Ruas vazias, lojas e shoppings fechados. O comércio nas principais cidades brasileiras – e em quase todo o mundo – remete a um apático feriado de Ano-Novo. O pouco movimento que ainda existe está concentrado em estabelecimentos essenciais, como supermercados, farmácias e padarias. Em razão do coronavírus, o varejo nos maiores centros urbanos brasileiros está, literalmente, em quarentena – espalhando incertezas e angústia a pequenos e médios empresários e deixando a indústria em estado de atenção. “Os prejuízos do comércio, sem uma iniciativa de proteção financeira mais agressiva dos governos, crescerão quanto mais dias o isolamento social perdurar”, afirma o economista Luis Augusto Lobão Mendes, consultor da HSM Educação Executiva, de São Paulo. “Ainda é difícil calcular com precisão as perdas, mas estimo algo em torno de R$ 100 bilhões se o fechamento do comércio se estender até o fim de maio.” Previsões mais pessimistas apontam que, a depender da duração da pandemia, o Brasil poderá contabilizar mais 8 milhões de desempregados, aumentando o total a 20 milhões – uma catástrofe social e econômica.

A projeção dramática leva em conta estimativas feitas por entidades ligadas ao comércio, que preveem demissão de até 5 milhões de pessoas no setor, devido ao fechamento de bares, restaurantes e hotéis, entre outros tipos de negócios. Outros 3 milhões de desempregados devem vir dos demais setores afetados pela pandemia, especialmente a indústria, que tradicionalmente demora mais a demitir em decorrência dos custos das dispensas e pelo risco de perder mão de obra qualificada. Pelos cálculos da Confederação Nacional do Comercio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), as perdas diretas impostas ao comércio pelo coronavírus devem encerrar março com R$ 25,3 bilhões. A conta considera apenas os três estados com maiores volumes de vendas do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) e o Distrito Federal. As quatro regiões respondem por 52% do faturamento anual do setor. Não estão contabilizadas as perdas indiretas decorrentes da queda espontânea da movimentação dos consumidores nas lojas.

Segundo o presidente da CNC, José Roberto Tadros, o comércio, que tinha expectativa de expansão este ano, agora está registrando prejuízos que representam um desafio histórico para o setor. “Nós já enviamos ao governo federal um documento com sugestões de medidas que possam reduzir os impactos negativos da crise nas empresas, visando a manutenção dos postos de trabalho. Estamos buscando todas as soluções disponíveis para que os empresários possam enfrentar essa difícil conjuntura”, afirma Tadros. Em São Paulo, a CNC estima que a perda no volume de vendas chegará a R$ 15,6 bilhões – uma retração de 29,9% em relação ao faturamento usual do setor. Na semana passada, o governador paulista, João Doria, decretou o fechamento de lojas em diversos segmentos do varejo entre 20 de março e 5 de abril – iniciativa considerada fundamental para arrefecer o ritmo de proliferação do coronavírus no Estado que registra o maior número de casos e mortes (48 óbitos, até a tarde da quinta-feira 26) no País.

No Distrito Federal, decreto semelhante entrou em vigor um dia antes (19 de março), estendendo-se também até 5 de abril. Com isso, as perdas vão alcançar R$ 815,3 milhões (-30,7%), segundo a CNC. Os estabelecimentos comerciais de Minas Gerais, que deverão permanecer fechados entre os dias 23 de março e 10 de abril, devem acumular queda de R$ 4,4 bilhões (-27,3%) no faturamento.Já no Rio de Janeiro, a Confederação projeta uma perda de R$ 4,4 bilhões no comércio, desde o início das restrições. Além do decreto do governo estadual recomendando o fechamento de shopping e reduzindo em 30% o horário de funcionamento dos estabelecimentos, a prefeitura da capital decidiu que, desde o dia 24, todos os pontos comerciais especializados na venda de produtos não essenciais fechem as portas por 15 dias. Parte do comércio, no entanto, começou a reabrir no dia 27, gradualmente. “Para a grande maioria dos estabelecimentos, será impossível pagar o salário do dia 5 de abril”, afirma Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). “O governo está vacilando em tomar a decisão certa na hora certa”, diz o executivo, que calcula a necessidade de socorro de R$ 3 bilhões por mês para sustentar com renda mínima 3 milhões de trabalhadores formais do setor.

O drama financeiro gerado pelo fechamento do comércio não é exclusividade do Brasil. Em todo o mundo, a determinação para que se faça isolamento da população levou a quase zero as vendas de grandes redes nos Estados Unidos, Europa e Ásia. No mercado americano, especialistas já enxergam uma antecipação do chamado Apocalipse do Varejo, fenômeno de fechamento em massa de lojas e falências causadas pelas mudanças nos hábitos de consumo dos americanos e pelo “efeito Amazon” de explosão do comércio eletrônico. “Existe uma alta probabilidade de que os fechamentos sejam estendidos, à medida em que os casos de coronavírus aumentem”, diz relatório do Credit Suisse. Levando em conta apenas o período inicial de fechamento de duas semanas, estima-se impacto médio de queda de 3% nas receitas anuais e de 13% no indicador de receita por ação em relação às estimativas anteriores para 2020. Apesar da tempestade perfeita no varejo, há quem veja dias melhores. Na avaliação da XP, as varejistas que devem ser menos impactadas são aquelas que têm bom desempenho no e-commerce, como B2W, Magazine Luiza e Via Varejo, empresas que tendem a se recuperar mais rápido. Para o analista Pedro Fagundes, alguns setores devem apenas ter parte das vendas postergadas para o período pós-crise.

