Quando a reportagem da DINHEIRO esteve em Buenos Aires em maio para ver de perto a delicada situação econômica da Argentina, o Brasil vivia os efeitos da greve dos caminhoneiros e uma pergunta era feita com frequência pelos argentinos: “está tudo parado mesmo?” Na terça-feira 25, os hermanos viveram situação semelhante. Uma greve geral parou trens, ônibus, voos e afetou o comércio e a indústria, especialmente na capital, onde vivem cerca de 30% da população. Diante da Casa Rosada, sede do governo, um símbolo do vai-e-vem da rotina, a Plaza de Mayo, equiparável à avenida Paulista, em São Paulo, ficou deserta. A quarta paralisação enfrentada pelo presidente Mauricio Macri é um sinal da dificuldade de sua gestão na tentativa de debelar a crise. A pressão aumentou. O presidente do Banco Central argentino. Luis Caputo, pediu demissão no mesmo dia da greve e o país negociou uma ajuda extra com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em um empréstimo que agora soma US$ 57,1 bilhões.

Fora do jogo: o presidente do Banco Central, Luis Caputo, renunciou após atritos com as demandas do FMI

Nem foi preciso que os brasileiros fizessem a mesma pergunta repetida pelos argentinos na ocasião. Os efeitos foram sentidos do outro lado da fronteira – cerca de 60 voos foram cancelados. “Parecia um domingo, em plena terça-feira”, diz Roberto Chiti, cientista político da consultoria Diagnóstico Político, de Buenos Aires. “Cada sindicato pede uma coisa diferente, mas o importante é que todos são antimedidas de austeridade de Macri.” Os trabalhadores refutam as duras ações impostas pelo fundo em troca do empréstimo de US$ 50 bilhões negociados em maio, como forma de acalmar os investidores estrangeiros. Como contrapartida ao reforço, o governo anunciou cortes de despesas e investimentos para antecipar o fim do déficit público. Os juros foram elevados para 60% e a previsão é que o país permaneça em recessão até 2020.

O governo queria ainda mais dinheiro do FMI e mais rapidamente, já que grande parte desse valor viria em parcelas ao longo de 2019 e 2020. O Fundo, porém, pedia menos intervenções no mercado cambial, com o fim das vendas de dólares pelo Banco Central em momentos de forte depreciação do peso diante da moeda americana – a desvalorização já ultrapassa 50% neste ano. O toma lá dá cá acabou resultando na saída de Caputo – cujo pedido de demissão já vinha sendo negociado desde antes da greve geral. O economista Guido Sandleris assumiu o Banco Central e deve seguir uma política mais alinhada às diretrizes impostas como contrapartidas do socorro. Após uma nova rodada de negociações, o pacote de ajuda foi elevado em US$ 7,1 bilhões. “Eu apoio o plano de reforma revisado da Argentina”, afirmou Christine Lagarde, diretora-executiva do FMI logo após o anúncio, justificando que, no cerne da confiança, está o “câmbio flutuante, sem intervenções.”

Tudo mal em casa: o presidente Mauricio Macri compareceu à assembleia da ONU sem citar a greve e a crise econômica na Argentina

Desde o começo do ano, a Argentina vem sofrendo com a saída de capital, em busca de juros mais altos nos Estados Unidos. Na quarta-feira 26, o Federal Reserve, o banco central americano, subiu a taxa básica pela terceira vez no ano, para o patamar entre 2% e 2,25% (nos EUA é definido um intervalo, ao contrário de um valor único). O movimento afeta outros países emergentes, mas tem reflexos maiores na Argentina já que cerca de 90% da dívida pública está hoje fixada em dólares. O valor é de aproximadamente US$ 250 bilhões, cinco vezes mais do que as reservas internacionais do país. A Argentina também convive com uma situação conhecida por déficits gêmeos, um rombo nas contas públicas e nas transações com o exterior. Ao mesmo tempo em que eleva a dívida em dólares, a depreciação da moeda acelera a inflação, que deve chegar a 40% neste ano. Em vez do crescimento de 3% previsto em janeiro, a Argentina deve ter uma recessão de ao menos 1,9% do PIB em 2018 (confira quadro).

O presidente Macri não presenciou a greve geral. Ele estava em Nova York para a Assembleia Geral da ONU (leia texto ao lado), acompanhado do ministro da Fazenda Nicolás Dujovne. “A ideia da greve era exatamente gerar pressões para manter os auxílios e pensões”, afirma Gustavo Segré, economista argentino da consultoria Center Group. “No entanto, apesar das imagens fortes na capital, a paralisação praticamente não existiu no interior do país.” Os efeitos da greve arranham a administração de Macri, mas podem ajudar a respaldar o esforço para atenuar as condicionantes do socorro. “A greve mostra ao FMI que o país pode entrar em colapso se forçar demais com pedidos de austeridades”, diz Mark Jones, especialista em Argentina da Universidade Rice, nos EUA. “O fundo sabe que não vai conseguir pessoa mais colaborativa do que Macri no governo, ao contrário de líderes passados.” Nada que reverta o clima de prostração no país.


Na ONU, imagem de países perfeitos rende risadas

Enquanto a Plaza de Mayo estava deserta em Buenos Aires, a sede das Nações Unidas, em Nova York, nos EUA, ficou lotada de comitivas de líderes mundiais, presentes para a Assembleia Geral da ONU. “Nosso país está passando por um período de mudanças profundas”, afirmou o presidente argentino Mauricio Macri, na terça-feira 25. Não houve menções à greve geral de seu país. Em vez disso, o foco do discurso foi a Venezuela. “Faço um apelo à Venezuela para que reconheça a crise humanitária, para assim poder liberar a cooperação internacional”.

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, por sua vez, em seu próprio discurso, se defendeu: “Usam uma crise humanitária para justificar sanções contra a Venezuela. Os Estados Unidos fabricaram uma crise migratória.” O presidente brasileiro Michel Temer havia aberto a sessão dos discursos na tribuna da ONU. Em seu último discurso na ONU ainda na presidência, ele citou ações que teriam sido benéficas sob sua tutela. “Recolocamos as contas públicas em trajetória responsável e restauramos a credibilidade da economia”, afirmou Temer. “Voltamos a crescer e a gerar empregos.”

Assim como mandatário brasileiro, o presidente americano Donald Trump usou o espaço para enaltecer seus feitos. “Em menos de dois anos, minha administração realizou mais do que quase qualquer administração na história do nosso país”, afirmou. O público não se conteve. Uma sequência de risadas foi ouvida após a promoção americana. “Não esperava por essa, mas tudo bem”, reagiu Trump. Quanto à China, principal alvo de sua guerra comercial, o presidente reafirmou que “a maneira como ela faz negócios não pode ser tolerada”. De fato, um discurso com tons de comédia, som e fúria.