É improvável que qualquer outro dos 44 presidentes dos Estados Unidos tenha saído da Casa Branca de forma tão vergonhosa quanto o magnata republicano Donald Trump. Desde o pioneiro George Washington, um dos “pais fundadores da pátria”, que governou o país entre 1789 e 1797, republicanos e democratas têm se alternado no cargo respeitando a Constituição, os cidadãos e as instituições que garantem aos EUA o título de maior democracia do planeta. A exceção, conhecida por todos, foi Richard Nixon, primeiro e único a renunciar ao cargo após as acusações de corrupção reveladas no escândalo de Watergate. Alguns dos eleitos para a cadeira que Trump ocupa desde 2017 pagaram com a vida o juramento de servir à nação. Pois o homem que se elegeu prometendo fazer “a América grande novamente” provou ser não apenas um lunático como também mentiroso, criminoso e uma ameaça inédita ao povo. Incapaz de reconhecer sua derrota nas urnas para o democrata Joe Biden, ele fez algo que historicamente só tem paralelo em ditaduras: telefonou para o secretário de estado da Geórgia, Brad Raffensperger, na tentativa de pressioná-lo a mudar a contagem de votos no estado, o que poderia redefinir o resultado do pleito. A Geórgia é responsável por 16 votos no colégio eleitoral, e foi determinante para a vitória de Biden em novembro. No estado, o democrata venceu com 49,5% dos votos, contra 49,3% de Trump — uma diferença de 11.779 votos. Segundo uma reportagem publicada no sábado (2) pelo jornal Washignton Post, que obteve a gravação da conversa telefônica, Trump usou argumentos falsos e levantou teorias conspiratórias para tentar convencer Raffensperger de que cédulas do condado de Fulton haviam sido destruídas e que as urnas eletrônicas da empresa Dominion Voting Systems foram adulteradas e substituídas. “Eu só quero encontrar 11.780 votos, um a mais do que nós temos. Porque nós vencemos nesse estado”, afirmou Trump ao secretário de estado. A divulgação da conversa teve — e ainda terá — consequências gravíssimas para o presidente em final de mandato. Além do evidente desgaste político, a atitude antidemocrática de Trump macula o partido Republicano. E tudo indica que irá acrescentar mais um possível processo à lista de seis outros que o presidente terá de responder como cidadão comum após perder o foro privilegiado que se encerra em 20 de janeiro, data da transmissão do cargo. Acusações de suborno, fraudes fiscal, bancária e imobiliária, possíveis emolumentos (vantagens obtidas na ocupação de cargo público) e até de “má conduta sexual” aguardarão Trump nos tribunais. Talvez nada disso resulte em condenação. Mas uma certeza fica sobre seu terrível legado como presidente: o mundo de fantasias no qual ele vive não se sobrepõe ao Estado democrático. Essa verdade vale também para o Brasil e para seu ciclotímico presidente — cujo menor dos muitos defeitos é ser um bajulador contumaz de Donaldo Trump.

Celso Masson diretor de núcleo