A vida infelizmente nos impõe fatalidades das quais nem homens e muito menos empresas estão livres. Por mais que tenhamos leis, normas, condutas, treinamentos e procedimentos, as decisões são realizadas por seres humanos, suscetíveis a erros, principalmente, quando colocados à prova por circunstâncias além das previstas.

Por mais que os padrões, normas e condutas estabelecidas para uma empresa que lida com gente sejam escritos com boas intenções, existe um elemento que ainda é fundamental para que a operação tenha resultado: o fator humano. O que é uma máquina registradora de um supermercado sem o operador, sem o atendimento? A maior parte das atividades de uma sociedade – dos negócios ao hospitais, do esporte à ciência – está intrinsecamente relacionada ao contato humano. E aí entram as idiossincrasias de cada um. Não importa o nível de treinamento, escolaridade e consciência de seus deveres, os indivíduos são passíveis de serem movidos pelo ódio, pelo preconceito, pela violência e pela desumanização – ou o resumo de tudo isso: pelo racismo, principalmente quando ele é estrutural em uma sociedade.

Quando esses sentimentos expõem suas vísceras, a contraposição se faz com indignação, potencializada por um sentimento cotidiano, nos dias atuais, que é o senso de justiça cada vez mais presente em nós que vivenciamos tempos de extremas injustiças. O que nos leva muitas vezes a querermos fazer justiça com  as próprias mãos, nos leva à cegueira sobre o que realmente deve ser feito: responsabilizar de fato os verdadeiros culpados, focar no problema e encontrar uma solução.

É obvio que a reincidência de casos parecidos como o que ocorreu em Porto Alegre mostra uma falha gravíssima na área de segurança do Carrefour. A rede deve assumir a responsabilidade – como o fez -, procurar os culpados e puni-los. Também deve ir além e tomar medidas exemplares para que nunca mais ocorra tamanha tragédia. Mas vale perguntar: o que vem depois disso? Continuar hostilizando os 80 mil funcionários da rede chamando-os de racistas que espancam e estrangulam pessoas até a morte? Será que os mais de 20 mil funcionários que se autodeclaram negros e negras na empresa também agiriam como aqueles seguranças, como muitas vezes se figurou nas redes sociais?

As justas manifestações de indignação, que tomaram conta do país de norte a sul, deveriam ser acompanhadas de uma carta de reivindicação pressionando a empresa a rever radicalmente sua linha de atuação com os consumidores. Foi assim nos Estados Unidos de George Floyd. A luta por uma sociedade mais justa se faz com manifestações, protestos e proposições. É assim que a humanidade tem vencido as barbáries, as guerras e seguido sua evolução.

Após o fatídico episódio, várias ações foram anunciadas pela empresa, entre as quais a iniciativa de tolerância zero para casos de discriminação e racismo, além da criação de um fundo de 25 milhões de reais para subsidiar ações de combate ao racismo. Se todos os pontos forem levados à frente, a empresa poderá se tornar a companhia que mais investirá na luta antirracista nos próximos anos, se tornando uma referência no mundo. É esse que deve ser o foco das atenções – a fiscalização de negros e brancos agora -, pois esse pode ser o farol do posicionamento de todo o mundo corporativo no Brasil. Ou podemos ficar protestando, xingando, sem propor e cobrar nada! Eu opto pela primeira opção.