Sempre me considerei um economista razoável, mas obviamente não sou dono da verdade. E tento ficar distante de fazer previsões nas áreas de câmbio, juros e bolsa – simplesmente não tenho esse talento. Também estou longe de ser um acadêmico. Dito isso, não posso ignorar meus mais de 25 anos de atuação no mercado financeiro.

Como o tema anda quente nas discussões e a variável ‘câmbio’ afeta diretamente o retorno dos investimentos em moeda estrangeira, mercado em que estou inserido, desvio esta semana um pouco do tema deste blog, Value Investing, para falar sobre as recentes variações no preço do dólar.

Há duas semanas, em Washington, o ministro da Economia Paulo Guedes não poderia ter sido mais claro: “É normal que países que tenham maior controle fiscal possam ter uma política monetária um pouco mais frouxa e os juros mais baixos (…) Só que o câmbio de equilíbrio também é mais alto (…) é normal para um país que troca o mix”.

Isso é perfeitamente lógico, praticamente um livro-texto de economia. Como nunca soubemos o que é ter a casa em ordem do ponto de vista fiscal, não estamos acostumados com esse ponto específico da teoria econômica. É um privilégio ter a possibilidade de praticar uma política monetária mais frouxa, sem inflação, especialmente em um país como o Brasil, que cresce pouco há muitos anos. Um passo na direção correta.

Alguns dias depois, logo às seis da manhã, Trump lançou o seguinte tweet: “Brasil e Argentina estão conduzindo uma profunda desvalorização de suas moedas, o que não é bom para os nossos fazendeiros. Assim, valendo imediatamente, estou impondo tarifas sobre todo o aço e o alumínio que está sendo embarcado desses países para os Estados Unidos.”

O que Trump entendeu (ou quis entender, politicamente)? Que a “troca de mix” a que o ministro Paulo Guedes se referiu está sendo feita com o objetivo de desvalorizar o Real. Não seria uma consequência, mas o seu objetivo. Um ataque direto aos fazendeiros americanos, importantíssimos para as eleições do ano que vem. O contra-ataque de Trump? Tarifas. E elas não vieram sozinhas: Trump pediu também para que o FED abaixasse as taxas de juros americanas para combater o dólar forte.

As implicações, tanto de uma fala como de outra, são várias. Todas elas levam à conclusão que, daqui para a frente, vamos trabalhar com o câmbio – nas palavras do ministro – mais alto.

Primeiro, em relação à troca de mix. O ministro está correto. Porém, numa economia como a brasileira, onde o precedente é ruim e há tudo por fazer, pode-se questionar se realmente essa política fiscal é crível. E, se ela não é totalmente crível, o afrouxamento da política monetária tem seus limites.

Uma coisa é cortar juros de 14% para 7%. Outra, bem diferente, é cortar de 7% para 4,5%, ou menos. Chegamos bem perto desses limites, se já não os ultrapassamos. As variáveis ficam mais voláteis e qualquer coisa pode fazer o câmbio pular. Isto é especialmente verdade quando o capital financeiro é o dominante, como foi no movimento das últimas semanas.

Do ponto de vista fiscal, aqui nos Estados Unidos a história é bem diferente: o déficit é crescente, o que significa que, se os livros-texto de economia estiverem corretos (e, mais cedo ou mais tarde, sempre estão) a economia vai exigir juros mais altos. Isso acontecerá mesmo com Trump bombardeando o FED e pedindo mais afrouxamento.

Se a curva americana de juros realmente começar a colocar “no preço” alguma subida de juros depois das eleições do ano que vem, a relação risco-retorno fica cada vez mais pobre para o Brasil. O que cobriria essas saídas seriam os investimentos estrangeiros em infraestrutura: o capital financeiro seria trocado por investimento direto. O problema é que uma coisa não acontece na mesma velocidade que a outra.

Em cima desse pano de fundo vêm as tarifas. Arma preferida de Trump (afinal, é das poucas coisas que ele pode fazer sem precisar da aprovação de ninguém), elas tornam as exportações brasileiras para os Estados Unidos mais caras e dá pontos politicamente para o presidente. Quem paga essa conta? O importador americano. O Brasil sofre e perde mercado, uma vez que seu produto fica mais caro. Ruim para todo mundo.

Considerando que os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial brasileiro depois da China, continuar esse duelo com Trump é sinal negativo para o Real. No final das contas, o assunto é extremamente complexo e polêmico. E, longe de fazer previsões, parece que teremos que nos acostumar com esse nível de câmbio, ou um pouco pior. Pelo menos até o Brasil começar a crescer de novo e atrair investimentos estrangeiros diretos. E até que alguma das agências de rating considerem críveis os ajustes fiscais que o Brasil está realizando e promova o país novamente para o grau de investimento. Uma boa notícia é o fato de a S&P Global ter elevado a perspectiva da nota do Brasil para positiva, sinal do reconhecimento dos passos na direção correta que estão sendo dados na política fiscal.

Nesse meio tempo, para alguém que trabalha com investimentos nos Estados Unidos, o câmbio mais fraco é uma boa notícia. Em Reais, o retorno da estratégia fica melhor. Apesar de já termos visto uma desvalorização importante da moeda, ainda parece valer a pena manter um pedaço do portfólio dolarizado.

Bem, esses foram meus dois minutos sobre o câmbio: algumas reflexões de um economista sem modelo econométrico. Semana que vem, de volta ao Value Investing.