Já se passaram 30 anos desde que o diretor de cinema Jonathan Demme surpreendeu o mundo com o trhiller O Silêncio dos Inocentes (no original, The Silence of the Lambs). A bem urdida trama em que uma jovem agente do FBI (interpretada por Jodie Foster) recorre a um canibal condenado (papel de Anthony Hopkins) para encontrar um serial killer venceu as cinco principais categorias do Oscar: Melhor Filme, Diretor, Ator, Atriz e Roteiro (adaptado). A um custo modesto de US$ 19 milhões, a produção faturou mais de US$ 250 milhões em bilheteria apenas no ano de lançamento. O título em português se tornou uma espécie de frase-feita de conotação moral. Um aforismo análogo ao bordão “quem cala consente”, mas ao contrário, como se aos inocentes não fosse dado o direito à palavra.

No Brasil de 2021, a busca de provas que incriminem malfeitores no âmbito da pandemia não é liderada pelo FBI e, ao que se saiba, não tem um canibal na trama e sim um genocida. O que não falta, porém, é o silêncio por parte dos depoentes convocados pela CPI da Covid. Muitos recorram à Justiça para não responder às perguntas dos senadores. Foi o que fez Emanuela Medrades, diretora da Precisa Medicamentos, empresa responsável pela venda da vacina indiana Covaxin para o Ministério da Saúde. A negociação é cercada de suspeitas. Por isso caberia à diretora esclarecer o que de fato ocorreu. Mas ela conseguiu um habeas corpus para não responder a indagações que poderiam incriminá-la em seu depoimento na terça-feira (13). A garantia de silêncio foi assinada por ninguém menos que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux.

PERDA DE TEMPO E DE DINHEIRO

A mudez de Medrades não apenas irritou senadores. Ele levou a CPI a recorrer ao mesmo ministro Fux com um pedido de embargo que, na prática, poderia anular o que ele mesmo havia garantido à depoente – e a quem mais pretenda permanecer calado em futuras oitivas. Causa espanto que, num país no qual a celeridade da Justiça não é motivo de celebração, o presidente de nossa Corte mais alta tenha agenda livre para despachar, em caráter de urgência, um habeas corpus que impede a CPI de fazer seu trabalho e, em seguida, um embargo que sustenta o contrário. Ainda que o acolhimento às demandas não tenha atropelado outros processos que se avolumam no STF, foi uma tremenda perda de tempo e de recursos públicos. Perdeu-se um dia de CPI para nada. E mesmo que a segunda decisão de Fux, a partir de agora, aumente os poderes de investigação dos senadores, ela pode ter vindo tarde.

O recesso parlamentar iniciado no sábado (17) não irá suspender o trabalho da CPI, que agora se dedica à análise de documentos e já estende seus tentáculos para fora do País. O risco de a CPI ser esvaziada em função do recesso, porém, é grande. Ela pode perder o apoio que conquistou junto à opinião pública nos últimos meses, quando se tornou um programa quase obrigatório dos brasileiros. Esse entusiasmo com a comissão pode ser fogo de palha. Com ordens de prisão anuladas (sem maiores danos a quem desacata os senadores) e habeas corpus que silenciam os depoentes, a CPI é incapaz de produzir provas consistentes.

A esperança é que as investigações avancem a partir de documentos, sejam contratos impressos, e-mails ou mensagens de celular. A depender da vontade dos depoentes e das garantias legais para que eles não se incriminem, a CPI será mais relembrada no futuro como um grande desperdício do que como uma investigação que comprovou a ocorrência de crimes de prevaricação, desvios de recursos públicos e corrupção.