A diretoria da Sadia tem bons motivos para comemorar os resultados de 2003, divulgados há poucos dias. No ano passado, as vendas somaram R$ 5,9 bilhões. O lucro bateu recorde: R$ 446,8 milhões. Seria uma boa notícia por si só, mas há outra razão para os executivos festejarem. A Sadia reservou mais de 30% de seus lucros para os funcionários ? o dobro da média de outras indústrias. Os 34 mil empregados repartiram R$ 142 milhões. Cada um deles ganhou uma parte da bolada proporcional ao seu salário. Para os 33 mil trabalhadores comuns foram destinados R$ 31 milhões. Em média, é como se cada um deles tivesse recebido,
além do 13º salário, um 14º e 70% de um 15º. Já os mil gerentes, chefes de seção e diretores dividiram uma fatia bem maior: R$ 111 milhões. Na prática, os executivos receberam um ano extra de salários. Segundo oito consultores e analistas ouvidos por DINHEIRO, é o maior bônus já destinado por uma empresa a seus diretores
no Brasil. ?Nem os bancos dão prêmios tão generosos?, diz um consultor que prefere não se identificar.

O superbônus da Sadia provocou inquietação no mercado financeiro. Analistas de empresas ligaram para diretores da companhia para questionar os valores. Queriam saber se a Sadia não privilegiou sua própria diretoria em detrimento à empresa e aos acionistas minoritários. Começaram a circular no mercado financeiro comparações com outras companhias. Nos bons anos, as indústrias pagam prêmios de quatro a oito salários aos seus diretores, vice-presidentes e presidentes ? bem menos que o pacote de um ano da Sadia. Embora seja difícil determinar a causa precisa do movimento, as ações da empresa caíram 10,73% nos dez dias seguintes ao anúncio dos resultados e do superbônus. No mesmo período, a Bolsa de Valores subiu 3,9%.

Luiz Murat, diretor-financeiro da Sadia, reconhece que os valores são ?ousados?. Mas argumenta que não houve privilégio. ?Ao contrário do que alguns disseram, destinamos mais dinheiro para o pagamento de dividendos do que aos bônus?, disse Murat à DINHEIRO. Enquanto a Sadia reservou R$ 142 milhões aos diretores e empregados, distribuiu R$ 150 milhões em dividendos aos acionistas. Murat atribui os altos valores do prêmio a um episódio único.

Truco. No final de 2002, contou Murat, os diretores se reuniram para debater a situação da empresa. Embora desse lucro, a Sadia não gerava os resultados esperados pelos acionistas. ?Nos últimos três anos, destruímos valor da companhia?, disse Murat, referindo-se a um cálculo contábil conhecido no mercado financeiro como EVA (Valor Econômico Agregado). A grosso modo, essa ?destruição de valor? significa que a empresa estava rendendo menos dinheiro com a produção do que se o seu capital estivesse aplicado no mercado financeiro. Só em 2002, a diferença seria de R$ 13 milhões.

Os diretores fizeram então um proposta ousada. Reverteriam os resultados. Ao invés da ?destruição? dos anos anteriores, a Sadia aumentaria seus lucros e apresentaria uma ?geração de valor? de R$ 81 milhões ? acima do rendimento no mercado financeiro. Os executivos levaram a proposta ao Conselho de Administração. ?Saí com um truco na orelha?, contou Murat, referindo-se ao desafio do jogo de cartas. Se obtivessem o resultado prometido, os executivos repartiriam boa parte dos lucros. Caso contrário, os diretores não ganhariam nada e os empregados receberiam um bônus magro. ?Todos se mobilizaram e, com isso, alcançamos R$ 212 milhões de geração de valor?, disse Murat. ?Todo mundo saiu ganhando.? Em particular, a diretoria e os funcionários da Sadia. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, ex-presidente da Sadia, ficou de fora do superbônus.