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Nevava na Big Apple na manhã da quarta-feira 11 e o calor das emoções do grupo de brasileiros da XP Investimentos, que fazia seu IPO – na casa dos US$ 2,2 bilhões – na Nasdaq contrastava com o clima inóspito do lado de fora do edifício que ocupa o número 151 W da 42nd Street, em Manhattan. Quando Guilherme Benchimol, 43 anos, ao lado de suas três filhas (de 10, 8 e 1 ano) e do time de fundadores da organização pegou o microfone para anunciar o momento histórico para a XP, não se conteve e chorou. Chorou muito.

A música de fundo era o tema da vitória de Ayrton Senna, um dos grandes ídolos do fundador e CEO da XP. Uma trilha sonora que confirmava a espetacular realização de mais um elenco de brasileiros vencedores. Mais que um IPO, era o show da XP em Nova York. “Galera, obrigado por tudo. A ficha não caiu ainda, mas o que a gente fez foi impossível. Estar com vocês aqui hoje é mágico. Pensar que aquela salinha virou isso aqui tudo… Somos quase 9 mil pessoas no Brasil, 2,5 mil funcionários. Quando a gente acredita mesmo nas coisas, trabalha duro, sem atalho, a gente chega lá. É uma honra enorme estar aqui”, afirmou, com a voz já um tanto embargada. “A gente está abrindo o capital, é um passo importante para se conectar com os maiores investidores do mundo, trazer as melhores práticas que podem existir mundo afora e deixar nossa empresa ainda mais forte”. Coberto com a bandeira do Brasil, Benchimol era saudado pelo grupo de 250 consultores da empresa aos gritos de “XP, XP, XP, XP”. Todos vestiam a mesma camiseta. Para ele, era impossível conter as lágrimas. A empresa que criara do nada, em uma diminuta sala em Porto Alegre, no ano de 2001, estava valendo acima de R$ 62 bilhões. “Estou há algumas noites sem dormir. A gente fez três grandes rodadas com investidores internacionais, a última delas abrindo nosso roadshow oficial, que começou no domingo retrasado. Todo mundo muito entusiasmado com o que a gente fez e que a gente ainda pode fazer”, diria Guilherme horas mais tarde, durante sua conferência com jornalistas brasileiros.

“A gente está abrindo o capital, é um passo importante para conectar A XP com os maiores investidores do mundo e deixar nossa empresa ainda mais forte” Guilherme Benchimol,  CEO e Fundador  do Grupo XP

TIAGO RIBEIRO

Na fachada do prédio que abriga o segundo mais importante mercado de capitalização do mundo, atrás apenas da Bolsa de Nova York, um painel luminoso dava as boas vindas a Guilherme Benchimol. A imagem do brasileiro — que nas horas vagas é ultramaratonista – se alternava a frases em inglês e português. Uma delas era “Ouse fazer – a empresa brasileira mais valiosa a fazer um IPO em Nova York”. No pregão eletrônico, a cotação do papel lançado ao valor de U$ 27 disparava em ritmo acelerado. Na primeira transação, o mercado já pagava US$ 32,75 pelas ações sob o código “XP”. Pouco depois, elas eram comercializadas a US$ 33,44 uma alta de quase 24%. Precificado na véspera, o valor inicial havia superado a expectativa do mercado, que apostava em algo entre US$ 22 e US$ 25. O IPO, coordenado pelos grupos Goldman Sachs Inc., JPMorgan Chase, Morgan Stanley, Banco Itaú BBA AS e XP Investimentos, foi o quarto maior do ano na Nasdaq, com oferta de 83 milhões de ações. Participaram das transações os bancos UBS, Bank of America, Credit Suisse e Citigroup. Investidores brasileiros ficaram de fora, mas a situação foi contornada com o lançamento de dois novos fundos exclusivos para o Brasil (leia no quadro em destaque).