CRISE GLOBAL: Em São Paulo, do governador João Doria (acima), as perdas do comércio podem chegar a quase R$ 16 bilhões. Cidades de todo o mundo, como Dubai (abaixo) estão vazias, com lojas e shoppings fechados. (Crédito: Ettore Chiereguini)

E-COMMERCE O fato é que, seja qual for o período de quarentena do varejo, o comércio on-line sairá da pandemia com a saúde fortalecida. Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), desde o dia 24 de fevereiro, pouco antes da confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, até o dia 18 de março, houve aumento médio de 111% nas compras on-line na categoria saúde, de 83% em beleza e perfumaria e de 80% nas compras de supermercado, comparado com período semelhante (25 de fevereiro a 20 de março) do ano passado. O presidente da entidade, Maurício Salvador, vê esse movimento como grande oportunidade para o setor.

Para ele, o aumento de vendas é pontual e tende a diminuir quando tudo se normalizar. “Porém, acredito que depois o comércio eletrônico movimentará cifras maiores do que movimentava no período pré-pandemia, porque novos clientes passarão a usar os canais digitais”, diz Salvador. O executivo se refere a pessoas que têm medo ou dificuldades em fazer compras por meio de aplicativos. Sem alternativa, muitos desses consumidores vão experimentar as plataformas existentes e, se a experiência for positiva, passarão a considerar o modelo virtual para adquirir produtos e serviços. A TopMed, empresa que atua na área de telemedicina, contabilizou aumento de 760% no número de atendimentos desde o dia 11 de março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que as contaminações por coronavírus haviam se transformado em pandemia. “Nosso volume de atendimento variava de 12 mil a 13 mil por mês e explodiu. Para dar conta da demanda estamos contratando médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem para atuarem em Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC), São Paulo (SP) e em outras cidades”, destaca o CEO da TopMed, Paulo Roberto Salvi.

Giuseppe CACACE

Empresas que estão com pés nos dois barcos – no varejo físico e no digital – ainda fazem contas para medir a mudança forçada nos hábitos de consumo dos brasileiros. O diretor executivo de e-commerce do Magazine Luiza, Eduardo Galanternick, afirma que o canal tem observado aumento considerável nas vendas em segmentos como supermercado, informática e móveis de escritório. Por outro lado, a necessidade de fechar lojas físicas é um empecilho, já que um dos modelos de vendas de mais sucesso na plataforma é justamente aquele em que a compra é feita pelo aplicativo para retirada em alguma loja pelo próprio cliente. “O que estamos fazendo é transformar as lojas físicas em pequenos centros de distribuição. O cliente não pode retirar, mas a gente faz a entrega sem cobrar frete nesses casos”, diz Galanternick.

armagedom do comércio Imagens de antes e depois da Covid-19 em shopping center do Canadá ilustra o que os especialistas chamam de “Apocalipse
do Varejo”. (Crédito:Divulgação)

Mesmo que o varejo retorne à normalidade nas próximas semanas – o que é pouquíssimo provável –, ficará um efeito permanente no consumidor, na avaliação de Marcio Kogut, CEO da fintech Mycon. “As pessoas tendem a se digitalizar por causa do coronavírus. Não temos dúvidas de que, lá na frente, as vendas digitais serão beneficiadas”. Desenvolvida para atender aos consumidores Millennials, por ser mais digitalizada, a empresa passou a chamar a atenção de um público de faixa etária mais alta. “Começamos a operar em dezembro do ano passado. O volume de vendas ainda é o mesmo, mas até a semana retrasada nossos clientes eram jovens de 18 a 28 anos, na maioria. Agora, estamos observando um aumento significativo nas consultas por pessoas com mais de 40 anos”.

Já a EuEntrego.com, startup de entregas colaborativas, triplicou o número de entregas semanais, passando da média de 5 mil para mais de 15 mil, entre os dias 16 e 20 deste mês, quando o isolamento social se consolidou no País. Além disso, só no fim de semana dos dias 21 e 22, as entregas multiplicaram por dez em São Paulo, a cidade mais afetada pela pandemia do novo coronavírus no País. Dessa forma, mais de 250 carros de passeio rodaram as ruas da capital paulista nesses dois dias para realizar delivery – no sábado, foram 40 mil entregas. Segundo a startup, os números foram puxados, principalmente, pelo setor de supermercados.