Tudo pode acontecer. No leilão mais intrincado dos últimos tempos, quem vende quer comprar; o governo entra em cena para beneficiar um grupo nacional que está de olho numa associação com uma empresa estrangeira e, às vésperas do Dia D de 14 de dezembro, nem é certo mesmo que a venda da Copene, central de matéria-prima do Pólo Petroquímico de Camaçari, se realize. Não pelo risco de alguma ação judicial de última hora, mas porque o preço mínimo só será revelado depois dos lances dados. Se ninguém superar o número mágico, que apenas os vendedores ? Conepar, Mariani, Suzano e Odebrecht ? conhecem, volta-se à estaca zero, depois de mais de três anos de difíceis negociações. Em outras palavras, no tabuleiro da petroquímica as peças estão marcadas, mas o futuro do setor, a menos de uma semana do leilão, ainda está longe de ser definido.

Em salas separadas, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, no próxima dia 14, os candidatos a donos da princesinha do setor, a Copene, apresentarão seus lances. Na lista dos favoritos surge o Grupo Ultra, comandado por Paulo Cunha, e a multinacional Dow Química, com José Eduardo Senise à frente. Corre por fora o argentino Perez Companc, que anunciou seu interesse há poucos dias, e há ainda a possibilidade de Basf e a própria Odebrecht chegarem para a festa. O que está em jogo é a liderança de um negócio bilionário, com ramificações em várias cadeias industriais e que tem crescido rapidamente no País. A Copene produz 1,2 milhão de toneladas de eteno por ano, matéria-prima mais importante para as empresas de segunda geração (produtoras de resinas termoplásticas) que fornecem para as de terceira geração, fabricantes de plástico. Até 2003, a previsão é que a produção de eteno da Copene aumente para 1,8 milhão de toneladas. Para se ter uma idéia do crescimento, há apenas cinco anos esse número não passava das 600 mil toneladas. O faturamento em 1999 foi de US$ 2 bilhões.

O leilão da Copene é resultado de mais de três anos de marchas e contra-marchas coordenadas pelo BNDES, sob acompanhamento permanente de um setor com amplas ligações políticas. Empresários como Emílio Odebrecht, Carlos Mariani e até mesmo o banqueiro falido Ângelo Calmon de Sá, cujo antigo banco, o Econômico, detém importantes participações no pólo, tiveram de ser pacientemente convencidos a vender suas posições na Copene. Por muitas vezes houve pressão. A Odebrecht sai de cara amarrada pois queria, inicialmente, comprar o que estivesse à venda, em lugar de vender. Mas diante de um pesado endividamento internacional, agravado nos últimos anos, foi convidada a sair pelo BNDES, que prometeu fechar-lhe as portas para novos financiamentos caso insistisse em ficar. O certo é que, nesta queda-de-braço, também o governo teve de ceder, aceitando a forma inusitada de preços misteriosos para o leilão. O mercado acredita em algo entre US$ 1 bilhão e US$ 1,5 bilhão, mas se por artes baianas os vendedores optaram por algo acima disto ninguém sabe, a não ser eles. ?É possível até assistirmos a um leilão sem venda?, assinala o advogado Roberto Luz Portela, do escritório Demarest & Almeida. Para ele, o leilão da Copene será decidido realmente nos últimos momentos. Portela lembra que nem mesmo a Sociedade com Propósito Específico que está sendo montada entre o Grupo Ultra e o BNDES foi sacramentada em contrato. De verbo, tudo está certo. Mas no papel ainda não há nada. Fontes envolvidas na negociação garantem que o BNDES poderia entrar no negócio com até R$ 1 bilhão. Francisco Gros, presidente da entidade, nega.

Se na ponta vendedora os grandes protagonistas são os grupos Odebrecht, Mariani e o Econômico, na ponta compradora pode haver surpresas. A própria Odebrecht, por meio da Copesul, empresa que atua no pólo petroquímico do Sul, retirou no final da semana passada a documentação exigida para quem quer participar do leilão como comprador. Mas, em seguida, a Ipiranga, sua sócia na Copesul, desautorizou a manobra, dizendo que não tem o menor interesse em estar nos dois pólos. Na quarta-feira 30, o grupo baiano deu o troco. Jogou ao vento a versão de que tem conversas adiantadas com o grupo petroquímico argentino Perez Companc para tentar comprar o que está vendendo. Por esse acordo em fase de costura, a Odebrecht ajudaria os argentinos a alavancarem recursos e, em seguida, viraria sócia da nova Copene. Mas tudo pode não passar de um blefe, para melhorar o preço da venda.

Todos temem mesmo é a Dow Química, que nunca teve uma política agressiva para o Brasil, mas que agora realiza os movimentos de quem, realmente, está interessada na vitória. Some-se a isso o fato de que a matriz, em Midland (EUA), estaria empenhada em melhorar a performance na América do Sul, principalmente depois de manifestar seu descontentamento com os resultados do pólo de Baía Blanca, na Argentina. A Dow quer dar continuidade a seu projeto de expansão na região e isto passa obrigatoriamente pelo aumento da produção de poliestireno e estireno. Sem a Copene, reduziria, e muito, a chance de a multinacional cumprir estas metas de crescimento. Para a fase de due dilligence na Copene, a Dow movimentou mais de 70 de seus funcionários, encarregados de analisar os documentos disponíveis no Data Room de Camaçari. O grupo Ultra, para efeito de comparação, trabalhou no mesmo local, no pico de atividade, com 20 profissionais. Na quinta-feira, 30, quando o Data Room já estava em São Paulo, o presidente da Dow no Brasil visitava a sede da empresa, fazendo apresentação sobre o que havia encontrado na documentação de Camaçari.

O pessoal de due dilligence do Grupo Ultra devolveu ao coordenador da venda, o banco Ubs Warburg S.A., mais de uma centena de perguntas para as quais os documentos disponíveis não tinham resposta. E só de documentos eles contabilizaram 48 caixas. Repetindo: 48 caixas. Tudo é muito intrincado, devido a vários cruzamentos de participações acionárias, e se complica pela promiscuidade de relações entre o falido Banco Econômico e seu braço petroquímico.

Se Dow e Ultra prometem entrar no jogo, a Basf, maior empresa do mundo no setor, é uma incógnita. Ainda não retirou os documentos para participar, pode fazê-lo, mas é provável, como diz o mercado, que entre no ?segundo tempo do jogo?, isto é, como associada a quem comprar a Copene. Afinal, calcula-se que quem levar a empresa terá de investir, quase que imediatamente, cerca de US$ 600 milhões para obras de modernização. No jogo intrincado do leilão, há até a possibilidade de os favoritos se unirem logo após a venda. Fonte do Grupo Ultra diz que ?é absolutamente lógico imaginar que, se comprar mesmo o controle da Copene, o Ultra possa se associar, em seguida, com a Dow, para realizar os investimentos necessários à modernização?.

Todo esse nó no leilão da Copene, na verdade, é um espelho do que é o setor petroquímico no País: um emaranhado acionário criado pelo próprio Estado e do qual ele não consegue sair há décadas. O setor nasceu por iniciativa dos militares nos anos 70. Para montar pólos petroquímicos pelo País, juntou-se recursos do governo, de empresas brasileiras e multinacionais. Com o tempo, ficou difícil administrar a engrenagem. Os estrangeiros bateram em retirada, veio a privatização e com ela a pulverização do controle acionário da indústria. Resultado: um redemoinho de empresas, sem tecnologia e sem recursos para dar prosseguimento ao avanço no setor. Agora, no começo do século, o governo tenta desatar o nó. Fazendo outro.