 

A CONQUISTA DA AMÉRICA Havia nevado em NY pouco antes, mas a equipe de brasileiros da XP não perdeu a chance de registrar o momento em que o painel digital da Nasdaq anunciou o IPO, exibindo imagens de Guilherme e frases como “Ouse fazer” (Crédito:TIAGO RIBEIRO )

“A gente fez o maior IPO de uma empresa brasileira fora do Brasil e, de longe, a maior festa durante um IPO na Nasdaq”, diria Guilherme. A maratona até o lançamento das ações da XP Inc. havia começado um ano antes, com um longo processo de adaptação às regras internacionais e a escolha das instituições que iriam coordenar a oferta. A jornada se intensificou no dia 1º de dezembro, quando a alta cúpula da empresa foi para os Estados Unidos participar de nove dias ininterruptos de reuniões presenciais em Boston, Nova York, Chicago e São Francisco, aproveitando as madrugadas para manter conversas com investidores de outros países, em diferentes fusos horários. A última reunião foi na tarde da terça-feira 10. Por volta das 15h, Guilherme e sua equipe mais próxima foram até a sede do Goldman Sachs, um dos bancos à frente da oferta, para distribuir a alocação de investidores e definir o preço de bookbuilding, o processo pelo qual uma empresa avalia, junto ao mercado financeiro, a real demanda por suas ações. Primeira boa notícia: o interesse havia superado as expectativas iniciais, que apontavam para um preço até US$ 25 por ação. Ficou em US$ 27. “Todo mundo ficou muito entusiasmado com o que a gente fez e pode fazer ao longo dos próximos anos. A concentração bancária no Brasil ainda é brutal, com 90% do dinheiro de poupança na mão dos grandes bancos. Certamente essa foi a grande oportunidade que todos perceberam”, afirma Guilherme. Foram ofertadas 72.510.641 ações classe A, das quais 42.553.192 de oferta primária e 29.957.449 em oferta secundária. Um lote adicional totalizou 83.387.237 papeis, somando US$ 2.251.455.399. Ao finalizar o processo de bookbuilding, a empresa foi precificada em US$ 14,9 bilhões, algo próximo a R$ 62 bilhões. No final da tarde da quarta-feira 11, a XP Inc. valia R$ 80 bilhões.


Tudo começou em uma salinha em Porto Alegre, em 2001. Era um período difícil na vida do carioca Guilherme Benchimol, então com 24 anos. Longe de ser um aluno brilhante de economia, ele acumulava no currículo uma passagem tímida pelo banco Icatu e acabara de ser demitido da Investshop – plataforma on-line que estava sofrendo com o estouro da bolha das emrpesas pontocom. Guilherme sentia que estava decepcionando o pai e que precisava recomeçar a sua carreira. Numa manhã de domingo, pegou a caminhonete Dakota que havia comprado dois meses antes e, acompanhado da mãe, dirigiu 20 horas do Rio de Janeiro a Porto Alegre. O plano era montar um escritório de agentes autônomos de investimento para a corretora Diferencial, que fazia parte da rede da Investshop. Instalou-se numa salinha de 25 metros quadrados dentro da corretora, e convenceu outro jovem, Marcelo Maisonnave, a ajudá-lo em sua nova empreitada. Neto de um ex-presidente da Bolsa de Valores do Extremo Sul, em Porto Alegre, foi Maisonnave quem notou que seria necessário criar um nome para o negócio. “Coloca um nome XPTO aí, Marcelo, e vamos atrás de clientes”, disse Benchimol, segundo conta o livro “Na Raça”, biografia escrita por Maria Luíza Filgueiras e recém-lançada pela Intrínseca. Maisonnave abreviou a sugestão para XP, para fazer menção a expertise.

Quem coordenou a oferta de ações da XP Inc.

Goldman Sachs

JPMorgan Chase

Morgan Stanley

Banco Itaú BBA SA

XP Investimentos

Participaram da transaçãoUBS

Bank of America
Credit Suisse
Citigroup

Os primeiros anos foram difíceis. Precisaram deixar a sala emprestada pela Diferencial, e, para alugar um novo espaço e fazer a XP sobreviver por mais um ano, Benchimol precisou vender a Dakota por R$ 14 mil. A empresa só começou a decolar depois de ter adotado um novo modelo de negócio, vendendo cursos que ensinavam os clientes a investir e, mais importante, a deixar parte de suas aplicações nas mãos da XP. Em apenas seis anos, os dois conseguiram comprar uma corretora de valores carioca, a pequena Americainvest, à beira da falência e com apenas três funcionários. Foi assim que a XP começou a chegar à elite financeira do País.

