Ele não foi o único artista brasileiro a pagar o altíssimo preço do descalabro imposto ao País pelo genocida governo Bolsonaro. Até a manhã da quarta-feira (5), a tragédia causada pelo coronavírus no Brasil somava a incompreensível marca de 412 mil óbitos — dado que pode esconder até 30% do número real de mortes devido à subnotificação, segundo estudo da iniciativa Vital Strategies. Se o estudo estiver correto, já passamos de meio milhão de vítimas. E a morte do comediante Paulo Gustavo em meio a mais essa mórbida estatística nacional acrescenta uma nota de tristeza. Ele, que fazia tanta gente sorrir com seu talento natural para o humor, viveu os últimos dois meses em um lamentável estado de sofrimento. Foi entubado, permaneceu na UTI e até teve sinais de recuperação antes que seu quadro de saúde fosse agravado por uma embolia. Antes de morrer, na noite da terça-feira (4), ele não apenas havia deixado o povo brasileiro mais feliz por sua verve cômica, pelas personagens hilárias que criou e pelos chistes que soltava de improviso. Ele também era generoso. Havia feito doações de pelo menos R$ 1,5 milhão para instituições de caridade.

Com o adeus a um dos comediantes mais populares da TV e do cinema brasileiro da última década, o País perde um pouco mais do que ainda restava da alegria para aliviar tanta dor, luto e pranto. Parece que o Brasil perdeu de vez a graça. Não somos mais vistos no mundo como aquele povo festeiro, de samba e carnaval, que sempre encantou os estrangeiros. Somos mal vistos lá fora, onde as fronteiras começam a se abrir para o turismo, mas não para os brasileiros. Carregamos a pecha de disseminar a Covid-19 porque temos um governo negacionista, irresponsável e que parece sentir prazer na aflição alheia. Segundo o depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta à CPI da Covid, Bolsonaro ignorou os alertas enviados desde o início da pademia. Se não dissemina a doença, a miséria e o medo em relação ao futuro, também não faz nada para evitar esse estado em que a a tragédia triunfa sobre a alegria.

Fernando Souza

Isso não diz respeito apenas à Covid, que trouxe como um dos efeitos colaterais a explosão da violência doméstica, especialmente contra a mulher. Quando se trata de política ambiental, então, nada pode ser comparado à devastação promovida pelo atual governo, com um recorde de desmatamento patrocinado por madeireiras ilegais, garimpeiros e invasores de terras indígenas. Tudo isso é triste.

Como se não bastasse, há algo ainda mais grave que faz da vida do brasileiro um drama sem nenhuma expectativa de final feliz. A obsessão bolsonarista pela ignorância produziu mais um estrago de longo prazo ao decretar o fim do Censo. Assim como já impediu a divulgação de dados sobre a derrubada de florestas, o governo federal quer enterrar de vez toda e qualquer estatística que retrate como vivem os cidadãos do País. O Censo não mede apenas a quantidade de pessoas que vive em cada município — o que implica em repasses do Orçamento para os gastos constitucionais com saúde e educação das prefeituras e governos estaduais. O Censo é o maior manacial de informações sobre as necessidades básicas da população. Ele produz indicadores sobre renda, moradia, acesso ao ensino, saneamento e muito outros que são fundamentais para planejar os investimentos públicos, inclusive em programas de distribiuição de renda. Em 2010, por exemplo, o Censo revelou que 2,3 milhões de famílias não tinham nenhuma receita. Em 2021 o número deve ser várias vezes maior. Infelizmente, não saberemos. Ao não recensear o País, o governo reafirma seu descaso com a população que o elegeu e renega sua principal bandeira de campanha, que era reduzir o peso de Brasília e fazer mais pelo Brasil. Até agora, o que ele fez foi levar nosso sorriso.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO.