Há dois anos, o grupo Bunge anunciou uma grande virada estratégica. Todas as suas operações na área de alimentos seriam vendidas e seus esforços passariam a se concentrar no setor de agribusiness. Pois deu tudo errado. A companhia não encontrou interessados na compra da Santista Alimentos e os resultados no agribusiness são desastrosos: queda no faturamento, endividamento elevado e prejuízos tingiram de vermelho o balanço das empresas do grupo. E mais: contrariando todas as expectativas, a Bunge lançou-se com voracidade no setor de fertilizantes. De 1997 para cá adquiriu um rol de empresas: Fertisul, Arafértil, Ipiranga Serrana, IAP, a divisão de adubos da Elekeiroz e, por fim, em abril de 2000, a Manah.
Em meio a tantos desencontros, uma única boa notícia começou a circular: o Bimbo, maior grupo alimentício mexicano, estaria interessado em comprar a Pullman, braço da Santista na área de pães industrializados. Adquirida em 1995, a marca é emblemática da trajetória da Bunge nos últimos tempos.

Sua participação de mercado despencou de 60% para 30% no Rio de Janeiro e de 30% para 20% em São Paulo. Diante de tanto vaievem, vende ou não vende, fica uma pergunta: para onde vai o Grupo Bunge? Numa das poucas vezes em que a companhia abriu as portas de sua sede no Centro Empresarial de São Paulo à Imprensa, o diretor corporativo da companhia, Carlo Lovatelli, tentou explicar a falta de rumos da Bunge no Brasil. ?Todos esses negócios são complementares?, resume. As dificuldades enfrentadas pela companhia já são conhecidas no mercado: uma estrutura inchada, pouca renovação no quadro de funcionários, níveis hierárquicos em excesso e decisões lentas. Analistas financeiros também reclamam da pouca transparência nas informações sobre a Santista Alimentos, a Ceval e a Seara, todas de capital aberto.

Os últimos balanços mostram que, no caso da Santista, dona de faturamento de R$ 1,4 bilhão, as coisas não vão nada bem. Em 1998 e 1999, acumulou prejuízos de quase R$ 230 milhões. No primeiro trimestre de 2000, mais vermelho no balanço: R$ 10 milhões. A dívida chega a R$ 433 milhões, -mais de 100% do patrimônio líquido. Ainda assim, os executivos são econômicos nas explicações. ?O negócio é ter capacidade de gerar caixa?, garante Cardoso. ?É como ter dívidas pela compra de um imóvel. Se puder ir pagando as mensalidades, está tudo bem.? Espremida por margens de lucro reduzidas, pela alta do trigo, principal matéria-prima, e pela pressão do varejo por preços menores, a Santista ainda tem um destino incerto. Por trás do recuo da Bunge em vender a companhia, estaria, segundo o mercado, a dificuldade em encontrar um candidato com capital e disposição suficientes para desembolsar mais de US$ 1 bilhão, e assumir a dívida, encarar a baixa lucratividade e investir no parque industrial. Os grupos que apresentaram propostas ? Exxel, Hicks Muse e Cargill ? ofereceram um terço desse valor.

No caso da Ceval, uma das maiores esmagadoras de soja do País, com faturamento de R$ 3 bilhões, a situação também não é das melhores. A companhia deve mais de R$ 1,2 bilhão (duas vezes seu patrimônio). Tem mais: sofre os efeitos da competição com gigantes como ADM e Cargill, que somam um faturamento de US$ 100 bilhões. A Bunge espera que o consumo da soja aumente por ser, segundo Lovatelli, ?uma proteína mais barata do que a carne?. Para completar o quadro negativo, a Seara, com R$ 820 milhões de receita, teve problemas no ano passado: a competição na área de frangos e suínos pintou de vermelho o balanço. Resultado: prejuízo de R$ 29,5 milhões.

Executivos da Bunge não falam sobre números da companhia. Preferem olhar para a frente. Segundo Cardoso, a Bunge aposta no setor de alimentos e investirá em margarinas, maioneses e produtos derivados da farinha de trigo. São cerca de US$ 20 milhões em 2000. Um programa de reestruturação cortou cerca de US$ 50 milhões de custos da empresa. O número de funcionários foi reduzido, a área administrativa, reorganizada e três fábricas, fechadas. ?A casa está em ordem, a empresa está redonda?, diz Lovatelli.

O mesmo otimismo aparece na avaliação de outros negócios do Grupo Bunge. Na área de fertilizantes, a meta é crescer e superar a atual participação de 30% no mercado. Lovatelli tem argumentos para o apetite da Bunge no setor e cita levantamento da Food and Agriculture Organization que indica a existência no mundo de 250 milhões de hectares de terras para cultivo. Desse total, 150 milhões estariam no Brasil. ?Há espaço para crescimento no consumo de fertilizantes.? Apesar das dificuldades, o executivo elege o Brasil como o principal mercado da companhia. ?Nossas expectativas são as melhores?, diz ele. ?Temos uma estratégia definida.? Resta saber até quando ela será mantida.