Depois do estouro da crise financeira global em 2008, a companhia entrou em período de forte contenção de custos e reformulou os seus negócios para se tornar uma cópia da americana Charles Schwab, um shopping de investimentos com forte conteúdo educacional. A seguir vieram aportes dos fundos internacionais Actis e General Atlantic, que fizeram a empresa superar R$ 1 bilhão em valor de mercado, e a subsequente saída de muitos dos primeiros sócios. Benchimol considerava que alguns deles não tinham mais a garra dos primeiros anos. Sobrou até mesmo para Maisonnave, o segundo maior acionista, que deixou a sociedade em 2014. Nessa época, ganhou força na organização o amigo de infância Julio Capua, filho de José Carlos Ramos da Silva (um dos primeiros sócios do banco Garantia) e da segunda esposa do pai de Benchimol.

Até a quarta-feira 11, a última grande revolução havia sido a negociação da XP com o Itaú, em 2017. O banco pagou R$ 6 bilhões para deter 49,9% do controle da empresa, que passou a valer R$ 12 bilhões. Também foi acertado que o banco iria aumentando gradualmente a sua participação, podendo adquirir 100% até 2033 – possibilidade barrada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que limitou a participação do Itaú em 62% da corretora. Com a decisão, a ideia de fazer o IPO na Nasdaq, que vinha sendo considerada durante muitos anos, ganhou ainda mais força. Os números da semana passada mostram que o timing escolhido foi perfeito. “Acreditamos que o lucro líquido da XP deverá atingir R$ 774 milhões em 2019, aumento de 67,2% em relação a 2018”, diz Eduardo Guimarães, especialista em ações da Levante Ideias de Investimento. Para ele, a vantagem competitiva da empresa é imensa: “Com 5% de participação no total de ativos sob custódia, onde os maiores bancos concentram uma participação de 93%, a XP é cerca de oito a dez vezes maior que o segundo colocado entre as plataformas digitais de investimento no Brasil”. Apesar de ter recomendado a seus clientes a compra das ações no IPO até o valor de US$ 25, Guimarães entende que a cotação elevada na abertura de capital não oferece risco aos investidores. “Quem investir nas ações da XP na Nasdaq poderá ter um retorno anual em dólares de 10% ao ano de 2019 a 2023”.

Alberto Amparo, especialista em investimentos no exterior da Suno Research, diz que “o case da XP engloba uma crença no potencial de crescimento da economia brasileira, no modelo de negócio e na cultura do time da empresa”. Em um cenário conservador, ele projeta um retorno para o investidor entre 70% e 95% em cinco anos, o que significaria um ganho nominal entre 11% e 14,4% ao ano. “A empresa não está uma ‘barganha’, uma vez que existe uma grande expectativa de crescimento precificada no valuation inicial”, afirma. Ou seja, o entusiasmo do mercado no IPO pode limitar os ganhos para o investidor no curto prazo. Por isso mesmo, o CEO da XP, Guilherme Benchimol, prefere não olhar os números da Nasdaq. “O preço da ação é consequência desse bom trabalho no longo prazo”, afirmou à DINHEIRO, em entrevista por telefone na tarde da quarta-feira.

Depois de uma agenda exaustiva – até mesmo para um ultramaratonista acostumado a corridas de mais de 100 quilômetros – era hora de comemorar com os colaboradores que acompanharam de perto a “conquista da América”. O local escolhido foi o Barclays Center, uma arena multiúso com espaço para shows, bar e restaurante, localizada no Brooklyn. “Depois de amanhã eu vou tirar três dias de folga”, anunciou o visionário que conseguiu transformar uma caminhonete usada em um conglomerado de R$ 80 bilhões – e que ainda acredita que sua história está só começando.

