar do agronegócio, incitando parcerias comerciais e colocando o Brasil como estrela na produção e distribuição global de alimentos. Nesse sentido, um encontro com o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o brasileiro Roberto Azevedo, poderá render bons frutos. Na quinta-feira 23, o tucano também anunciou a captação de R$ 17,2 bilhões em investimentos no Estado de São Paulo. “A missão foi muito produtiva. Conversamos com muitas empresas e captamos investimentos para os próximos três anos de empresas como Iberdrloa, Proctar & Gamble, PepsiCo, Actiona, Bracel e Enel”, afirmou João Doria ao sair de um encontro com líderes empresariais.

Sem a alcunha de celebridade da tevê, Luciano Huck esteve no encontro dos super-ricos na Suíça. E, desta vez, com um papel de destaque. Pelo segundo ano no evento, o apresentador da rede Globo participou de dois debates, um sobre crescimento sustentável e outro sobre democracia. Na quarta-feira 22, ele gravou um vídeo para comentar a experiência nos Alpes. “É um daqueles eventos para tentar fazer o mundo um lugar mais igualitário, mais justo, e para repensar um pouco os fundamentos do capitalismo. Como estou numa fase da vida que quero aprender, onde fazer pergunta é mais legal do que saber resposta, eu estou aqui.”

AÇÕES GOVERNAMENTAIS O evento também trouxe anúncios que devem mudar questões comerciais importantes para o Brasil. Além de toda a discussão de natureza política e econômica, Guedes aproveitou a ida à Suíça para divulgar iniciativas que podem ganhar força nos próximos meses. Entre elas o interesse em aderir ao Acordo de Compras Governamentais, da OMC. Segundo esse regime, o País se comprometeria a tratar isonomicamente empresas nacionais e internacionais em contratos públicos. Por um lado, o Brasil perderia a capacidade de estimular a indústria e a área de serviços nacional, mas teria acesso a compras dos 28 países signatários do acordo. Trata-se de um mercado de US$ 1,7 trilhão por ano.

MANIFESTO O alemão Klaus Schwab, idealizador do Fórum, anunciou uma nova fase do capitalismo. (Crédito: Fabrice Coffrin)

De um encontro com Sajid Javid, o ministro de Finanças do Reino Unido, saiu a informação de que há interesse do país em firmar um acordo de livre comércio com o Mercosul logo que o Brexit for finalizado. A expectativa é de um acordo mais rápido e simples do que o entre o Mercosul e a União Europeia. Este último, aliás, está sujeito as melhores e piores impressões internacionais sobre o Brasil. O País é visto como de grande potencial para negócios, ao mesmo tempo que preocupa por seus direcionamentos quando o tema é meio ambiente.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também marcou presença no evento e usou, como de costume, seu ácido humor. De acordo com ele, esse discurso de catástrofe proferido pelos ativistas são similares aos “videntes” que nos anos 1990 profetizavam o fim do petróleo ou o fim do planeta Terra em função da superpopulação.

A questão climática figurou, pela primeira vez em 10 anos, como uma das cinco maiores preocupações dos CEOS, segundo o relatório de riscos globais. (Crédito:World Economic Forum/ Sandra Blaser)

Yuval Noah Harari, autor israelense de best-sellers como “Sapiens” e “Homo Deus”, chamou atenção para o crescente, e massivo, uso de dados e como eles podem dizimar países. “Não será mais preciso enviar soldados para guerras, se houver dados suficientes disponíveis sobre um determinado país”, afirmou. A questão de gênero também teve espaço no encontro. De acordo com os próprios organizadores, apenas 24% dos convidados eram do sexo feminino, sendo raras as oportunidades em que duas mulheres sentavam à mesa em um mesmo debate.

Um caso curioso aconteceu quando um moderador de simpósio confundiu o nome de duas participantes. Nesse momento, Rachel Kyte, representante da ONU para questões de energia, virou-se para Vicky Hollub, presidente-executiva do grupo Occidental Petroleum e disse: “Estranho, não? Duas mulheres no mesmo debate?” As pessoas na plateia riram — de constrangimento.

