Não há executivo com larga experiência no mercado financeiro que não tenha uma boa história para contar sobre Joseph Safra. Falecido aos 82 anos na quinta-feira (10) de causas naturais, ele era o último dos grandes banqueiros brasileiros. Discreto, metódico e com um domínio absoluto sobre os negócios, construiu um dos maiores impérios bancários do País, com ramificações nos Estados Unidos e na Europa.

Contrariando a regra de que os bancos familiares nacionais ou se profissionalizam e trocam de mãos ou fecham as portas, o banqueiro conseguiu realizar uma sucessão em que o Safra permanece não só entre os principais conglomerados financeiros do País como segue solidamente nas mãos da família controladora. Nisso, o banqueiro seguiu à risca o conselho de seu pai, Jacob Safra: “Se escolher navegar os mares do sistema bancário, construa seu banco como construiria seu barco: sólido para enfrentar, com segurança, qualquer tempestade.”

Nascido em Beirute, no Líbano, em 1938, Joseph chegou ao Brasil nos anos 1950 com seus dois irmãos, Edmond e Moise. Sua primeira atividade foi nos negócios com ouro e dólares, seguindo a tradição familiar. Nem poderia ser diferente. Em árabe, Safra quer dizer “dourado”. Poucos anos depois, em 1955, os três irmãos começaram um pequeno banco, dedicado a emprestar dinheiro para os empresários da comunidade israelita. O escritório ficava em um discreto edifício comercial no Centro Velho da capital paulista. Logo no início das atividades, um dos vizinhos do prédio apareceu para tomar um café, se apresentar e conhecer o banco. Ao sair, o industrial Antonio Ermírio de Moraes, já à frente do grupo Votorantim, estava convencido de que os três irmãos sabiam do que estavam falando. Apesar de seu notório desapreço pelos banqueiros, Ermírio aplicou parte dos vultuosos recursos do grupo com os irmãos Safra, iniciando uma parceria que duraria décadas.

Ao longo dos anos 1980, ainda ao lado de Edmond e Moise, Joseph Safra transformou seu banco em uma das casas mais inovadoras do sistema financeiro brasileiro. Mestre em operar mercados, interpretar pessoas e conceder empréstimos, o banqueiro foi um dos grandes inovadores no crédito. Conhecia a fundo a operação de seu banco, dominando cada um dos detalhes. E não se limitou ao sistema financeiro. O grupo Safra foi um dos pioneiros na produção de celulose voltada à exportação, investindo na Aracruz no início dos anos 1990, e na telefonia celular, no fim da década. Ao morrer, o banqueiro era considerado o homem mais rico do Brasil, de acordo com o ranking deste ano da revista americana Forbes, com uma fortuna estimada em R$ 119,08 bilhões, retomando o posto que havia perdido para Jorge Paulo Lemann. Na lista dos mais endinheirados do mundo, o corintiano Safra ocupava a 63ª posição.

O fundador da Editora Três, Domingo Alzugaray (1932-2017), com Joseph Safra: amizade de mais de três décadas. (Crédito:Divulgação)

Em 1969, Joseph casou-se com Vicky Sarfaty, com quem teve quatro filhos e 14 netos. O irmão mais velho dos Safra, Edmond, foi morar em Nova York, onde fundou o Republic National Bank, vendido em 1999 para o HSBC por US$ 10,3 bilhões. Naquele mesmo ano, Edmond morreu em um incêndio em sua casa, em Mônaco. Já o irmão do meio, Moise, morreu em São Paulo, em 2014. Joseph estava no comando do banco desde 2006, depois de comprar a fatia de 50% que pertencia aos irmãos. Pelos cálculos da Bloomberg, Joseph recebeu R$ 6,4 bilhões apenas em dividendos do banco enquanto esteve na presidência.

Com estilo cauteloso e atento aos detalhes da gestão, Joseph solidificou em seu banco uma reputação de solidez imune a crises. Enquanto acompanhava de perto cada movimento do banco, dedicava parte de seu tempo à filantropia. Ele é um dos maiores doadores individuais dos hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês, em São Paulo. Amante das artes, doou esculturas do francês Auguste Rodin (1840-1917) à Pinacoteca do Estado de São Paulo, e o manuscrito original da Teoria da Relatividade de Albert Einstein ao Museu de Israel, em Jerusalém. Neste ano, durante a pandemia de Covid-19, o banco doou cerca de R$ 40 milhões para hospitais e Santas Casas em todo o País.

A morte de Safra repercutiu rapidamente no mercado financeiro e redes sociais. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) lamentou a morte, por meio de nota. “Figura emblemática do setor bancário, Safra foi também um exemplo como empresário e filantropo”, afirmou a entidade. “Sua contribuição para escolas, museus e instituições, não só no Brasil, quanto em outros países, é marcante. O legado de sua atuação no desenvolvimento da economia nacional ficará sempre marcado na história do Brasil.”