No comando da principal potência europeia há doze anos, a chanceler alemã Angela Merkel sentiu, no domingo 24 de setembro, o gosto mais amargo que uma vitória pode causar – e que deve se estender ao longo dos próximos quatro anos. Embora tenha vencido as eleições para comandar o país por mais um mandato, o cenário para Merkel é nebuloso. De um lado, a insatisfação de parte da população com as políticas pró-refugiados e pró-União Europeia (UE) fizeram com que, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, uma sigla de extrema-direita chegasse ao Parlamento: o Alternativa para a Alemanha (AfD) tornou-se o terceiro partido em número de assentos em Bundestag. Do outro lado, o Partido Social Democrata (SPD), segundo maior no Parlamento e, até então, coalizão do governo, sofreu a pior derrota de sua história. Como resposta, anunciou que será oposição à chanceler a partir do novo mandato. “O partido entra em nova temporada. Vamos confrontar o governo de maneira construtiva”, disse Martin Schulz, líder do SDP.

Rodeada de más notícias, o cenário mais realista para o mandato de Merkel é a coalizão “Jamaica” (em alusão às cores dos partidos, verde, preta e amarela), formada por CDU/CSU, os liberais-democratas FDP e os de centro-esquerda, Partido Verde. Juntos, eles detêm 52,6% das cadeiras, o que formaria a maioria no Parlamento, mesmo que estreita . O grande entrave, porém, está nas diferenças, nas visões opostas em temas importantes. Há posições irreconciliáveis, por exemplo, sobre imigração e meio-ambiente. Além disso, o FDP é eurocético e tem duras críticas à Zona do Euro, o que pode dificultar o papel da Alemanha no redesenho do bloco.

Mesmo com as dificuldades, as negociações para que a coalizão seja formada já tiveram início. Na quinta 28, Wolfgang Schäuble, o mais poderoso defensor da retidão fiscal do euro, deixará o cargo de ministro de Finanças da Alemanha. Schäuble, que é do CDU, será nomeado presidente do Bundestag, o Parlamento alemão. Para o próximo mandato, o cargo de ministro das finanças deverá ficar com alguém do FDP. Domesticamente, os impactos econômicos esperados não serão grandes. Uma análise enviada com exclusividade à DINHEIRO pela multinacional francesa Coface, seguradora de crédito especializada em riscos globais, indica que, embora difícil, a coalizão não deverá desestabilizar a economia do país.

Nova Europa: em discurso na Universidade Sorbonne, Emmanuel Macron pede apoio da Alemanha para mudar o bloco (Crédito:AFP Photo / Ludovic Marin)

A previsão de crescimento do PIB para 2017 ficou mantida em 1,6% e o risco do país em A1, ou seja, classificado como muito baixo. “Merkel não pode perder de vista que os conservadores serão capazes de recuperar as perdas maciças nas eleições”, diz Mario Jung, economista da Coface e autor da análise, à DINHEIRO. “Mas não é tão provável que haverá uma competição entre o AfD e os conservadores em uma política fortemente nacionalista. Os partidos tomarão uma posição forte contra as visões extremistas.” O problema, porém, ronda o futuro da União Europeia. Vista como uma das peças-chave para a estabilidade socioeconômica do bloco, Angela Merkel tem como legado o aumento da influência econômica da Alemanha, ao ter impedido o colapso econômico de países profundamente impactados com a crise de 2008, como a Grécia, Itália e Espanha.

Atualmente, o PIB alemão soma U$ 3,5 trilhões, bem acima do da Grã-Bretanha, que totaliza US$ 2,6 trilhões e do da França, de US$ 2,5 trilhões. Com a agridoce vitória para o próximo mandato, sua força política para avançar no urgente redesenho do bloco europeu, que ainda depende de sua contribuição econômica, passa a ser questionada. A incerteza surge bem na hora em que a Alemanha pode ocupar o vácuo deixado pelo Reino Unido com o efeito Brexit, e se tornar o novo centro financeiro do continente. Para contornar essas incertezas, na última semana, Emmanuel Macron lotou o auditório da tradicional Universidade Sorbonne, em Paris, e endossou o discurso sobre os possíveis remédios para a UE, assim como reafirmou a importância da chanceler alemã para colocar os planos em vigor.

Como um dos principais motivos do sentimento antieuropeu partiu da austeridade fiscal proposta pela Alemanha, o presidente sugeriu dar um único ministro das Finanças aos 19 países da Zona do Euro, bem como criar um orçamento comum e redesenhar um novo modelo de parlamento – independentemente da legislatura transnacional da UE, cujos 750 assentos são preenchidos por representantes dos países membros do bloco. Além disso, propôs a criação de uma agência europeia que decida quantos migrantes podem ser acolhidos, uma promotoria antiterrorismo e um maior intercâmbio entre os países europeus. “O que Macron está propondo é chamado por teóricos de Newgotiation, que é uma mudança de paradigma nas negociações. Estamos entrando no mundo da transparência, da cognição e da economia positiva”, diz Yann Duzert, professor de negociação e resolução de conflitos da FGV.