Quando olhamos o Brasil de fora, temos a impressão de estarmos observando uma peça de ficção, pois notamos uma criatividade exacerbada em todas as direções, inclusive onde a frieza da matemática deveria imperar, como na economia. Um dos maiores debates se dá sobre a sustentabilidade das contas públicas no curto, médio e longo prazo, o que chamamos de risco fiscal.

A situação fiscal condiciona fatores como inflação, taxa de juros e o crescimento do PIB. Políticas públicas que requerem investimento do governo em áreas essenciais como infraestrutura, saúde e educação são prejudicadas quando o governo opta por gastar mais do que o previsto no orçamento e em atividades que não geram retornos sociais amplos, mas que beneficiam grupos que fazem parte de uma coalizão que envolve empresários poderosos, parlamentares e partidos políticos.

Até aí, não há nada de novo. Políticos querem ser eleitos e depois reeleitos, e empresários querem benesses do governo em forma de transferências diretas de dinheiro, isenções fiscais, acesso privilegiado a financiamento e proteção contra competição. Entretanto, essas demandas concorrem com pleitos sociais legítimos. Trocando em miúdos, concorrem com o Auxílio Brasil de R$ 600, não incluído no Orçamento de 2023, além de outros programas de transferências de renda e emendas parlamentares. Cálculos do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas mostram que a conta pode passar dos R$ 435 bilhões, ou 4,2% do PIB. Em termos comparativos, o governo federal tem orçado cerca de R$ 130 bilhões por ano para educação e R$ 160 bilhões para a saúde.

Entretanto, a farra fiscal não para por aí. Também existe uma enormidade de gastos públicos que não são considerados gastos, e burlam a Lei da Responsabilidade Fiscal e a âncora fiscal do governo que é composta por três fatores — o teto de gastos, a regra de ouro e o superávit primário.

Esses gastos invisíveis a olho nu, e muito pouco falados entre a população, mas tão tangíveis quanto R$ 440 bilhões ou cerca de 4,4% do PIB, são parte da estrutura das renúncias fiscais do governo, e que poderiam adicionar 22% na arrecadação da União todos os anos, como observado no estudo feito pela professora Rosa Chieza e pela estudante Anne Kelly Linck, da UFRGS. O mais intrigante, segundo Chieza, é que os dados são tão opacos que fica praticamente impossível monitorar os beneficiários e avaliar periodicamente se ainda faz sentido manter esses programas ativos.

Portanto, o mercado está correto em se preocupar com a economia brasileira de 2023 para frente, pois o cenário fiscal é tenebroso além de incerto — e o déficit primário projetado na LDO, de R$ 63,7 bilhões, pode se tornar um abismo de R$ 500 bilhões ou cerca de 6% do PIB. Se somarmos esses gastos de R$ 435 bilhões, não incluídos no orçamento, com as renúncias fiscais de R$ 440 bilhões, que juntos somam R$ 875 bilhões, temos cerca de 10% do PIB.

Vale notar que o Brasil teve uma média de crescimento de 1,5% por ano nas últimas quatro décadas, enquanto o mundo cresceu em média 3%. Os emergentes, excluindo o Brasil, cresceram o dobro, 6%. Podemos afirmar que os maiores entraves ao crescimento do país estão incrustados na baixa produtividade. Em especial, a baixíssima produtividade do trabalho, que não tem crescimento real desde os anos 60. Pagamos cada vez mais pelo trabalho, pois o salário-mínimo cresceu muito mais do que o PIB nos últimos 20 anos, mas a qualidade desse trabalho está estagnada.

O segundo entrave ao crescimento está na nossa infraestrutura, pois praticamente nada funciona de maneira adequada para uma economia moderna, ou que deseja se modernizar, e nos faz refém de modais de transporte altamente ineficientes em um país continental. No Brasil, o rabo abana o cachorro, porque não temos prioridades que extrapolam os curtíssimos ciclos políticos e eleitorais. Nossas prioridades são de governo e não de Estado.

Eis aí o nosso grande déficit institucional que nos aprisiona na Armadilha da Renda-Média. O problema não é falta de dinheiro, pois flertamos de forma flagrante com gastos e renúncias fiscais da ordem de 10% do PIB. O Brasil chegou a uma encruzilhada na qual devemos tomar uma decisão fundamental: ou reduzimos muito atividades de caça aos lucros ou estaremos condenados a continuar na mesmice que já dura décadas.

Essa dinâmica econômica e política sustenta uma economia obsoleta e retrógrada, que olha para seu umbigo e o acha lindo, mas falha em elevar a qualidade de vida de seus cidadãos e sua competitividade internacional. Enquanto isso, concentra riqueza nas mãos de setores e indivíduos pouco produtivos que utilizam parte dessa mesma riqueza para cooptar governo e parlamentares com a finalidade de manter vivo esse ciclo nefasto. Está na hora de o cachorro passar a abanar o seu próprio rabo!

Vandyck Silveira é economista e cofundador da EducPay