Qual o peso da sorte no êxito econômico? No livro Sorte e Sucesso, o colunista de economia do The New York Times, Robert Frank, trata dessa questão com rara competência. Ele não nega, é bom ressaltar, a importância de fatores como talento, dedicação e inteligência na equação que leva alguém a ser bem-sucedido. Mas toca num ponto para o qual muita gente ainda torce o nariz: não raro, doses de sorte têm participação fundamental no processo de enriquecimento de um indivíduo ou empresa. O empresário pernambucano Solon Galvão, 59 anos, é exemplo vivo disso. No caso dele, a sorte apareceu na forma de um episódio catastrófico para o restante do Brasil. O ano era 1990. Com a inflação na casa dos 80% ao mês, Galvão teve a ideia de investir todo o dinheiro que faturava com a farmácia que tinha no município de Abreu e Lima, no interior de Pernambuco, em carros de luxo. “Imaginei que seria uma forma melhor e mais segura de investir, do que deixar meu dinheiro parado na poupança”, disse o empresário. “Se as coisas piorassem ainda mais no País, eu teria ao menos os carros”. As coisas pioraram. E muito.

No dia 16 de março daquele ano, o presidente Fernando Collor de Mello, que acabara de ser empossado, confiscou poupança, conta corrente e aplicações financeiras de quase 150 milhões de brasileiros. A partir daquele dia, correntistas e poupadores, pessoas físicas e jurídicas, só estavam autorizados a sacar 50 mil cruzados novos – cerca de R$ 8 mil em valores atuais. O País entrou no caos. Mas Galvão estava tranquilo. Com seis carros na garagem, aproveitou o momento para vender a farmácia e investir na abertura de uma nova empresa. Nascia a JBS Motors, que acabou de completar 30 anos de atividades e deve fechar este ano com faturamento na casa do R$ 200 milhões – alta de quase 70% sobre 2019 (R$ 120 milhões) – e cerca de 1 mil carros vendidos. A média de três unidades comercializadas por dia, considerando apenas os dias úteis, torna-se ainda mais impressionante pelo fato de a JBS atuar no mercado de carros de luxo usados. O valor médio dos veículos vendidos pela empresa é de R$ 200 mil, com exemplares de grifes da indústria automobilística, como Audi, BMW, Jaguar, Mercedes, Porsche e Volvo. Dos seis carros com os quais foi inaugurada, a JBS dispõe, hoje, de 150 automóveis à venda. “Nosso diferencial é que não vendemos objetos. Vendemos sonhos”, afirmou Galvão.

Renato Corrêa Neto

É fato que a – digamos – sorte de ter todo o dinheiro investido em carros quando da implantação do Plano Collor contou a favor do sucesso da JBS, mas a trajetória de Solon Galvão começou bem antes, numa história de dedicação, disciplina e ousadia. Ele passou a trabalhar aos 10 anos, ao lado do pai, num armazém de Timbaúba, a 100km do Recife e hoje com cerca de 50 mil habitantes. “Desde cedo, aprendi que precisamos trabalhar para termos o que quisermos.” Por volta dos 20 anos, após a morte do pai, ele era uma espécie de faz tudo num posto de combustível também em Timbaúba. Além de frentista, ajudava a organizar as contas do local. Economizou o máximo que pôde e decidiu seguir os passos do pai: abriu uma mercearia de balas, doces e cigarros, que tocava ao lado da então esposa, Carmélia, 56 – eles se separaram há cerca de dez anos. E seguiu guardando tudo o que podia. Só que agora era mais difícil sobrar dinheiro. É que o casal já tinha os dois filhos: Solon, 37, e Saulo, 35. “Mas, com disciplina, dava para guardar uma graninha.”

AS JOIAS DA CAS aOs três carros mais caros atualmente à venda na JBS

EM TODO O PAÍS As coisas começaram a melhorar em meados dos anos 1980, quando Galvão vendeu a mercearia e comprou uma pequena farmácia, que funcionava numa casa de dois andares, no município de Abreu e Lima. Para continuar poupando, a família vivia no piso superior e o estabelecimento comercial ficava no térreo. Ainda pequenos, os filhos ajudavam como podiam. “A gente limpava a poeira que vinha da rua de terra e cobria as estantes, fazia a reposição dos medicamentos, varria o chão”, disse Solon Filho, que hoje toca a JBS ao lado do irmão, ambos formados em administração. Enquanto Solon cuida das finanças, Saulo é o responsável pelas áreas comercial e de marketing. Sob o comando dos irmãos, a companhia cresceu e tornou-se nacional. Hoje, são três lojas espalhadas pelo Recife e uma quarta prevista para ser inaugurada ainda este ano. “Temos clientes no Acre, em Minas Gerais, em São Paulo, em todos os cantos do Brasil”, afirmou Saulo. Muitos desses compram os carros sem pisar na capital pernambucana, graças à presença da companhia no ambiente digital, especialmente no Instagram e no site. “Conquistamos uma excelente reputação. O cliente adquire o veículo e nós enviamos a qualquer cidade do Brasil, com a documentação certinha”, disse Solon Filho, que quer seguir evoluindo. Apenas na ampliação de uma das lojas e na inauguração da quarta unidade, a empresa já investiu R$ 5,6 milhões. A família está otimista em relação ao futuro. Para 2021, a meta é aumentar em 30% o faturamento, que chegaria a R$ 260 milhões. “Tudo isso é resultado de muito trabalho e empenho”, disse Galvão. E um toque de sorte.