A data 19 de setembro não representa nenhum feriado no calendário nacional, mas na última semana entrou para a história como o Dia D para o sindicalismo brasileiro – e, ao que tudo indica, simbolizará também a estreia de uma nova relação entre patrões e empregados nas mesas de negociação. No embalo de um vigoroso ciclo econômico para o País (em que o desemprego de 6,7% e a renda média próxima de R$ 1.350, medidos pelo IBGE, são recordes), os metalúrgicos das montadoras paulistas conquistaram um reajuste de 10,81%, índice que seria impensável poucos anos atrás e que injetará R$ 890 milhões na economia. Descontada a inflação, trata-se de um aumento real de 6,25%, acima das expectativas dos próprios sindicalistas. “Extraordinário! Um tremendo aumento”, festejou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre. 

 

Embora o centro da conquista tenha sido o ABC paulista, principal polo automobilístico do Brasil com mais de 45 mil trabalhadores e responsável por quase 70% de todos os veículos fabricados no País, a euforia do reajuste inédito se propagou com rapidez pela economia – e já influencia nas negociações salariais de outras categorias.

 

148.jpg

 

 

Como acontece há mais de 30 anos, os reajustes salariais dos metalúrgicos servem como referência para as demais categorias. O Sindicato dos Comerciários de São Paulo, que representa 450 mil empregados, a maior base da América Latina, deverá engrossar a voz nas próximas rodadas de negociação. 

 

“Estamos vivendo o pleno emprego, o faturamento do comércio nunca foi tão elevado e a perspectiva é excelente. Por que, então, os trabalhadores não podem participar da festa?”, disse à DINHEIRO Ricardo Patah, presidente do sindicato e da União Geral dos Trabalhadores (UGT). Os comerciários reivindicam 9,5% de reajuste. 

 

Os sindicados patronais, no entanto, propõem 7,2%. “Nenhum segmento do varejo registrou neste ano faturamento menor do que 10% acima da inflação. Com essa proposta, chegamos a um impasse”, completou.

 

O embate tem uma única razão. Embora os reajustes salariais sejam motivo de festa para os trabalhadores – só os metalúrgicos ganharão quase R$ 900 milhões em poder de compra –, criam uma pressão de custos nas empresas e, em um cenário de economia aquecida, indicam que as próximas negociações estarão mais favoráveis ao trabalho do que ao capital. “Salário é componente de custo e o custo é sempre repassado aos preços. Ou seja, todos pagarão a conta”, disse Renato Piovesani Netto, economista do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo.  

 

Os bancários são um exemplo disso. A categoria deverá entrar em greve no dia 29 depois que os bancos ofereceram apenas repasse de 4,29% referentes à inflação pelo IPCA – o sindicato exige 11%, índice semelhante ao dos metalúrgicos. “Poucos segmentos da economia tiveram resultado tão expressivo quanto o setor bancário. Se a venda de carros é recorde, é porque o volume de financiamento também é”, rebateu o presidente da CUT, Artur Henrique. 

 

Nos últimos seis anos, sem exceção, os bancários realizaram paralisações em todo o País para conquistar aumento real de 13,19%. Mais do que eventuais reajustes nos salários dos trabalhadores, o novo status de poder nas mãos dos trabalhadores indica uma significativa mudança no patamar de reajustes e benefícios daqui em diante.

 

Segundo o economista José Silvestre de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Dieese, a onda de aumentos acima da inflação e o aprimoramento de benefícios, como bonificações e participação nos lucros, irão contaminar positivamente toda a economia. “A partir de agora, categorias que antes conquistavam entre 1% e 2% acima da inflação passarão a exigir 4% a 6%”, garantiu. Os aumentos não serão pontuais.Um levantamento do Dieese mostra que 97% das 290 categorias que têm data-base no primeiro semestre conquistaram aumentos acima da inflação. Em 2009, o índice foi de 83%. 

 

Fora do campo das estatísticas, o fim de ano sindical deve ser atipicamente movimentado. Com a histórica conquista do índice de quase 

11% dos metalúrgicos, categorias importantes, como petroleiros, químicos, calçadistas, têxteis, gráficos, entre muitas outras, sinalizam que irão endurecer nas negociações. Afinal, elas não querem perder a oportunidade rara de ditar o ritmo da festa econômica. 

 

Como os metalúrgicos influenciam outras categorias

Metalúrgicos

 

– 45 mil trabalhadores no ABC paulista, principal polo automobilístico do País

– Salário médio: R$ 5 mil 

– Conquistaram reajuste de 10,81%, mais abono de R$ 2,2 mil, o que representa acréscimo de 14,5% nos salários

– Ganho real de 6,26% (acima da inflação)

– Data-base: 1º de novembro

 

149.jpg

 

Petroleiros

 

– 75 mil trabalhadores

– Salário médio: 5,8 mil

– A categoria reivindicou 15,16% (5,16% do ICV/Dieese, mais 10% de aumento real). A Petrobras apresentou contra-proposta de 3,7% a 4,8% de ganho real, de acordo com a faixa salarial, além dos 4,49% do IPCA, mais um abono de 80% do salário. A proposta está em votação pela categoria 

– Data-base: 1º de setembro

 

 

Químicos

 

– 40 mil trabalhadores no Estado

– Salário médio: R$ 1.920

– Reivindicam 10,5%. Não receberam contraproposta. 

– Data-base: 1º de novembro

 

 

Bancários

 

– 460 mil no Brasil, 130 mil na Grande São Paulo

– Salário médio: R$ 4.132

– Reivindicam reajuste de 11%, mas a Fenaban oferece apenas 4,29% de reposição da inflação. A categoria ameaça entrar em greve a partir do dia 29  

– Data-base: 1º de setembro

 

 

Comerciários

 

– 450 mil trabalhadores

– Salário médio R$ 1.400 (em SP)

– Pedem 9,5%, mas receberam proposta de 7,2%.

– Um aumento médio de R$ 130 (9,5%) representaria R$ 585 milhões a mais na economia