Os cargos de chefia do Executivo das maiores administrações nas três instâncias de governo do País são hoje ocupados por vices. O vencedor das eleições de 2018 receberá a faixa presidencial do emedebista Michel Temer, que ascendeu ao Palácio do Planalto após o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Os moradores da cidade de São Paulo, a maior metrópole nacional, terão ainda pouco mais de dois anos sob a gestão de Bruno Covas (PSDB), sucessor do tucano João Doria, que barganha uma vaga no governo paulista neste ano. Ele disputará o posto com Márcio França (PSB), alçado governador do Estado de São Paulo após a saída de Geraldo Alckmin (PSDB) para a corrida presidencial. O próprio Alckmin ascendera ao cargo mais alto da gestão pública estadual pela primeira vez ao assumir um mandato interrompido, com a morte de Mário Covas, em 2001.

A máxima jocosa que aponta para a função decorativa do vice é colocada em xeque pela história recente, contrariando os manuais da teoria política. Em pouco mais de 30 anos do período democrático, três vice-presidentes assumiram o cargo definitivamente: José Sarney, em 1985; Itamar Franco, em 1992; e Michel Temer, em 2016. Neste ano, a maior parte dos presidenciáveis enfrentou dificuldades para encontrar um nome ideal na composição da chapa, muitos deles confirmados às vésperas do prazo-limite para a oficialização, na segunda-feira 6. A definição envolve uma série de cálculos políticos e nem sempre significa um alinhamento de ideias nos mais variados campos, como mostra o exemplo recente de Temer. Ao menos na economia, seu governo vem sendo marcado por medidas distantes aos ideais do PT e da sua antecessora. O partido que ontem era aliado de Temer agora fala em revogar projetos aprovados na atual gestão, como a reforma trabalhista.

Plano B: na convenção do PT, Fernando Haddad foi anunciado como o vice na campanha de Lula. O ex-prefeito da capital paulista deve se tornar o cabeça de chapa no lugar do ex-presidente preso e Manuela D’Ávila (PCdoB) subirá à posição de candidata à vice-presidência (Crédito:Marcelo Chello/CJPress)

A escolha do vice antigamente era feita por voto. Desde a redemocratização, a composição passou a ser parte da própria chapa presidencial. Se por um lado, a mudança diminuiu o trauma de divergências flagrantes vividas no passado, também contribuiu para tirar do eleitor uma atenção sobre o tema, uma vez que não há campanha específica. Numa eleição fragmentada como atual, porém, a escolha do segundo nome vem ganhando mais atenção, a começar pelo alto número de recusas e a dificuldade de fechar com os pretendentes. “Geralmente, o mercado não olha para o vice, mas desta vez teve, sim, uma leitura, para entender como pode agregar nesse momento em termos de puxar votos”, afirma Marcio Bismarchi, sócio da TAG Investimentos. Ele prevê um período de forte volatilidade nos mercados nos próximos meses com o desempenho dos nomes nas pesquisas de intenção de votos.

Com as definições oficializadas, DINHEIRO perguntou aos principais candidatos a vice-presidente a posição deles sobre temas econômicos e o papel que cumprirão na chapa. “A ideia é que o vice não sirva apenas para ausências ou de modo decorativo, mas seja uma espécie de primeiro-ministro, um copiloto que dê mais segurança ao País”, afirma Paulo Rabello de Castro (PSC), vice de Alvaro Dias (Podemos). “É uma figura cara se não tiver trabalhando todos os dias.” A proposta de ambos é de uma redefinição do cargo, para algo equivalente a um diretor de operações numa empresa, que seria responsável pela avaliação do plano de metas. O documento foi elaborado quando o economista ainda era candidato à Presidência e recebeu o endosso de Dias na aliança. “Se acontecer uma dor de barriga, há uma segurança absoluta de que o que foi votado é o plano de metas.” Nele, estão registrados vinte itens, que incluem medidas como zerar o déficit público até 2022, dobrar o investimento em infraestrutura e eliminar sete tributos, entre outros.

