A trajetória da família Fares não difere muito das histórias de milhares de imigrantes que desembarcaram no Brasil em busca de uma vida nova. Fugido da guerra, o libanês Abdul Hadi Mohamed Fares (1930-1978) fundou em São Paulo, na década de 1960, uma pequena loja de móveis que, décadas depois, se tornaria um gigante do varejo: o Grupo Marabraz, hoje dono de faturamento estimado em R$ 1,1 bilhão, 140 lojas e mais de 3,2 mil funcionários. Essa biografia de sucesso empresarial se assemelharia a de sobrenomes como Klein, Herz, Safra e Feffer, entre tantos outros, não fosse por uma razão. Os filhos estão em pé de guerra. E, a julgar pelos ânimos acirrados, podem travar uma longa e conflituosa disputa judicial. Isso porque o primogênito Fábio Bahjet Fares entrou, em janeiro deste ano, com uma ação contra seus irmãos Nasser, Jamel e Adiel.

Fábio alega ter sido traído em um esquema confessadamente fraudulento, no qual ele próprio teria simulado a venda de sua parte na Marabraz aos irmãos para não ter de dividir, em um processo de divórcio, o patrimônio com a então esposa Suhaila Fares – prima de primeiro grau, inclusive. Desde 1995, Fábio e Suhaila teriam se separado e reatado o casamento três vezes. Agora, arrependido do negócio, ele exige sua parte de volta. Por outro lado, os irmãos negam que a venda tenha sido simulada. “A acusação é absurda, descabida e infundada”, disse à DINHEIRO Sandra Comi, advogada da Marabraz, que defende os irmãos contra Fábio. “Existem recibos, documentos e diversos elementos que certificam a transparência e lisura da compra da parte de Fábio. Tudo será anexado na defesa.” Procurada, Suhaila não quis comentar.

A encrenca envolvendo a família Fares, revelada em reportagem da BBC Brasil, na última semana, parece estar distante de um desfecho. Embora o processo esteja atualmente em segredo de Justiça, uma fonte ligada à família, que pediu para não ter o nome revelado, afirma que a venda da parte de Fábio aos irmãos recebeu o endosso da mãe, Hajar Fares, hoje com mais de 80 anos. “O Fábio sempre foi um ‘filho-problema’, gerador de conflitos com seus fracassos amorosos e tropeços financeiros”, disse. Procurado, Fábio Fares não quis se pronunciar.

Divórcio e partilha: o casamento turbulento de Suhaila Fares, prima e ex-mulher de Fábio, teria sido a fonte dos conflitos que resultaram na briga entre os herdeiros da Marabraz, empresa com 140 lojas pelo país

Seu advogado, André Frossard, do escritório Siqueira Castro Advogados, se posicionou por meio de nota, informando que o vazamento das informações ocorreu em “uma janela de tempo em que os autos ficaram disponíveis a público” e que, por se tratar de um processo em segredo de Justiça, “não irá fornecer maiores informações a respeito da controvérsia.” O problema é que a novela da família Fares, historicamente avessa aos holofotes da mídia, terá capítulos que vão além da briga entre irmãos e ex-mulher. Segundo a mesma reportagem da BBC Brasil, a partir de 1997, os irmãos Fares teriam transferido diversas filiais para um novo CNPJ, do qual Fábio era sócio constituinte.

 

A marca Marabraz foi vinculada a um novo registro empresarial, criado em 2005, de que Fábio também era dono. A manobra teria como objetivo reintegrar Fábio à companhia e sonegar impostos, escondendo receitas. No entanto, um relatório de fiscalização da Receita Federal, feito em 2015, afirma que os sócios Jamel, Adiel e Nasser usaram diversas pessoas jurídicas “com o objetivo de obter recursos de forma ilícita, proveniente de sonegação fiscal”. Com isso, o Fisco passou a exigir o pagamento de um total de R$ 755 milhões do Grupo Marabraz, o equivalente ao que teria sido sonegado pela empresa, com multas e correção.

Os irmãos Fares e a Marabraz negam as irregularidades. “A polêmica envolvendo os Fares ainda terá muitos desdobramentos, já que tanto a acusação quanto a defesa terão de provar, com documentos, as supostas fraudes, traições e mentiras”, afirma Octávio Souto Vidigal Filho, especialista em direito societário no escritório CSMV Advogados. “Depois de superada essa disputada na Justiça, ficará mais uma lição de que os conflitos familiares são inevitáveis, mas os problemas podem, sim, ser minimizados se houver transparência na gestão.”