A trajetória de César Mata Pires, o criador de uma das principais empreiteiras do Brasil, a OAS, terminou na manhã da terça-feira 22, em São Paulo. O construtor sofreu um enfarte fulminante, aos 67 anos de idade, enquanto caminhava no bairro do Pacaembu, na Zona Oeste da capital paulista, deixando uma fortuna estimada em mais de US$ 1,5 bilhão e uma empresa afetada por escândalos investigados pela operação Lava Jato. Apesar dessa mancha em sua história, a OAS também foi responsável por obras icônicas, como as recentes construções do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro; a Ponte Estaiada Octavio Frias de Oliveira, que se tornou um cartão-postal de São Paulo; e a reformulada Arena Fonte Nova, em Salvador, para a Copa do Mundo de 2014, que hoje é alvo de suspeitas de desvios e lavagem de dinheiro. É, aliás, com a Bahia que a empresa e o seu fundador construíram uma relação mais próxima.

Sucessos e manchas: o fundador da OAS montou, com a bênção do sogro Antônio Carlos Magalhães, um grande e polêmico grupo nacional. Entre suas últimas obras, está o Museu do Amanhã (RJ) (Crédito:Paulo Giandalia / AE)

Engenheiro civil formado pela Universidade Federal da Bahia em 1971, Mata Pires, conhecido como Dr. César nos meios empresariais e políticos, foi executivo da Odebrecht, até decidir iniciar a sua própria empresa, em 1976. Fundada em Salvador, a OAS tem muito do seu sucesso creditado a uma relação próxima com o senador Antônio Carlos Magalhães, figura que liderou por décadas a política baiana. Mata Pires era casado com Tereza, uma das filhas do político e com quem teve três filhos. Segundo o livro “Estranhas Catedrais – As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar”, de Pedro Henrique Pedreira Campos, a ascensão da OAS representou um revés para a Odebrecht, já nos anos 1970 a empreiteira mais poderosa do Estado.

Sob o olhar de ACM, a companhia de Mata Pires começou a ganhar concorrências na Bahia, em estados vizinhos e nos governados por aliados de Magalhães. Em pouco tempo, estava dominando as obras locais e, já em 1984, era uma das dez maiores empreiteiras do Brasil. Na mesma época, começou a diversificar as atividades, e ganhou trocadilhos, para a sua sigla, como “Obras Arranjadas pelo Sogro” e “Obrigado, Amigo Sogro”. Em 2003, passou a atuar também fora do País. A deflagração da operação Lava Jato interrompeu o período de sucesso. Desde que a empresa foi implicada nas investigações, a OAS pediu recuperação judicial e cortou uma grande quantidade de seus funcionários.

Em 2013, antes das acusações, o grupo OAS tinha cerca de 120 mil funcionários. Em março deste ano, eram apenas 35 mil. Segundo as investigações, Mata Pires participava do núcleo administrativo do cartel das empreiteiras, ao lado dos manda-chuvas da Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, Techint, Queiroz Galvão, UTC, Engevix e outras. Mas apenas algumas delas eram consideradas VIP dentro do clube. A OAS era uma delas. A continuidade das operações será um grande desafio que Mata Pires deixará a seus sucessores. Ele possuía 80% das ações da empresa.

Antes da tormenta: grande vencedora de licitações suspeitas para a Copa do Mundo, a construtora fez obras como a Arena Fonte Nova (à esquerda), em Salvador, e a Ponte Estaiada (à direita), em São Paulo (Crédito:Divulgação e Fernando Donasci / Folha Imagem)

O restante era dividido em 10% para os seus três filhos, que estão afastados da operação, e outros 10% para Léo Pinheiro, o ex-presidente da companhia, preso em 2014, e responsável pela doação do tríplex no Guarujá (SP) que resultou em condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente que sucedeu Pinheiro, em janeiro 2015, Elmar Varjão, também chegou a ser preso por conta da operação Vidas Secas, que investigava o desvio de R$ 200 milhões em recursos públicos nas obras de transposição do Rio São Francisco. Ele continua à frente do grupo. O grupo atravessa um período em que nove empresas entraram em recuperação judicial, devido a uma dívida de R$ 10 bilhões.

Com a Lava Jato, as companhias sofreram com o corte nas linhas de crédito e o rebaixamento da nota do grupo por agências de risco, num momento em que dependia de financiamento para tocar as obras. O plano de recuperação envolve a venda de ativos, que incluem a participação na Invepar, dona da concessão do Aeroporto de Guarulhos, no Estaleiro Enseada e empresas das áreas imobiliária, ambiental, de defesa, de óleo e gás e de arenas esportivas. A fatia de 24,4% na Invepar foi repassada a credores como pagamento de R$ 1,35 bilhão. Quando morreu, Mata Pires estava negociando o acordo de delação premiada da OAS, que também busca acordo de leniência. A sua morte deve atrasar o processo, o que causará mais dificuldades para a reformulação do grupo.