Por mais que o discurso oficial seja de coerência programática, as declarações dos candidatos deixam escapar como a questão é complexa. Ciro Gomes (PDT) buscou se afastar das falas de sua vice, Kátia Abreu, sobre os temas de aborto e porte de armas. “São posições diferentes, claro”, afirmou o presidenciável na quarta-feira 8. “Qual vice pensa igual ao titular na história do Brasil?” Apesar do episódio, a senadora garantiu à DINHEIRO que há convergência nos assuntos econômicos. Ela reforçou, por exemplo, a importância de reduzir as desonerações fiscais, de passar a tributar dividendos e acrescentou a ideia de melhorar a cobrança da dívida ativa (de contribuintes que estão inadimplentes com o Fisco). Também diz concordar com o sistema de previdência por capitalização apresentado pelos assessores econômicos do Ciro, além das privatizações, com ressalvas. “Tem de haver privatização, mas não de tudo, nem só por conta do rombo fiscal, mas pelo princípio da boa gestão e da boa prestação de serviços”, afirma a senadora. “Já a Eletrobras, eu tenho dúvidas.”

A desconfiança sobre o alinhamento ideológico da senadora com o Partido Democrático Trabalhista pode ser explicada pelo seu passado. Ela já foi filiada ao DEM e, por anos, comandou a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), duas instituições que se encontram no espectro mais conservador de ideais. Sua escolha foi interpretada pelos analistas como uma solução caseira diante das dificuldades de Ciro com as alianças. O mesmo drama também foi sentido por Jair Bolsonaro (PSL), que teve de lidar com três recusas ao cargo. As respostas negativas transpareceram as fraquezas do deputado nas costuras políticas e acenderam uma luz amarela no mercado. Os investidores desconfiam da real capacidade do militar em conquistar o apoio para aprovar as reformas no Congresso, se eleito.

O selecionado para o vice de Bolsonaro foi o general Hamilton Mourão (PRTB), com perfil muito semelhante ao do presidenciável. “O general não agrega em nada, nenhuma ideia nova ou princípio”, afirma Eduardo Grin, cientista político da FGV. “Além disso, o Bolsonaro já tinha flertado com tanta gente, o que demonstra como a campanha está mal.” As primeiras declarações públicas de Mourão foram mal recebidas. Ele, que, em setembro de 2017 defendeu uma intervenção militar caso as instituições não resolvessem o problema político relacionado à denúncia de corrupção contra o presidente Temer, criticou índios e associou a cultura da malandragem do brasileiro às origens africanas. Questionado por DINHEIRO sobre temas econômicos, Mourão repetiu a resposta frequente de Bolsonaro, de que o assunto está sendo tratado por assessores capacitados, mas defendeu privatizações e a reforma da Previdência. “Primeiro devemos buscar uma perfeita racionalização dos gastos e depois as reformas capazes de desapertar o orçamento”, afirmou o vice.

Ao contrário do general, a escolha do aliado de Marina Silva foi interpretada como neutra pelos analistas políticos. Eduardo Jorge (PV) foi candidato à Presidência em 2014. Ele se classifica como um vice discreto e leal. Avalia ainda como muito coerente a composição de sua chapa. “É uma união que fortalece o movimento ambientalista, temos os mesmos ideais”, afirma Jorge. Em relação aos oponentes, ele critica, sem citar nomes, as coligações. “No Brasil, elas sempre são eleitoreiras. É um candidato do Sul com um vice do Nordeste, outro que busca um representante do agronegócio… Quando chega a hora H, o vice ou faz gol contra ou fica no banco querendo entrar e jogar. Esses são um perigo.”

Decorativo?: três vices-presidentes assumiram o comando do País nos últimos 33 anos. Da esquerda para a direita: José Sarney, que foi empossado após a morte de Tancredo Neves, em 1985; Fernando Collor foi sucedido, em 1992, por Itamar Franco, que implementou o Plano Real; Michel Temer aprovou uma agenda de reformas fiscais após o impeachment de Dilma Rousseff , em 2016

O candidato tem discutido com a equipe de Marina temas como privatizações, teto dos gastos, autonomia do Banco Central, entre outras questões cruciais para o País. Mas é a Reforma da Previdência o assunto em que tem maior propriedade na seara econômica. Ele foi o primeiro autor de uma revisão das aposentadorias, ainda no início da década de 90, quando era deputado federal e apresentou uma proposta que equiparava todas as categorias. Na época, diz Jorge, a regra de transição teria sido muito mais suave. Hoje, entretanto, a reforma é muito mais necessária e a transição dramática. “A reforma é necessária do ponto de vista do orçamento e também devido a questões de justiça, de equiparar todos, e demográfica. As pessoas estão vivendo mais.”

