Ninguém queria ir para aqueles lados. A estrada estreita, esburacada, coberta de lama não incentivava o desbravamento da região de Macaé, Rio de Janeiro, lá pelos idos de 1950. Não havia riqueza. Mas, por isso mesmo, o local parecia um eldorado aos olhos de Jelson da Costa Antunes. Com 19 anos, 600 mil réis no bolso e um relógio de pulso, ele comprou um ônibus velho e passou a carregar trabalhadores de Macaé para Quissamã, onde uma usina estava em construção. Era um luxo só. Até ali, o pessoal sacudia morro acima na boléia de caminhão. Em uma semana, havia gente viajando de pé no ônibus atulhado. Em seis meses, o veículo estava pago e outros dois foram comprados ? um deles zero quilômetro, tão novo que carregou até noiva em dia de casamento. Semente lançada, Antunes comanda hoje o maior grupo de transporte rodoviário de passageiros do País. A cada mês, seus 1,8 mil ônibus transportam mais de dois milhões de pessoas. Juntas, suas empresas faturam por ano quase R$ 250 milhões. ?Nesse setor investe-se muito e ganha-se pouco. Por isso só tem guerreiro?, filosofa Antunes.

 

Frase de efeito, mas típica de empresário bem-sucedido e, para não perder o hábito, ?chorão?. O ex-cobrador, ex-motorista, ex-mecânico de ônibus conquistou as estradas do País e se tornou dono de uma das maiores frotas de ônibus rodoviários do Brasil e agora caminha rumo ao mar. Dono da concessão do serviço de transporte por barcas entre Niterói e Rio de Janeiro, Antunes acaba de levantar um financiamento de US$ 75 milhões junto ao BNDES para colocar 10 novas embarcações na água e modernizar inteiramente os terminais de embarque e desembarque. A primeira parcela do dinheiro saiu na semana passada.

 

Aos 75 anos, Antunes carrega uma mistura de sentimentos comum em empresários bem-sucedidos. De um lado, mantém a gana de expandir seus negócios. De outro, cultiva o desejo de perpetuar o império que construiu a partir do nada. Isso explica duas tarefas em que está diretamente envolvido. Meses atrás, comprou a Viação Cometa. Seus ônibus prata e azul, montados sobre carrocerias de design retrô, a transformaram em um ícone no setor do transporte de passageiros. Fundada por um major da Aeronáutica italiana, em 1948, a empresa perdeu estatura nos últimos anos. O apego extremo à tradição no desenho dos veículos envelheceu a imagem e afastou os clientes. Mesmo assim, a Cometa mantinha a quarta colocação no mercado, à frente da própria 1001. Foi sua aquisição, depois de longo namoro, que levou o grupo comandado por Antunes à condição de liderança. Agora, nada será como antes na frota da empresa. Nos próximos dias, novos ônibus, com novas cores e novo logotipo serão apresentados ao público.

Na segunda tarefa, Antunes tem os olhos voltados para dentro de casa. Em sua escrivaninha, está o desenho de uma fundação, que receberá parte das ações da 1001 pertencentes a ele. A instituição se dedicará ao apoio de jovens carentes com potencial de desenvolvimento, residentes na periferia de Niterói. O nascimento da fundação faz parte de um grande projeto de sucessão e profissionalização da companhia. Hoje, três gerações convivem na estrutura do grupo. Além de Antunes, um casal de filhos e um genro atuam nos negócios. Dois dos seis netos também já pegaram no batente. Os demais estão sendo treinados. ?Nossa preparação nos dará condições tanto para desempenhar o papel de acionistas, como o de gestores?, diz Alexandre Antunes de Andrade, neto de Antunes e superintendente da 1001. Uma série de regras para o ingresso de familiares está sendo definida. Experiência mínima de dois anos fora do grupo familiar, formação acadêmica e aprovação pelo conselho de administração são alguns dos requisitos. Os passos de Alexandre são acompanhados de perto pelo avô. ?Ele é um líder nato, mas deve ganhar mais experiência?, diz Antunes.

