Ao andar pelas ruas escorregadias feitas de calcário da sagrada cidade de Jerusalém, quase se esquece que, por trás daquela paz e religiosidade, há um clima de tensão permanente no ar. Afinal, Israel está no centro de um conflito que dura décadas com os seus vizinhos árabes. Mas essa obsessão por segurança tem lá suas vantagens. Uma delas é que esse pequeno país, que pode ser percorrido de uma ponta a outra em poucas horas de carro, precisa sobreviver a uma eterna crise geopolítica. Por conta disso, desenvolveu uma cultura militar que incentivou a inovação desde a década de 1960, ajudando no surgimento de uma mão de obra qualificada e com reputação internacional. É dessa cultura militarista que emergiu uma das comunidades mais inovadoras e empreendedoras do mundo. Tel Aviv, a capital de Israel, tem uma das maiores concentrações de startups do mundo, o que fez a cidade ganhar a alcunha de “o Vale do Silício do Oriente Médio”.

Global: a Cyberark, de Udi Mokady, é uma das 83 empresas israelenses que abriram o capital na Nasdaq, a bolsa eletrônica de tecnologia e internet nos Estados Unidos (Crédito:Brad Barket/Getty Images/AFP)

Essa fama fez, em 2016, a montadora alemã Volkswagen procurar em Israel uma solução para um problema que só iria enfrentar muitos anos a frente: como blindar um veículo autônomo de um ataque cibernético. Em Tel Aviv, uma cidade que mais parece um canteiro de obras devido aos novos centros empresariais que surgem a cada ano, os executivos alemães encontraram Yuval Diskin, ex-diretor da Agência de Segurança Interna de Israel. Poucos anos antes, ele fundara a Cymotive, uma empresa de sistemas de segurança virtual para automóveis. A montadora não teve dúvidas: comprou 40% da companhia por valores não divulgados. Agora, em fevereiro, toda a operação da Cymotive começará a migrar para Wolfsburg, sede da Volkswagen na Alemanha. “Acreditamos ser os melhores em sistemas cibernéticos porque temos as capacidades para ‘hackear’ o nosso próprio sistema”, diz Diskin. “Aprendemos onde estão as nossas vulnerabilidades e assim podemos aperfeiçoá-lo.”

A história desse ex-militar que alcançou o sucesso após criar uma startup não é a única. Na verdade, esse é o padrão de toda a indústria israelense. Anualmente, mais de 300 novas empresas são abertas por ex-militares no país. Segundo o Fórum Econômico Mundial, existem entre 4.300 e 6.000 startups ativas, nascidas a partir de uma simbiose entre Forças Armadas, investimento público, fundos de investimentos e universidades. Um estudo da organização não governamental Startup Genome colocou Tel Aviv como a sexta melhor cidade do mundo para começar uma startup – atrás apenas do Vale do Silício, Nova York, Londres, Pequim e Boston. “Segurança virtual se tornou um problema para nós há 30 anos, quando os primeiros sistemas estavam sendo informatizados. Então, a primeira medida foi estabelecer uma unidade de ‘cibersegurança’ no Exército”, afirma o professor Issac Ben Israel, da Universidade de Tel Aviv e ex-general do Exército. “Alguns anos depois, já éramos responsáveis pelos principais sistemas de ataque e defesa virtual.”

Rota: Uri Levine, um dos fundadores do aplicativo de transporte israelense Waze, que foi comprado pelo Google, por US$ 1,1 bilhão, em 2013 (Crédito:Tiago Queiroz/Estadão)

Hoje, Israel é um dos grandes polos de desenvolvimento de serviços digitais e suas empresas atraem a atenção de todo o planeta. É o caso do aplicativo de trânsito Waze, fundado pelos israelenses Uri Levine, Ehud Shabtai e Amir Shinar. O Google pagou US$ 1,1 bilhão pelo negócio, em 2013. Outro exemplo é o sistema de mensagens Viber, um rival do WhatsApp, adquirido pela japonesa Rakuten, por US$ 900 milhões, em 2014. São empresas como essas, criadas nas cidades de Tel Aviv, Jerusalém e Beer Sheva, ao lado de sinagogas, mesquitas e igrejas sagradas, que fizeram com que o país tivesse projeção internacional. Pelo menos 300 multinacionais, como Intel, Google ou IBM, abriram centros de pesquisa e desenvolvimento em Israel. Por outro lado, as empresas israelenses deixaram as pequenas fronteiras de seu país para ganhar escala global. Na Nasdaq, a bolsa de valores de empresas de tecnologia e de internet, estão listadas 83 companhias israelenses. Muitas delas com valor de mercado acima de US$ 1 bilhão.

A empresa de segurança digital CyberArk ilustra esse contingente de companhias que chegaram à bolsa americana. Fundada em 1999 por Udi Mokady, outro ex-militar, ela abriu o capital em 2014. Hoje, está avaliada em US$ 1,5 bilhão. “Saímos do Exército com o pensamento de longo prazo e global”, disse Mokady à DINHEIRO. “Com essa estratégia, conseguimos nos tornar uma das principais companhias do país.” Essas empresas que conseguem ser listadas na Nasdaq contam o apoio de fundos de venture capital com muitos recursos. Em 2017, eles investiram US$ 814 milhões em startups, a maior soma desde 2013, segundo a consultoria IVC Research Center. “Está muito clara nossa missão”, afirma Erel Margalit, fundador da Jerusalem Venture Partners, que ganhou mais de US$ 1 bilhão com a abertura do capital da CyberArk. “Não seremos peões em um tabuleiro de xadrez. Nossas empresas precisam de dinheiro para desenvolver soluções para questões internacionais, que muitas vezes envolvem crises geopolíticas.”