O comunicado veio sem alarde, como costuma acontecer com as decisões relevantes. Discretamente, na manhã do sábado 2 de março, enquanto o País entrava no ritmo do carnaval, a mineradora Vale publicou um Fato Relevante anunciando a troca de comando. Segundo a nota, na sexta-feira, dia 1º, o Conselho de Administração foi advertido por representantes do Ministério Público Federal e mineiro, e por oficiais das polícias Federal e civil de Minas, de que o comando da empresa teria de ser trocado. Em reuniões que entraram pela noite e prosseguiram na manhã do sábado, os conselheiros aceitaram os pedidos de afastamento temporário de Fabio Schvartzman e de mais quatro diretores. O comando foi assumido por Eduardo de Salles Bartolomeo, engenheiro com dez anos de carreira na mineradora e uma longa trajetória internacional.

Passado o susto inicial com a troca, os investidores gostaram da mudança. A B3 não funcionou na segunda e na terça-feira, mas os papéis da mineradora foram negociados normalmente em Wall Street e, nesse período, subiram 2,2%, para realizar parte dos lucros mais tarde (observe o gráfico ao final da reportagem). Na quarta-feira 6, primeiro pregão no Brasil, as ações da Vale subiram 2,8%, contrariando a queda de 0,4% registrada pelo Índice Bovespa. Considerado um nome mais “operacional” do que Schvartzman, Bartolomeo seria a solução interna para convencer as autoridades de que a mineradora está, de fato, comprometida em não permitir que desastres como o de Brumadinho e o de Mariana, que matou 19 pessoas em novembro de 2015, voltem a ocorrer.

Considerado um negociador duro e um mestre na execução, Schvartzman fez as ações da Vale Subirem 122% em um ano e meio. Saiu à francesa (Crédito:REUTERS/Ueslei Marcelino)

NEGOCIAÇÃO O trabalho à frente de Bartolomeo é imenso. Quando o processo disparado pela tragédia do dia 25 de janeiro estiver encerrado, a Vale será uma empresa bem diferente. Nem mesmo o tortuoso processo de privatização, no fim dos anos 1990, ou a guinada estratégica após o surto expansionista realizado pelo falecido Roger Agnelli, tiveram um potencial tão intenso para abalar os fundamentos da corporação. O novo presidente terá duas tarefas no topo da agenda. A primeira é conquistar a confiança das autoridades responsáveis pela investigação da tragédia. A segunda é garantir que os investidores, especialmente os institucionais de fora do Brasil, não passem a considerar a Vale uma empresa arriscada demais para receber seu capital. “As regras de segurança do trabalho e sustentabilidade ambiental estão cada vez mais rígidas”, diz Rafael Bevilacqua, sócio-fundador da empresa de análise financeira Levante. “Mesmo que a empresa seja rentável, esses problemas podem dificultar o investimento.”

Nesse cenário, a troca de comando é mais um passo de um processo que começou enquanto os bombeiros ainda procuravam sobreviventes em meio à lama. Quatro dias depois do rompimento da barragem, o Ministério Público de Minas Gerais prendeu três funcionários da Vale e dois engenheiros da empresa alemã Tüv Sud, contratada pela mineradora para elaborar os laudos de segurança das barragens de rejeito. Duas semanas depois, no dia 15 de fevereiro, as mesmas autoridades detiveram oito gerentes da Vale, que só foram liberados no dia 27 de fevereiro. E, dois dias depois, chegou à sede da Vale na Avenida Graça Aranha, no centro do Rio de Janeiro, o comunicado dos procuradores que levaria à substituição de Schvartzman.

Desde o primeiro momento, a narrativa da empresa – e de seu ex-presidente – é que a palavra de ordem era “Mariana nunca mais” e que o que ocorreu em Brumadinho foi um acidente. Já os procuradores procuram, em meio aos destroços, algo que comprove que não houve, por parte da Vale, tentativas de achar atalhos para não gastar demais com a prevenção.

Tragédia ambiental: protestos e investigação levaram à queda do presidente (Crédito:Douglas Magno)

Se não fosse por Brumadinho, o presidente que saiu à francesa teria na Vale o coroamento de uma carreira bem-sucedida. Considerado um negociador duro e um mestre na execução, Schvartzman realizou, sem muitos sobressaltos, uma reestruturação societária que aprimorou a governança da empresa e a colocou no Novo Mercado da B3. Além de converter todas as ações em ordinárias, ele destravou as participações dos fundos de pensão de empresas estatais. Nisso, foi incensado pelo mercado. Quando assumiu, em abril de 2017, a companhia valia R$ 139 bilhões. Um ano e meio depois, em setembro de 2018, a capitalização havia aumentado 122%, para R$ 308 bilhões (para comparar, o Índice Bovespa se valorizou 21,2% nesse período). No entanto, na quarta-feira 6, a mineradora valia R$ 248 bilhões. Uma cifra respeitável, mas 19,5% abaixo do pico de 2018.

NOVOS RUMOS A mudança de comando não visa apenas tentar desanuviar as conversas com a troca do interlocutor. Por estar trabalhando fora do País quando ocorreu a tragédia, Bartolomeo não é visto como responsável por ela, o que pode facilitar os entendimentos com as autoridades. Porém, ele não terá apenas de buscar acordos, mas também de garantir que a produção de minério volte ao normal o quanto antes. No dia 7 de fevereiro, as autoridades de Minas Gerais suspenderam o funcionamento da mina de Brucutu, a 40 quilômetros de Brumadinho.

Juntas, as duas jazidas respondem pela produção de 70 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. “Isso é quase 18% da produção brasileira, que é de 400 milhões de toneladas”, diz Pedro Galdi, analista da corretora Mirae. “Uma quebra da produção dessa ordem reduz a oferta global em 3,5%, o que é suficiente para elevar os preços do minério.” Brasil e Austrália são os grandes exportadores globais do minério. Colocar essas minas para funcionar logo vai fazer o valor de mercado da Vale voltar ao que era. “Hoje, as ações estão baratas”, diz Álvaro Frasson, analista da corretora Necton. “Porém, nada garante que elas permaneçam onde estão por muito tempo ou que fiquem ainda mais baratas”, diz ele. “São ações só para quem tem bastante apetite pelo risco.”