Quando o curioso e cerebral adolescente Paul Gardner Allen (1953-2018) encontrou-se pela primeira vez, em 1967, com o jovem pragmático William “Bill” Gates, no clube de computação da Lakeside School, um colégio particular de Seattle, talvez não imaginasse que poucos anos depois eles seriam os pioneiros da revolução digital no mundo. “Passávamos todo nosso tempo livre com qualquer computador em que pudéssemos tocar”, disse Gates, em seu blog pessoal. Allen era uma espécie de irmão mais velho e mentor de Gates na escola. Ele dava conselhos e ainda salvava o amigo esquentado das confusões. Mas a maior diversão da dupla era tentar desvendar os mistérios por trás da programação de computadores através de um terminal de teletipo do colégio.

“Mesmo ainda no colégio, antes que soubéssemos o que era um PC, ele previa que os chips ficariam poderosos e que deles nasceria uma indústria”, escreveu Gates. Naquela época, os aparelhos ocupavam uma sala inteira e não eram nada acessíveis para uma dupla de jovens de classe média americana. Um dos grandes sonhos de Allen era mudar essa realidade e universalizar o acesso à computação. Em 1975, ele convenceu o amigo a abrir mão de seu curso na Universidade Harvard para que juntos pudessem fundar a Microsoft, empresa responsável pela revolução da tecnologia nos anos 1980 e 1990. “A computação pessoal não teria existido se não fosse por ele”, relembrou Gates.

Os dois viraram lendas, mas Allen é que foi o grande gênio por trás da criação da Microsoft. Juntos, eles deram início a um, até então, mundo inexplorado. Primeiro, investiram em linguagens de programação. Depois, passaram a explorar sistemas operacionais, até que conseguiram desenvolver toda uma série de produtos para negócios, de processador de texto à planilha eletrônica. “Ele foi fundamental tanto no surgimento dos PCs como no eixo da indústria, que era baseado em hardware e passou a ser baseado em software”, diz Rob Enderle, analista de tecnologia da consultoria americana Enderle Group.

Mas, quando a empresa alcançou o domínio sobre o setor de tecnologia, após a criação do sistema operacional Windows, Allen já não fazia mais parte do grupo. Ele deixou a Microsoft em 1983, ao ser diagnosticado com um linfoma de Hodgkin, um tipo de câncer. Saiu, mas manteve parte da propriedade da empresa, o que acabou sendo a origem de sua fortuna, avaliada em US$ 20,3 bilhões. Em sua autobiografia “Idea Man” (“Homem de ideias”, em tradução livre), publicada em 2011, ele recordou o momento como uma decisão difícil, porém necessária. “Não faria sentido voltar para o estresse da Microsoft. Se me recuperasse, já tinha compreendido que a vida era muito curta para gastá-la sendo infeliz.”

Mentes brilhantes: Paul Allen, à esquerda, e Bill Gates, em 1981, um ano após assinarem um acordo de licenciamento do sistema operacional MS-DOS para os computadores da IBM

Considerado o mais sensível da dupla, ele também descreveria a cultura da Microsoft como “um ambiente de autoflagelação”, por conta da agressividade intelectual e inflexibilidade de Gates. Após anos de luta para vencer o primeiro câncer, Allen foi diagnosticado com um linfoma não-Hodgkin em 2009, e faleceu em 15 de outubro, aos 65 anos de idade. Ele não viveu apenas em torno de sua fama no mundo da tecnologia. Após ter superado a primeira etapa do linfoma, Allen resolveu transformar seu plano de fazer o bem para a sociedade em realidade. Para isso, ele colocou sua fortuna para trabalhar e criou a empresa de investimentos Vulcan Capital, para financiar projetos filantrópicos.

Allen doou mais de US$ 2 bilhões a organizações sem fins lucrativos (ONGs) dedicadas a promover o avanço de ciência, tecnologia, educação, meio ambiente e arte. Criou o Instituto Allen de Ciência Cerebral, em 2003, e o Instituto Allen de Inteligência Artificial, em 2004. Restaurou o Cinerama, um cinema de Seattle que havia sido desativado, e equipou-o com uma tecnologia avançada para a reprodução de filmes de ficção científica. “Meu irmão era um indivíduo notável em todos os níveis. Enquanto a maioria conhecia Paul Allen como tecnólogo e filantropo, para nós ele era um irmão e tio muito querido, além de um amigo excepcional”, disse Jody Allen, irmã de Paul e ex-CEO da Vulcan.

Amante dos esportes, Allen ainda foi dono do Portland Trail Blazers, um time de basquete da NBA; do Seattle Seahawks, uma equipe de futebol americano da NFL; e era acionista minoritário de um time da MLS (a liga de futebol nacional), o Seattle Sounders. Sua inovação ia além do que a Terra lhe permitia ousar. Um de seus últimos projetos foi o imponente avião Stratolaunch, cujas dimensões são semelhantes às de um campo de futebol. Considerado o maior avião do mundo, o Stratolaunch poderá transportar mísseis em satélites até elevadas altitudes para, posteriormente, serem colocados em órbita. Uma primeira viagem do avião está programada para 2019.

O cofundador da Microsoft também se mostrou ser um grande entusiasta da música. Em 2000, ele construiu o moderno Museu da Música Pop (MoPOP), em um investimento estimado em R$ 450 milhões na época. Um de seus hobbies era tocar guitarra. O produtor musical Quincy Jones provocou espanto em uma entrevista ao afirmar que Allen tocava como se fosse Jimi Hendrix (1942-1970). Além de ser um programador inovador, Allen era um apaixonado por tudo o que tocava: era um homem do espaço, das artes, dos esportes e até do Rock n’ Roll.