 

Aos 76 anos, Antunes poderia estar na vetusta cadeira de presidente do conselho de administração, sem muita coisa para fazer além de ser formal e polidamente consultado pelos herdeiros quando tudo já estivesse decidido. Coisa nenhuma. O expediente de Antunes é dividido entre o trabalho de campo e a elaboração da estratégia da companhia. ?No dia-a-dia, o pessoal toca os negócios, mas na hora das grandes decisões…,? diz. Não quer dizer que o cotidiano tenha sido abandonado. Em 17 de novembro, último dia do feriadão da Proclamação da República, Antunes dormiu a tarde inteira. Por volta das sete da noite, sem avisar ninguém, partiu para a Rodoviária do Rio de Janeiro. Saiu de lá às três da manhã. ?Só assim sei realmente o que está acontecendo?, afirma. ?Engraçado é ver a cara de espanto dos funcionários.? Outras vezes, ele troca o jatinho particular pela poltrona de um ônibus da 1001 para fazer o trajeto entre Niterói e São Paulo. Das viagens, surgem listas de problemas a serem corrigidos ? da posição da televisão a ruídos que só ele percebe. ?Certa vez, a relação tinha 40 itens?, orgulha-se. Nessas ocasiões, o avião se transforma em empresa e é alugado para
gente famosa, como o jogador Romário. ?É meu passageiro preferido desde que começou a fazer gols para o meu Fluminense?, diz ele, tricolor numa família de tricolores.

Antunes adora ônibus, pois sempre viveu neles. Nascido em Itaboraí, Rio de Janeiro, perdeu a mãe aos 12 anos e foi trabalhar como cobrador em uma empresa de transporte de passageiros para ajudar na criação dos 12 irmãos. Aprendeu tudo sobre o setor. Anos depois, com 15 contos comprou meio ônibus com o irmão. Era um carro velho, cheio de defeitos. Nas mãos de Antunes, nunca parou. Uma caixa de ferramentas era sua companheira inseparável. ?Caso quebrasse, eu resolvia na hora?, conta. ?O segredo do negócio é saber lidar com o motorista e consertar ônibus.? Sua trajetória é semelhante a de outros desbravadores do setor de transporte, como Constantino de Oliveira. O visual, porém, já não lembra em nada os colegas, adeptos de um estilo despojado de falar e vestir. Ele, não. O cabelo e o bigode são cuidadosamente cortados e penteados e, juntamente com o leve bronzeado da pele, tornam suas feições semelhantes ao do empresário Roberto Marinho, da Rede Globo. O guarda-roupa também é escolhido com esmero. Antunes dá preferência aos
ternos risca-de-giz, em geral com listras finíssimas. Um prendedor
de ouro segura a gravata à camisa e disputa, em brilho, com o
Rolex que carrega no pulso.

 

O que Antunes não abandonou foi o faro para bons negócios adquirido em Macaé, quando comprou seu primeiro ônibus. Lá, ele era motorista, cobrador e mecânico e aprendeu a respeitar os clientes. Desacostumados a andar em veículos fechados, os passageiros enjoavam. A sabedoria popular dizia que gotas de limão e mascar palitos evitavam enjôos. Antunes passou a distribuí-los aos clientes. Como fazia de tudo, o dinheiro arrecado ia para o pé-de-meia. ?Só pagava alguém para dirigir quando eu queria namorar?, conta ele. Assim, o ônibus de Macaé foi o embrião do grupo. ?Podia continuar por lá, mas aquilo era pequeno para minha cabeça?, afirma. Vendeu tudo e voltou para o Rio. Lá comprou uma empresa em dificuldades e a recuperou. Repetiu a receita diversas vezes, até se tornar o maior dono de ônibus urbanos do Estado do Rio. Na década de 70, mudou tudo. ?Resolvi só trabalhar com ônibus rodoviários?, conta. ?Os urbanos têm muita ingerência política.?

Foi uma transição que consumiu anos. Quando parecia encerrada, Antunes arrematou a Cometa ? e mergulhou no negócio das barcas. Para construí-las, Amaury de Andrade, genro de Antunes e presidente da Barcas S/A, convenceu o estaleiro italiano Rodriquez Cantieri Navale a instalar uma filial no Brasil. ?Serão gerados de 400 a 500 postos de trabalho?, comemora Andrade. ?Alguns profissionais estão sendo treinados na Itália.? Dentro de três anos, o percurso entre Niterói e o Rio estará reduzido à metade e o número de passageiros dobrará para 150 mil por dia. O projeto dos novos terminais foi entregue a Oscar Niemeyer. É o mergulho, em grande estilo, do rei das estradas no negócio de embarcações.