Ausente da mesa dos adultos desde os anos 80, o socialismo ameaça um revival, desta vez nas maiores economias do mundo. O que ninguém sabe dizer é se o comeback é pra valer ou só uma modinha que vai passar sem deixar vestígios. Desde a queda do muro do Berlim (1989) e a falência econômica da União Soviética (1991) ninguém sério tinha a audácia de se declarar “socialista” em público. Isso mudou. No Reino Unido, por exemplo, a confusão com o Brexit afundou a popularidade do Partido Conservador, turbinando a carreira política de Jeremy Corbyn.

O deputado veio da ala mais à esquerda do Partido Trabalhista e nunca teve vergonha de se declarar “socialista”. Mas até pouco tempo era uma piada política e tinha até perfil satírico no Twitter, o @corbynjokes (“O que é vermelho e não sai do lugar? Eu!”). Corbyn também enfrentava acusações de ter sido espião comunista na Guerra Fria – e não dos mais espertos, já que trabalhava supostamente para a Tchecoeslováquia, em vez da União Soviética, que sempre pagou melhor. Na última segunda 18, oito deputados “liberais” se afastaram do Partido Trabalhista, alegando que o socialista“sequestrou a legenda”. É um fato. Jeremy Corbyn é hoje a cara de um partido que costumava se situar na centro-esquerda e sempre teve orientação pró-mercado.

Melhor sorte tem a deputada americana Alexandra Ocasio-Cortez, mais conhecida pela sigla “AOC”, que lidera um levante socialista no Partido Democrata. Bernie Sanders já tinha tentado isso antes, mas o charme e a persistência dessa descendente de porto-riquenhos a levaram mais longe. AOC é autora da proposta “Green New Deal”. O projeto quer transformar os Estados Unidos numa economia carbon free até 2030 com uma feroz ingerência do estado na economia, além de muitos benefícios e subsídios. Se aprovados, os gastos chegariam a US$ 6,6 trilhões ao ano. Alexandra Ocasio-Cortez faz parte dos Socialistas Democráticos da América, organização criada em 1982 dentro do Partido Socialista da América que, por sua vez, é refúgio dos trotskystas desde os anos 30.

A turnê de relançamento do socialismo passa até pela China, veja você. Em dezembro de 2018, o governo reprimiu duramente os estudantes na Universidade de Pequim, a principal do país, que pretendiam comemorar os 125 anos do nascimento de Mao Tsé Tung. Criador da China comunista e premiê entre 1949 e 1976, Mao ainda é reverenciado pelo PC Chinês, mas os “neo-maoístas” criticam a guinada do país para a direita e defendem o retorno ao “verdadeiro socialismo”. O estudante Quiu Zhanxuan, líder da Sociedade Marxista da Universidade de Pequim, prega a união entre trabalhadores e estudantes para criação de sindicatos, proibidos no país. Prega, não. Pregava. Como a China não é o Reino Unido e nem os Estados Unidos, Qiu perdeu o controle do seu grupo, que agora é “oficial” e tem um líder alinhado ao poder.

A modinha socialista é resultado dos efeitos da globalização, que continua destruindo empregos com mais rapidez do que consegue criar. De 2010 para cá, a riqueza global cresceu 13%, mas os salários só subiram 2%. Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump e espécie de guru intelectual da nova direita, orienta seus asseclas a investir justamente nos “perdedores” da globalização, enquanto acusa a esquerda de se fechar numa bolha elitista que ignora os problemas reais dos trabalhadores. O resgate do socialismo parece, portanto, uma tentativa da esquerda de se reconectar às suas bases históricas. Faz sentido, mas não custa relembrar uma frase lapidar do velho Karl Marx: “A história sempre se repete: a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.”