FÓRUM SOCIAL Até mesmo as diferenças de crescimento, nos últimos anos, dos salários médios no G7 e dos dividendos — 3% contra 31%, entre 2011 e 2017 — e o aumento da desigualdade entraram em discussão em Davos. Apesar de tanto bate-papo em torno de inclusão e sustentabilidade, o evento não se verá tão cedo livre de críticas. Camila Santana, uma das organizadoras do Fórum Social Mundial (FSM), uma iniciativa rival, afirma que pouco, ou nada, do que é discutido em Davos gera efeito para a redução da desigualdade social, um ponto essencial para garantir um mundo melhor e mais estável. Camila esteve em 15 das 19 edições do FSM. E lembra, inclusive, que em 2009, em Belém do Pará, o evento reuniu 120 mil pessoas. “Havia poder público, privado, organizações sociais, ONGs, movimentos populares de países distintos discutindo um futuro melhor. Bem longe dos Alpes suíços, no calor do Norte”, disse.Em 2019, o FSM aconteceu no Rio de Janeiro e apesar de uma abrangência menor que a verificada em 2019 ainda compareceram pelo menos 30 mil pessoas, um número muito superior aos 3 mil convidados (escolhidos a dedo) para ir a Davos.

Patinando no PIB

Enquanto Paulo Guedes mostrava em Davos o respiro de um País saindo de estagnação econômica, por aqui as coisas ainda vão bem devagar. No último dia 16, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) considerado uma prévia do PIB, apresentou alta de 0,18% em novembro, ante outubro. O resultado não foi ruim, mas mostra que as coisas não estão de vento em popa, como muita gente esperava para o fim do ano. “Qualquer crescimento em torno de 2% a 2,5% será possível em 2020”, diz Silvia Matos, pesquisadora sênior da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre). “Quem pensava em alta de 3% é que estava otimista demais, porque estamos num período de crescimento heterogêneo e de recuperação não tão sólida espalhada por toda a economia.”

Outra prova disso são os dados divulgados pelo próprio FGV-Ibre, na semana passada, que baixaram a estimativa de crescimento do último trimestre de 2019, de 0,8% para 0,6%. Para o primeiro trimestre deste ano, a expectativa é de avanço de 0,2%. “O indicador está dizendo que não é um desastre, mas também não é uma Brastemp”, afirma Silvia, que coordena o Boletim Macro Ibre. “As pessoas criaram expectativas muito favoráveis no começo do ano passado e durante o governo Temer. Estamos recorrentemente superestimando o PIB e depois nos decepcionando.”

A expectativa era que a indústria e o comércio deveriam dar sinais mais pujantes de retomada. “O consumo é o grande líder da recuperação e já está voltando ao patamar pré-crise. Mas, para o crescimento de longo prazo se estabelecer, é preciso investimentos”, diz. “Vejo o investimento subindo, mas não todos os indicadores estão nessa direção. A indústria de transformação e extrativa foram surpresas negativas.” Além disso, a indústria ficou, nos últimos anos, muito dependente do setor automotivo, que perdeu muitas exportações, com uma piora no comércio internacional.

Outra decepção foi com a retomada do varejo, ajudada pelos saques do FGTS. Por exemplo, em novembro passado, mês avaliado pelo IBC-Br, se deu a Black Friday. A data promocional movimentou R$ 3,2 bilhões, segundo a consultoria E-bit. Ante a edição de 2018, o avanço foi de 23%, mas um dado salta aos olhos: o tíquete médio caiu 1,1%, sinalizando que o varejista entendeu que o anseio do consumidor era por descontos mais agressivos.

No mês seguinte, o Natal também confundiu o brasileiro. Se por um lado a Associação dos Lojistas de Shopping (Alshop) reportou crescimento de 9,5% nas vendas, por outro, a Associação Brasileira de Lojistas Satélites (Ablos) contestou a cifra, dizendo que tal incremento era irreal.