A cidade de Santos, no litoral de São Paulo, viveu um misto de euforia e decepção em pouco mais de uma década, a partir de 2006, por conta do boom imobiliário provocado pela descoberta de petróleo na camada pré-sal da Bacia de Santos e anúncios de investimentos da Petrobras na cidade. Os preços dos imóveis inflacionaram (chegou a R$ 12 mil o valor do metro quadrado, mais que o dobro do índice do ano passado), mas o tamanho da demanda esperada para tanta oferta não se confirmou. Se a maior parte das construtoras sofreu com essa realidade, uma delas não sentiu o impacto com imóveis encalhados. Pelo contrário. Seguiu crescendo.

Uma das companhias mais tradicionais da Baixada Santista, o grupo Mendes é um conglomerado – com shoppings, hotéis, rádio, prédio com 400 salas comerciais, centro de convenções e que tem a construtora Miramar como carro-chefe – criado em 1974 e que tem enfrentado com mérito uma das situações mais delicadas para toda corporação: a passagem de bastão do fundador. O grupo esteve nas mãos, durante mais de 40 anos, do empresário português Armênio Mendes, que veio adolescente para o Brasil, fez obras importantes – e fortuna na região – e morreu de câncer em outubro de 2017. Assim que descobriu a doença, ele acelerou o processo de sucessão e indicou seu filho mais velho, Paulo Mendes, para assumir a presidência da holding.

Paulo, que ingressou no grupo Mendes aos 15 anos como conferente de cartões de estacionamento do antigo shopping do pai, não revela o faturamento, mas diz que serão investidos R$ 1,2 bilhão nos próximos quatro anos, incluindo a construção de um shopping na Praia Grande, que custará R$ 300 milhões. O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) nos últimos três anos aumentou 25% e a expectativa de crescimento em volume de vendas em 2020 gira em torno de 40%, parecido com o patamar registrado no ano passado.

Somente em land bank (estoque de terrenos para possíveis oportunidades de incorporações), são R$ 2,8 bilhões. “Muitos se ancoraram na vinda dos escritórios da Petrobras para a cidade, que, de três torres, ergueu apenas uma. Nossos investimentos sempre foram com perspectiva de longo prazo”, diz Paulo Mendes.

Com estilo bem diferente ao do pai, mais discreto e avesso à presença em eventos sociais, Paulo enxergou um caminho – com base em uma lei municipal – para aumentar o ritmo das construções, que foi uma espécie de PPP (parceria público-privada) com a Prefeitura de Santos. Assim, substituiu a compensação financeira que deveria ser repassada aos cofres municipais, por conta da construção de um empreendimento residencial, em novos equipamentos públicos. O valor da compensação foi de R$ 43,8 milhões, revertidos em obras no sistema viário do bairro Ponta da Praia, que dá acesso ao Guarujá, construção de um deck e a entrega de uma escola municipal, concluída em fevereiro, com 3,7 mil metros quadrados de área construída, capacidade para atender 550 crianças e que sozinha custou R$ 18 milhões. Em vez de o dinheiro entrar em cash nos cofres da Prefeitura, que poderia se perder no montante das despesas do poder público, efetivamente converteu-se em benefícios. “Entregamos uma escola que não perde, em termos de equipamentos, para nenhuma unidade de ensino privada do Brasil. Isso mostra nossa retribuição e respeito pela cidade que acolheu meu pai”, afirma o presidente do grupo Mendes.

Ainda assim, com o volume de recursos empregado na compensação, os números do Residencial Navegantes, que será lançado no segundo semestre, impressionam e devem alavancar a receita do grupo Mendes nos próximos oito anos, prazo de entrega das quatro torres. Com 1.076 unidades, o maior empreendimento realizado pela construtora, com 280 mil metros quadrados de área construída, o Valor Geral de Venda (VGV), que é o potencial que pode gerar na comercialização dos imóveis, gira em torno de R$ 1,3 bilhão.

O conjunto será erguido em parte de áreas que já pertenceram a tradicionais clubes de regatas de Santos. Quase que nos mesmos moldes da PPP, mas em uma relação privado-privado, e ainda na gestão de Armênio, a construtora fez uma permuta pelos terrenos, e construiu, em uma parte da área, novas sedes para os clubes, que vinham em decadência. “A preocupação do meu pai era agregar valor para a nossa empresa e para o vendedor, como foi o caso dos clubes”, diz.

Gabriel Reis

O modelo de parcerias tem sido um pilar nos negócios. Paulo Mendes aderiu a outra com o poder público municipal: para poder modificar o uso da área onde hoje ainda funciona o Mendes Convention Center, único centro de convenções privado de Santos, e transformar o local em espaço para grandes lojas – já estão confirmadas Cobasi, Decathlon, Leroy Merlin e a rede de cinemas Cinépolis –, o grupo topou construir um novo centro de convenções, que passará a ser público, e também a erguer um prédio mais moderno para instalar o tradicional mercado de peixes da cidade. Os dois empreendimentos custaram ao grupo privado mais R$ 65 milhões (R$ 60 milhões no centro de convenções e R$ 5 milhões no mercado de peixes). Nesse caso, não havia valor fixado. Em fase final de construção, o espaço para comercialização de pescados, de 1,7 mil metros quadrados, fica pronto no início de abril. O novo centro de convenções, de 29 mil metros quadrados, até julho.

As ideias, e obras, são ambiciosas e objetivas. Resta só a dúvida se um novo efeito “pré-sal” – leia-se coronavírus e alta do dólar – pode ser capaz de impedir a evolução do império da família de origem portuguesa que ganhou a vida no litoral paulista. Paulo Mendes aposta que não.