A calça jeans e a camisa polo preta com um logotipo estampado na altura do peito não costumam ser o figurino habitual de um alto executivo do Bradesco, onde a obrigatoriedade do uso de gravata só foi abolida recentemente. Também não é comum ver um mural grafitado decorando uma das paredes da sede do banco na sisuda Cidade de Deus, em Osasco (SP). Pois tanto os trajes quanto o cenário escolhido por Renato Ejnisman para a foto que ilustra esta reportagem simbolizam as transformações em curso no segundo maior banco privado do País, e que podem ser resumidas como um salto digital e quântico. Na física, o termo salto quântico descreve a mudança de estado de uma partícula.

Na segunda-feira (1), Ejnisman foi anunciado como o primeiro CEO do Next, criado em 2017 como uma disrupção do Bradesco para competir com as fintechs e bancos digitais que àquela altura começavam a ganhar espaço no Brasil, caso de Nubank, Inter, Original e C6. Até 2020, porém, o Next permanecia como um apêndice do Bradesco. Tanto que só no ano passado ele ganhou um CNPJ próprio. Agora, tem também um CEO. O anúncio de que Renato Ejnisman fora promovido ao cargo se deu em meio ao de outras mudanças na alta direção do Bradesco. Parte delas se deve ao remanejamento de diretores para ocupar as áreas que estavam sob a gestão do executivo, que é físico de formação e está no Bradesco desde 2007 (leia à página 28 a entrevista concedida à DINHEIRO). Outra parte, contudo, se deve à estratégia do presidente Octavio de Lazari Jr., cuja gestão tem se caracterizado pelo investimento em tecnologia e por iniciativas capazes de rejuvenescer a imagem do banco.

TENDÊNCIA NATURAL Ao comunicar as mudanças, que incluíram a criação de uma nova vice-presidência voltada para clientes, Lazari afirmou: “Precisamos responder a esse momento desafiador investindo em pessoas, conhecimento e tecnologia”. Para ele, o conjunto de medidas anunciadas resultará em aumento da competitividade, dando uma resposta adequada ao processo de transformação que vive a atividade financeira no País.

A crescente digitalização do sistema bancário, acelerada pela entrada de bancos que não possuem agências, plataformas de investimentos via smartphone, além das transferências por meio do Pix e do open banking, duas inovações do Banco Central, exige das grandes instituições uma mudança de estratégia. Não por acaso, a nova vice-presidência do Bradesco é voltada para o cliente. O cargo foi confiado a Rogério Câmara, que fazia parte da diretoria executiva e acumula na nova função áreas como Arquitetura de TI, Gestão de Dados, CRM e Bradesco Experience. “A decisão de priorizar o relacionamento com o cliente é um caminho sem volta e desafiador no mercado brasileiro”, afirmou Câmara à DINHEIRO. “É uma tendência natural, pois operamos num dos maiores mercados consumidores do mundo.”

Egberto Nogueira

“Precisamos responder a esse momento desafiador investindo em pessoas, conhecimento e tecnologia” Octavio de Lazari jr. diretor presidente do Bradesco.

O real impacto da nova vice-presidência no desempenho do Bradesco é algo que só o tempo poderá mostrar, mas a passagem de Renato Ejnisman para a presidência do Next já provocou uma reorganização de cargos e atribuições. As áreas que o executivo gerenciava foram redistribuídas entre três outros diretores.

Graduado em física pela Universidade de São Paulo, Ejnisman obteve mestrado em física nuclear pela mesma instituição antes de obter seu PhD pela University of Rochester, no estado de Nova York. Ele vivia nos Estados Unidos quando recebeu uma proposta para voltar ao Brasil e trabalhar na consultoria McKinsey. “Naquela época havia muita oportunidade para físicos, matemáticos e estatísticos no mercado financeiro, sobretudo na área de derivativos”, afirmou. “Eu fiz uma espécie de MBA, sozinho, lendo livros, antes de ingressar na área de consultoria estratégica.” Quando estava na McKinsey, foi chamado por um headhunter para uma vaga no Bank of America. A chegada ao Bradesco se deu em 2007. Desde então, foi recebendo novos desafios até ficar responsável pelas áreas Internacional (o que inclui o BAC Florida Bank), Câmbio, Bradesco Corporate, Private Bank e Asset Management (Bram). “Nessa minha jornada dentro do banco, a contribuição direta da formação em física se tornou marginal. O que trago na bagagem é a forma de raciocinar, mais lógica, analítica, o que ajuda a encontrar soluções para os clientes de maneira organizada”, afirmou.

A escolha de Ejnisman para presidir o Next coincide com o momento em que o Bradesco, único controlador do banco digital, tomou a decisão de dar total autonomia ao negócio. Hoje com 4 milhões de clientes, obter o que o CEO chama de “independência corporativa” significa mais agilidade, encurtando o tempo para o lançamento de produtos e serviços que antecipem as necessidades dos correntistas. Se em um primeiro momento a busca do Next era por uma clientela jovem (os millennials) e hiperconectada, hoje o desafio é atrair todo tipo de público. “A facilidade da experiência digital interessa a todo mundo”, afirmou Ejnisman.