O movimento avaliado como mais estratégico na composição para vice foi o de Geraldo Alckmin. A senadora Ana Amélia (PP) pode estancar o crescimento do Bolsonaro, seu principal adversário, entre integrantes do agronegócio. Também há um componente regional. “O Alckmin perdeu votos no Sudeste e no Sul”, afirma a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria. “A Ana Amélia pode ajudar a recuperar.” Procurada para comentar temas econômicos, a senadora respondeu, por meio da assessoria, que as perguntas dizem respeito ao plano de governo e que cabe a Alckmin respondê-las. Em seus discursos no Senado, a parlamentar, que atuou como jornalista na maior parte de sua carreira, já sugeriu a necessidade de uma descentralização dos recursos da União. Ela também defendeu medidas ao agronegócio e votou a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Ana Amélia é contrária a legalização do aborto e favorável ao porte de armas, temas simpáticos aos eleitores de Bolsonaro.

Na outra ponta, a candidatura com maior incerteza é a do PT. O partido optou por anunciar Lula como o cabeça da chapa e o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, como vice. As chances de registro são remotas para o ex-presidente, que está preso em Curitiba, o que coloca Haddad como candidato natural ao posto principal e Manuela D’avila (PC do B) a vice mais provável. A deputada estadual gaúcha desistiu da candidatura própria e anunciou a parceria com o PT. Em entrevista a uma rádio local do Sul, Haddad minimizou o papel do vice. “É uma pessoa mais simbólica do que efetiva.” Como coordenador de programa da sigla, ele também tem sido porta-voz do receituário econômico do grupo. As medidas incluem desde tributação de dividendos, estímulos ao consumo, desoneração de rendimentos do trabalho. Já D’Ávila defende o uso dos bancos públicos para redução dos juros, a criação de um imposto sobre grandes fortunas e um plano para retomar a capacidade industrial do País.

Ponto polêmico: temas comuns na campanha, como a reforma da Previdência, geram opiniões diversas entre os candidatos à vice-presidência. À esquerda, o empresário Josué Gomes da Silva, tido como nome dos sonhos para o segundo posto nas chapas eleitorais de 2018 e cobiçado por PT, PSDB e Bolsonaro.

Kátia Abreu, Ana Amélia e Manuela D’ávila permitem uma leitura sobre a estratégia mais geral neste ano. Elas vão compor o pleito com o maior número de mulheres na posição de vice-presidentes. Trata-se de um aceno importante na busca por votos. “A mulher é o eleitor que mais está indeciso”, afirma Lucas Aragão, diretor da Arko Advice. “Reflete também a tendência da discussão por um papel maior da mulher na política.” Sem contar as questões regionais e setoriais, como o caso do agronegócio, que se vê representado por Ana Amélia e Katia Abreu. Como se pode ver, o cálculo eleitoral, que inclui o tempo de TV, continua preponderante na costura das alianças.

Basta observar a vantagem obtida por Alckmin depois que ele fechou com os partidos do chamado Centrão – ele terá mais que o dobro do tempo de exposição na propaganda gratuita do que o segundo colocado. O bloco tentou indicar Josué Gomes da Silva para a parceria com o tucano, mas o convite foi recusado. O empresário mineiro, dono da Coteminas e filho de José Alencar, que compôs a chapa vencedora com Lula, era considerado o vice dos sonhos e foi cobiçado também pelo PT e por Bolsonaro. Ao anunciar a sua recusa ao convite, Gomes minimizou o papel do segundo nome da chapa. “Vice não manda nada e deve evitar atrapalhar.”

Embora a hipótese de que o vice tenha de assumir seja naturalmente mais remota, nunca é demais perder o tema de vista, sobretudo considerando as mudanças de rota promovidas pelos sucessores quando tiveram de entrar em campo. “As alianças têm pouca relação com o programa de governo e, por isso, há ruptura quando o vice assume”, afirma Antonio Correa de Lacerda, economista da PUC-SP. Além de Dilma-Temer, ele cita diferenças entre Fernando Collor e Itamar Franco. “Houve mudanças quanto a privatizações, a abertura ao capital externo. O Itamar tinha uma visão muito mais protecionista do que o Collor.” Sobre a gestão de José Sarney, após a morte de Tancredo Neves, a análise é mais difícil porque ele nem chegou a tomar posse. “Havia, em teoria, uma diferença: uma agenda mais heterodoxa do Sarney, enquanto o Tancredo era de uma visão mais gradualista, sem choques”, afirma Grin, da FGV. São fatos que certamente o eleitor brasileiro, de memória curta, não se lembra quando vai às urnas.