Já foi o tempo em que ser o primeiro garantia o futuro. Agora é a época de correr sem parar. Que o diga a Dotz. A empresa que opera programa de pontos para serem trocados por produtos e serviços foi uma das pioneiras no Brasil no mercado de fidelização, ainda em 2000. Duas décadas depois, a companhia se tornou a primeira do setor não conectada a uma companhia aérea a registrar seu pedido de oferta pública de ações (IPO), em fevereiro, na Comissão de Valores Imobiliários. A oferta será primária e secundária. A intenção, segundo prospecto preliminar, é levantar R$ 700 milhões. Dinheiro que deve ser usado para investimentos em sua plataforma tecnológica e digital, em marketplace, fintechs e potenciais aquisições estratégicas. A iniciativa deve marcar um novo rumo nos negócios da bandeira, que, atualmente, tem 200 parceiros de e-commerce e 120 de lojas físicas.

Com 48 milhões de clientes cadastrados, sendo 9 milhões anualmente ativos, a Dotz tem enfrentado concorrentes de peso em um mercado cada vez mais competitivo e em plena expansão. O faturamento bruto das companhias do setor chegou a R$ 1,1 bilhão no terceiro trimestre de 2020, aumento de 22,9% em relação ao intervalo entre abril e junho, segundo a Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (Abemf).

As transformações no setor e a necessidade de oferecer ‘um algo a mais’ aos clientes visando o crescimento dos negócios acenderam o alerta na Dotz. A companhia apresentou ao mercado o seu marketplace, a Loja Dotz, e a sua conta digital. Com ela, o cliente pode receber cashback e pagar contas com Dotz na plataforma – a empresa pretende oferecer em breve novos serviços financeiros, como empréstimos e investimentos. O pacote de seguros residenciais, de veículos e de vida já está disponível.

De acordo com a empresa, os usuários já realizaram 600 mil downloads do SuperApp Dotz. Deste total, 300 mil estão aptos a utilizar as soluções de pagamentos, já integradas ao Pix e com aceitação em mais de 2 milhões de estabelecimentos, por meio de parceria com a Elo. O plano é alcançar 10 milhões de clientes em até dois anos. O desafio é grande e, para atingi-lo, a empresa comandada pelo CEO Roberto Chade pensa não apenas organicamente, mas também na aquisição de companhias de tecnologia que possam contribuir com o ecossistema.

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“Com a retomada parcial do setor de turismo, muitos clientes de programas de fidelidade voltaram a optar pelas passagens aéreas” João Pedro Paro, presidente da ABEMF.

ALERTA O especialista Filipe Ferreira, diretor financeiro na Comdinheiro, plataforma que oferece soluções para o mercado financeiro, vê com bons olhos a diversificação do portfólio da Dotz. Segundo ele, a empresa está atenta ao movimento do mercado e consciente de que sobreviver apenas com a troca de pontos seria muito difícil. Ao adotar a nova estratégia, no entanto, a Dotz vai abrir competição com players muito fortes. “Tanto com as empresas de varejo, que estão olhando o segmento de carteira digital e fidelidade, como Magazine Luiza, Via Varejo e B2W, quanto com os próprios bancos digitais que já estão sólidos no mercado, casos, por exemplo, do Banco Inter e do Nubank”, afirmou Ferreira .

Ele acredita que a robusta rede de parceiros pode ajudar a Dotz a dar os primeiros passos nas novas estratégias, nas quais ainda é incipiente. Para ele, a companhia vai precisar “calçar as sandálias da humildade”, se enxergar como startup e se valer da velocidade para ocupar espaço. “Ela não pode crer que a experiência adquirida em pontos será a solução para desbravar o mercado de meio de pagamentos e marketplaces.” Uma coisa ajudará muito, porém. A captação dos R$ 700 milhões pretendida no IPO. Segundo Ferreira, o mercado brasileiro é extremamente ávido por empresa de tecnologia.

Impactada pela pandemia em 2020, a empresa viu o faturamento líquido cair para R$ 111 milhões, 12,7% inferior ao de 2019. A diminuição, de acordo com a companhia, foi decorrente da redução da receita de resgate. A empresa fechou 2020 com prejuízo de R$ 64,2 milhões. O resultado acabou afetado pela recompra de participação da unidade LoyaltOne, investimentos na Dotz Pay e despesas relacionadas a debêntures. Apesar do efeito Covid-19 nos negócios, o presidente da Abemf, João Pedro Paro Neto, acredita que os programas de fidelização ainda têm muito a crescer no Brasil.

Neto chamou atenção ainda para a queda de 12,2% – na comparação entre o terceiro e o segundo trimestre – na taxa de breakage, que mede o porcentual de pontos-milhas que os consumidores deixaram expirar. De acordo com o executivo, a redução demonstra que o brasileiro está aprendendo a usufruir todos os benefícios dos planos de fidelização. “Isso também é consequência das ações realizadas para ampliar a participação do cliente durante a pandemia. Uma das medidas adotadas foi a prorrogação do prazo de expiração dos pontos”, disse. De olho nos pontos, segmento em que reina, a Dotz não quis a comodidade de ficar no seu espaço e optou pelo risco de se tornar banco, plataforma, marketplace, startup. O que for preciso.