“Nossa história está só começando”

A ação da XP valorizou mais de 20% logo após o lançamento. O que espera daqui para a frente?
Eu assumi comigo mesmo e com os meus sócios o compromisso de não olhar o preço da cotação. Não é o rabo que abana o cachorro e sim o cachorro que abana o rabo. A prioridade nossa é trazer qualidade para o cliente, garantir que o nosso negócio seja consistente e sustentável no tempo. O preço da ação é consequência desse bom trabalho no longo prazo. A gente deu nosso gás e quer que os analistas entendam nossa empresa em bases anuais. Nossa história só está começando e a consequência natural é que a ação siga subindo.

Como os investidores brasileiros participaram no IPO?
A lei brasileira não permite que nem antes nem depois do IPO a gente convide pessoas físicas do Brasil para comprar ações. Ela é muito clara nessa direção. Então a gente fez uma alocação muito acima do normal para que fundos brasileiros comprassem o que queriam. As gestoras brasileiras foram as mais alocadas.

A XP avalia fazer uma listagem também no Brasil?
Eu sempre gosto de enfatizar que obviamente a nossa primeira opção era a listagem também no Brasil. Infelizmente, como a XP vem sendo diluída do ponto de vista societário desde 2010, com a entrada da Actis, depois da General Atlantic e finalmente do Itaú, a gente corria o risco de perder o controle da companhia caso abrisse o capital no Brasil, o que não interessaria a ninguém. A gente se considera a empresa mais brasileira de todas e com esse IPO a gente fez a maior alocação da história para que fundos locais comprassem as ações, então foram centenas de milhares de pessoas que, por serem cotistas desses fundos no Brasil, se beneficiaram dessa alocação. E assim que for possível, conforme surjam novas regras, esperamos que a XP seja listada no Brasil.

Vocês captaram um volume de recursos considerável. Como pretendem alocá-lo?
A gente fez uma emissão primária de US$ 1,1 bilhão de dólares para investir em uma série de iniciativas que estão começando, talvez a principal delas seja a construção de um banco. A gente não quer ser uma empresa de crédito. Muito pelo contrário. Queremos oferecer uma solução completa que permita ao cliente cortar o cordão umbilical que ele tem com o banco quando abre uma conta corrente. Nós somos uma corretora, não conseguimos oferecer para o cliente hoje soluções bancárias como transferência, cartão de crédito, câmbio. Então vamos investir em verticais que permitam ao cliente ter um conceito de crédito inteligente, para que ele saiba que pode alongar seus investimentos, buscar maiores retornos porque, se precisar, ele vai ter um crédito muito barato. Essa é a maior oportunidade que a gente enxerga no médio prazo. Oferecendo essa solução completa poderemos mais do que dobrar a empresa.

O que os acionistas vão fazer com os recursos?
Uma parte da oferta é secundária e a gente vai fazer uma distribuição de dividendos, como fizemos com a entrada do Itaú. Todos os sócios da empresa só podem ter uma coisa, que é a XP Inc. Ninguém quer perder o foco. Eu assumi um compromisso de que não tenho e não terei outro relacionamento que não seja a XP.

A XP tem R$ 350 bilhões sob custódia. Há meta para 2020?
O cliente investe com a XP, em média, 45% da sua liquidez. Se a gente conseguir ter 100% do que cada cliente investe, podemos mais que dobrar esses R$ 350 bilhões. Isso é impossível se não pudermos oferecer soluções bancárias. Queremos melhorar a experiência do cliente com o que só um banco pode oferecer.

Vocês lançaram recentemente uma seguradora. Pretendem ampliar a oferta de serviços e produtos?
Focar em vida e previdência é uma oportunidade grande para os próximos meses. Estamos abertos a novas oportunidades em ativos que orbitam o nosso ecossistema. Por restrição do Cade e do Banco Central não podemos comprar nenhuma corretora, então não temos nada no radar em termos de aquisição.

Vocês consideram alguma expansão internacional?
Já temos escritórios fora do Brasil. Um em Miami, que atende pessoa física, e outro em Nova York, que atende clientes institucionais tanto latino-americanos quanto globais que invistam no Brasil, além de uma base em Genebra e outra em Londres. Não é prioridade agora abrir novos negócios fora do Brasil, onde a gente enxerga a maior oportunidade. Mas não temos dúvida de que o nosso modelo de negócio voa, que ele poderia ser replicado com eficiência e competência em outros mercados.

Com Neila Carvalho e Carlos Eduardo Valim