GAMES O viés tecnológico, evidentemente, é um apelo adicional. Um exemplo é a parceria com o o time de e-sports Fluxo. O Next nomeou como embaixador da marca Bruno “Nobru” Goes, eleito melhor jogador de Free Fire do mundo em 2019. O banco também oferece facilidades para os gamers e até descontos no e-commerce do Fluxo. Para o cofundador Lúcio “Cerol”, a parceria fortalece a crescente comunidade de jogadores.“Sabemos a diferença que faz a possibilidade de ter uma conta com serviços grátis para você organizar seu dinheirinho”, afirmou.

Mais que um nativo digital, o Next se define como banco completo. “Poucos players têm a gama de produtos que a gente oferece”, afirmou Ejnisman, citando a oferta de crédito, de investimentos e de seguros. “A maior parte dos nossos concorrentes tem como produto principal um cartão de crédito.” Por isso, segundo ele, a base de comparação com os demais bancos digitais não é muito clara. Em outubro de 2020, o Nubank, fundado em 2013, divulgou ter atingido a marca de 30 milhões de clientes, sendo 26 milhões de correntistas, além dos que possuem apenas cartão de crédito. Outro banco digital em rápido crescimento, o Inter, controlado pela família Menin, dona da construtora MRV, rompeu a casa dos 7,2 milhões de correntistas no final do ano passado. O número alcançado pelo Inter é um pouco acima da meta do Next para este ano. A julgar pela disposição do Bradesco em dar seu salto digital, não será difícil chegar lá.

ENTREVISTA: “Quem tem a maior capacidade de analisar dados e o maior leque de produtos e serviços para agradar o cliente é quem vai de fato ganhar o jogo”

Renato Ejnisman, CEO do Next. (Crédito:Egberto Nogueira)

De que forma a sua formação em física ajuda a desempenhar uma função como a de CEO de um banco digital?
No mercado financeiro nosso desafio é encontrar soluções para o cliente. Embora eu nunca tenha ficado à frente de uma área de TI, eu precisei fazer muitos modelos matemáticos para a minha tese de doutorado. Para isso, tive de programar bastante, usando as linguagens de computação que hoje me ajudam a entender esse mundo. Não acho que o meu conhecimento técnico seja um diferencial, até porque ele é bem limitado. Mas permite um diálogo com as áreas que desenvolvem as soluções.

Qual o público-alvo do Next?
Num primeiro momento do Next a gente esteve claramente focado no millennial. Até
a linguagem era voltada para esse perfil de cliente, com uma comunicação que buscava envolvê-lo e talvez até pudesse causar estranheza para alguém com mais de 50 anos. Em um segundo momento, o foco foi os hiperconectados, que querem ter uma experiência digital. Eu diria que hoje nosso público-alvo é o de todas as faixas etárias. Porque todo mundo quer ter a conveniência do digital, de acessar o banco a qualquer hora.

Vocês terão agências físicas?
O Next é nativo digital e a ideia é mantê-lo 100% digital. Não pretendemos sair por aí crescendo com tijolo, como a gente gosta de falar. Mesmo assim, é para ser um banco completo. Embora nesse estágio de vida ainda existam serviços que a gente pode incrementar, ele já é uma das plataformas mais completas do mercado. Na jornada de investimentos que a gente oferece ao cliente, damos acesso à Agora, algo que a concorrência não oferece. Eu gosto de pensar no Next como uma plataforma que serve para facilitar a vida do cliente, para que ele tenha condições de investir mais tempo onde quiser, seja no lazer, seja para se educar ou como preferir.

Sendo um banco completo e com apetite de crescimento, o Next pode canibalizar correntistas do Bradesco?
Se você olhar a nossa base de clientes, 80% não têm conta no Bradesco. Estamos indo buscar nossos correntistas em mar aberto. Quem escolhe o Next está interessado em uma experiência digital. Se ele não nos escolher, irá para outro banco. Já os que fizerem a migração para a nossa plataforma irão permanecer em uma instituição controlada pelo Bradesco.

O que o open banking traz de preocupação e de vantagens para o Next?
O que está por trás do open banking é a inteligência de dados. Antes, quem tinha o controle sobre as informações financeiras das pessoas eram os bancos. Isso mudou muito com o advento dos smartphones. Essa é uma das razões para que hoje existam mais competidores no mercado financeiro. O que o open banking faz, de uma forma bem resumida, é dar ao cliente a propriedade desses dados. Com base nisso, ele pode ir atrás de quem oferece os melhores produtos e serviços, seja pelo preço, seja pela sofisticação. Dentro desse contexto, quem tem a maior capacidade de analisar dados e o maior leque de oferta de produtos e serviços que possam agradar o cliente é quem vai de fato ganhar o jogo. Por isso a capacidade de investir em tecnologia se tornou importante.