As deslumbrantes vistas da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, são um convite à reflexão. Afinal, a morada do famoso morro do Pão de Açúcar “excede em sua magnificência”, como afirmou o cientista Charles Darwin, pai da teoria da evolução, que visitou o local em 1832. Pode até ser coincidência, mas foi logo depois de instalar ali um centro de pesquisas global, inaugurado em 2014, com R$ 1 bilhão em investimentos, que o grupo americano GE, um dos maiores conglomerados industriais do planeta, dono de um faturamento de mais de US$ 120 bilhões no ano passado, percebeu que dispunha de um verdadeiro tesouro em suas mãos.

“Nós temos, espalhados pelo mundo, mais de US$ 2 trilhões em ativos, desde turbinas até equipamentos médicos”, afirma Rafael Santana, presidente da GE na América Latina. Cada um desses ativos oferece uma quantidade enorme de informação, por meio de sensores e softwares. As turbinas de um avião, por exemplo, geram mais de um terabyte de dados em um único voo doméstico. “Informação é riqueza”, diz Santana. “E a eficiência é o que vai garantir o futuro das empresas, diante das transformações tecnológicas.” Trata-se de uma constatação importante, que está mudando os rumos da estratégia da companhia no Brasil e no mundo. A começar pela atuação do seu centro de pesquisas no País.

Desde que anunciou os investimentos no centro, localizado na Ilha do Fundão, mesmo endereço da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a GE enfrentou momentos de incerteza, especialmente em virtude da derrocada da indústria do petróleo. Inicialmente, o empreendimento tinha como principal função prover o setor petroleiro com pesquisas de longo prazo, voltadas para a exploração offshore, em águas profundas, como no pré-sal brasileiro. “Estamos mudando esse modelo, para dar mais ênfase a pesquisas focadas nos negócios dos nossos clientes, com resultados rápidos”, afirma Rafael Aymone, líder do centro de pesquisas, que é um dos cinco empreendimentos do tipo construídos pela GE no mundo.

A intenção de investir R$ 1 bilhão no local até 2020 continua. Mas a meta, agora, é de obter o retorno desse investimento no curto prazo e, para isso, a empresa está lançando um “acelerador de produtividade”. Trata-se de uma espécie de fundo de investimentos, com R$ 100 milhões em recursos, que vai apoiar iniciativas que contribuam para o aumento da eficiência na indústria brasileira. O modelo de funcionamento desse acelerador será o de coparticipação. A GE fará aportes nos projetos de interesse dos clientes, que complementarão o investimento nas pesquisas – desenvolvida a tecnologia, a GE se transforma em fornecedora.

Mar de informações: turbina de avião é reparada em oficina da GE em petrópolis (RJ). Em um voo doméstico, esses equipamentos geram mais de 1 terabyte de dados (Crédito: Alaor Filho/Agencia Estado/Ae)

O objetivo é criar soluções como a do Trip Optimizer, sistema de controle logístico desenvolvido no centro da Ilha do Fundão, em parceria com a mineradora brasileira Vale. O programa calcula de forma inteligente a necessidade de aceleração e frenagem das locomotivas da empresa, levando em consideração fatores internos, como as características da ferrovia e do trem; e externos, como bloqueios na linha férrea. Utilizado na Estrada de Ferro Carajás, que tem 892 quilômetros de extensão, o Trip Optimizer gerou uma economia de 3,65% em combustível, o que não é pouco, considerando que esse componente representa 70% dos custos da operação ferroviária da Vale.

Quem também tirou proveito dessa parceria foi a Gerdau. A siderúrgica precisava reduzir os custos de manutenção em suas usinas. Por meio de sensores, ela criou, junto com a GE, cópias digitais de seus maquinários, que permitem a identificação de falhas, antes de elas acontecerem no meio físico. Já no projeto piloto, foram identificadas duas falhas, o que permitiu uma economia de R$ 5 milhões, exatamente o valor investido nas pesquisas. A Gerdau decidiu colocar mais R$ 70 milhões no projeto, expandindo-o para suas 11 unidades e mais de mil equipamentos.

