Fernando Haddad, o novo ministro da Fazenda, até que tem tentado injetar um ânimo no mercado nos passos iniciais de sua gestão, mas suas primeiras medidas concretas estão mais apáticas que suas tentativas de discursos de impacto. Prova disso é o recém-anunciado plano para reduzir o rombo de R$ 242,7 bilhões nas contas públicas – algo próximo a 2,6% do PIB. Na difícil tarefa de reequilibrar os pratos das receitas e das despesas, ele anunciou uma série de medidas que terminariam em um superávit de R$ 11,13 bilhões. E aí o futuro do pretérito do indicativo terminar faz toda a diferença. O ministro sabe que tal plano beira o irreal, e ele mesmo assume que a projeção mais próxima do possível é de um resultado negativo 0,5% e 1% do PIB (entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões). “Sabemos que pode haver frustração, que a meta de cada ação não vai ser atingida”, disse. E o tamanho da frustração, nesse caso, é incerta já que o governo projeta receitas que não estão sob seu controle.

O realismo de Haddad ao anunciar a própria proposta é bastante diferente de como agia seu antecessor Paulo Guedes, que era mais tomado por rompantes faraônicos e fissurado com uma cifra de R$ 1 trilhão que nunca se consolidou. Mas, apesar de mais realista, o termômetro de empresários e agentes financeiros é que faltou, como geralmente falta à Haddad, uma virada mais clara e incisiva, em especial contra o estrago nas contas públicas deixado pelo governo de Jair Bolsonaro. Sem anunciar cortes nos gastos, cresce a expectativa de aumento da carga de impostos, com reoneração de impostos federais sobre os combustíveis (o que está previsto para ocorrer a partir de março) e fim dos incentivos fiscais a segmentos do setor produtivo.

EXPORTAÇÕES Plano do governo para este ano é aumentar o volume de exportações e aproveitar o bom momento nos preços de commodities e demanda. (Crédito:Claudio Gatti )

Na avaliação do economista Vladimir Maciel, coordenador do Centro de Liberdade Econômica e professor de economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, a decepção maior com o pacote de Haddad está na constatação de que para atingir a meta de redução do déficit o governo dependerá de fatores que não estão sob seu controle. “A iniciativa é tímida porque Haddad confia muito que haverá capacidade de gestão e revisão das despesas capazes de lidar com o déficit”, afirmou. Além disso, segundo Maciel, o ministro desconsidera da equação de redução do déficit a previsão do inevitável aumento das despesas. “Sem travas quantitativas, metas e limites, será difícil segurar a pressão de acomodar despesas, novas e velhas, no orçamento público.”

O ponto de maior preocupação é o impacto político da reoneração dos combustíveis. O reajuste da gasolina e do etanol nos postos deverá causar uma disparada de emojis “Faz um L” nas redes sociais, dando a impressão de que o governo está tirando do bolso dos mais pobres a conta do rombo. No entanto, para Fábio Sobreira, analista-chefe e sócio da Harami Research, o governo não terá muitas alternativas, em um primeiro momento, a não ser aumentar a arrecadação. “Não há como pensar em corte de gastos em começo de governo, com compromissos a cumprir”, afirmou Sobreira. “O problema do governo é conseguir lidar com as decisões provisórias que acabam se tornando permanentes. Por isso, o pacote ainda é muito tímido perto daquilo que a gente gostaria de ver. Precisará passar por mexidas.”

REFORMAS A timidez do plano de Haddad pode, em um segundo momento, ser um aliado do governo na aprovação de uma reforma tributária mais abrangente, segundo o economista Charo Alves, da Valor Investimentos. Essa sinalização partiu do próprio Haddad, ao defender publicamente a preservação da indústria em caso de mudanças nas regras tributárias. “Como Haddad já disse que o setor industrial responde por 10% do PIB, mas é responsável por quase um terço da arrecadação, fica evidente que a redução do déficit virá por uma reforma mais agressiva.”

Entre o otimismo e a frustração, há pontos positivos e quase unânimes no plano anunciado por Haddad. O que mais chamou a atenção foi o da redução das compensações tributárias pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins. Com isso, a Receita passará a utilizar o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) também para os créditos dos contribuintes, o que deve elevar a arrecadação do governo. “Essas medidas são relevantes, embora insuficientes para resolver o problema do déficit no curto prazo”, afirmou o economista Daniel Rezende, da Messem Investimentos. “Haddad tem puxado o governo para uma linha mais liberal na economia, pensando mais na questão fiscal, algo que agrada ao mercado”, afirmou Rezende. “Mas medidas mais ousadas precisarão ser adotadas.”

O economista-chefe da Integral Group, Daniel Miraglia, endossa essa avaliação de Rezende. Para ele, incluir no plano itens como “revisão de processos judiciais” e “arrecadação subestimada” torna o plano de Haddad em quase uma peça de ficção. “A história de arrecadação subestimada não existe. O ministério da Economia de Guedes não costumava errar tanto assim”, disse Miraglia. “O que é mais concreto é que se houver aumento de impostos, Haddad terá aumento de arrecadação de curto prazo, mas vai comprometer o crescimento potencial da economia e, por consequência, a arrecadação do médio prazo.” Talvez tenha se tornado pressuposto do cargo de ministro da Fazenda – com raríssimas exceções, como Pedro Malan e talvez Antonio Palocci – agir mais como um animador de torcida do presidente e seu eleitorado do que com a métrica matemática que o cadeira deveria exigir de Guedes, Mantegas e Haddads.