Em 2006, Yochai Benkler, professor da Universidade Havard, publicou o livro “A Riqueza das Redes”. O título é uma clara alusão ao clássico “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith. Numa época em que ainda não existia Facebook e nem smartphones, Benkler dissertava com otimismo sobre os novos arranjos socioeconômicos que a internet poderia criar, desafiando o conceito de nação.

Em 2019, o Facebook anunciou a criação de uma criptomoeda para sua rede de usuários e os governos mundiais ficaram abismados, mas a verdade é que essa moeda já existe há anos em forma de likes, seguidores e views. Não há novidade. Quantas roupinhas novas que seu influencer predileto usa foram compradas com um post no Instagram?

A verdade é que os políticos ainda se prendem a uma economia ultrapassada. O PIB, principal índice para medir “A Riqueza das Nações”, já se tornou obsoleto. Criado na década de 1930, nos EUA, para oferecer informações ao governo americano que permitissem desenvolver políticas públicas, o PIB tem métricas confusas, subjetivas e que não acompanham a revolução da indústria 4.0. Há mais de 10 anos, a Califórnia figura entre as 10 maiores economias do mundo. Sim, fosse um país, ela seria a 5º maior economia do mundo. Só o Vale do Silício concentra as maiores empresas que exploram a internet: Google, Uber, Facebook.

O que essas empresas fazem? Constroem algoritmos e plataformas on-line que facilitam a criação das redes. A produção e a geração de valor são deixadas nas mãos dos usuários e suas conexões. Segundo o Relatório Digital Global, em 2018, os brasileiros passaram mais de 9 horas diárias na internet. Essa jornada de trabalho dos usuários brasileiros nas redes sociais são computadas na economia brasileira? Ela aumenta o nosso PIB? Não! A riqueza gerada vai toda para os nerds do Vale do Silício. Se um australiano compra anúncios no Facebook para divulgar seus produtos para brasileiros, que ganha é uma empresa nos EUA. Isto não faz sentido algum e os governos são omissos quanto à exploração de seus cidadãos pelas grandes empresas de tecnologia.

A criptomoeda Libra, do Facebook, não deve ser aprovada pelos acionistas, pois seus investidores dificilmente estariam dispostos a reduzir lucros em dólares por tokens virtuais. Mas existem projetos muito interessantes que utilizam criptomoedas não apenas para enriquecer uma empresa, mas também para estimular a distribuição de moedas digitais entre os seus usuários. A rede social Steemit, que já conta com uma comunidade brasileira ativa, remunera o compartilhamento e interação com os posts por meio das criptomoedas.

Na Steemit, cada like vira criptomoeda que pode ser negociada. Projetos como PundiX e ArcadeCity desenvolvem aplicativos semelhantes ao Uber, mas nos quais os clientes podem negociar os valores das corridas e, melhor, sem a taxa obrigatória de 25% que o Uber cobra dos motoristas. Estes são apenas alguns exemplos que usam a criptomoedas para manter a renda no país o usuário, em dez de concentrar toda a riqueza nas empresas do Vale do Silício. Os governos, em vez de boicotar as criptomoedas, deviam entender o funcionamento e as aplicações delas. Elas oferecem a possibilidade de que os países mensurem e incorporem ao PIB o valor dos seus cidadãos nas redes sociais.

(*) João Guilherme Lyra é mestre em Sistema de Gestão pela UFF
e pesquisador de criptomoedas e tecnologia blockchain.
É autor do livro Blockchain e Organizações
Descentralizadas (Brasport).