A questão da eficiência é um desafio global, segundo Santana. O executivo afirma que, entre 1990 e 2010, a produtividade industrial global cresceu, em média, 4%. Desde então, no entanto, essa taxa caiu para cerca de 1%. No Brasil, a situação é ainda pior. Segundo dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), no período que vai de 2002 a 2012, a produtividade média brasileira cresceu apenas 0,6% ao ano. Diante dessa realidade, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços planeja lançar, em outubro, um plano nacional voltado à chamada “indústria 4.0”. Essa tendência, também apelidada de “a quarta revolução industrial”, propõe a adoção, no chão de fábrica, de novas formas de comunicação, calcadas na digitalização da produção e no amplo processamento das informações captadas por sensores instalados nos equipamentos.

O anúncio foi feito em meados de junho, durante um evento da CNI que contou com a participação do escritor britânico Peter Marsh, autor do conceituado livro The New Industrial Revolution: Consumers, Globalisation and the End of Mass Production (A Nova Revolução Industrial: Consumidores, Globalização e o fim da Produção em Massa). Segundo Marsh, avanços nas áreas de eletrônica, biotecnologia e comunicação vão levar a uma era de “customização em massa”, na qual cada produto será produzido sob medida para os clientes. Na visão da GE, essa tendência já se reflete em setores como os de transporte (vide o caso do Uber) e hotelaria (Airbnb). Mas é também uma realidade na indústria.

Em fase de transição: Jeff Immelt, CEO da GE desde 2001, deixará o cargo. Ele foi o sucessor do lendário Jack Welch e comandou importantes mudanças na empresa (Crédito:AFP Photo / Saul Loeb)

“Todo tipo de empresa dispõe de uma enormidade de dados, que seus gestores consideram de muito valor”, afirma Colin Parris, vice-presidente de pesquisas de software da GE. “O problema é que, na verdade, elas só passam a ter valor quando são utilizadas de forma inteligente.” Ou seja, a utilidade dos dados não é intrínseca. Por esse motivo, a GE quer incentivar seus clientes a compartilharem com ela essas informações, de modo que seus pesquisadores possam adicionar a inteligência, criando soluções eficientes, mesmo que, para isso, ela mesma tenha de colocar algum dinheiro nas pesquisas – daí a ideia do acelerador de produtividade. Atualmente, o centro de pesquisas da Ilha do Fundão conta com 120 funcionários.

MUDANÇA GLOBAL Há um contexto maior envolvendo essa transformação. Em junho, a GE anunciou a troca de comando global. O atual CEO, Jeff Immelt, sucessor do lendário Jack Welch, dará lugar a John Flannery, um veterano com 30 anos de casa e que passou boa parte de sua carreira na divisão financeira do grupo. “Eu sinto que 16 anos como CEO é bastante tempo”, afirmou Immelt. Apesar da postura serena do executivo, a mudança acontece no momento em que a empresa enfrenta pressão de investidores, em especial do fundo americano Trian Fund Management, que fez, em 2015, uma aposta de US$ 2,5 bilhões na companhia.

Immelt foi habilidoso na sucessão a Welch, em um momento em que a empresa abandonva sua área financeira, que respondia por metade dos lucros em 2001, para se concentrar no setor industrial. Mas os resultados obtidos por ele ficaram abaixo da expectativa. O lucro de US$ 8,5 bilhões, o equivalente a US$ 0,89 por ação, obtido no ano passado, ainda está distante dos US$ 2 por ação projetados para 2018. No início de julho, o banco J.P. Morgan reduziu para US$ 22 o preço alvo da ação da GE, ante um patamar de US$ 27 naquela semana. Segundo o analista Stephen Tusa, isso reflete uma percepção de indefinição na narrativa da empresa.

“Não vemos uma solução rápida para o dilema”, disse Tusa, em relatório. Agora, caberá a Flannery liderar essa passagem para a indústria 4.0. E ele já prometeu uma revisão ampla nos negócios, “com senso de urgência.” Para Rafael Santana, o comandante na América Latina, a capacidade de mudar de rumo é uma característica da GE. “Nós atuamos em quatro áreas: transportes, óleo e gás, energia e saúde”, diz o executivo. “É preciso saber quando dar mais ênfase em uma, e quando dar mais ênfase em outra.” Neste momento, o foco está em tentar resolver os problemas de produtividade do Brasil e do mundo. E gerar resultado rapidamente.