No Salão Oval da Casa Branca, epicentro da política mundial, os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump presentearam um ao outro com camisetas personalizadas das seleções de futebol do Brasil e dos Estados Unidos. O “Donald Trump tropical”, como o líder brasileiro foi apelidado, era só sorrisos na visita da terça-feira 19. “Sempre fui grande admirador dos EUA e a minha admiração aumentou com sua chegada à Presidência”, disse Bolsonaro. “O Brasil e os EUA estão irmanados na garantia da liberdade, temor a Deus, contra ideologia de gênero, o politicamente correto e as fake news.” Trump retribuiu: “Estou muito orgulhoso de ouvir o presidente usar o termo fake news”. A admiração recíproca era previsível. Os dois líderes têm perfil parecido. Ambos são conservadores, vendem-se como outsiders, odeiam a mídia e usam o Twitter para se comunicar. A troca de camisetas revelou, porém, uma diferença crucial. No Brasil, o futebol é o esporte mais popular, capaz de afetar até os rumos políticos do País. Nos EUA, ele é apenas uma promessa de sucesso que talvez um dia se aproxime de espetáculos como o do basquete, do beisebol ou do futebol americano.

Essa diferença sintetiza o encontro. Enquanto o Brasil ofereceu uma seleção cheia de estrelas aos americanos, recebeu em troca um timinho que apenas promete. Entregamos muito em troca de pouco. O governo Bolsonaro dispensou o visto para americanos, mesmo sem a reciprocidade dos EUA; permitirá a importação de 750 toneladas de trigo americano por ano sem taxação; e abrirá a base militar de Alcântara para lançamento de foguetes comerciais. Os brasileiros abriram mão do status preferencial de economia emergente que possuem na Organização Mundial do Comércio (OMC), em troca de um apoio – apenas verbal – de que Trump apoiará o ingresso do País no clube dos países ricos, a OCDE.

Outras promessas incluem o plano de rever a proibição à carne bovina brasileira no país; estudar a admisão do Brasil no Global Entry, programa de facilidade de checagem de passaportes nos EUA para cidadãos de países selecionados; e não se contrapor ao pleito brasileiro para fazer parte da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A Argentina também recebeu no ano passado o apoio de Trump para ingressar no clube dos países ricos, mas até hoje não conseguiu. “O País pode sim se beneficiar dessa relação”, diz Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil no think-tank americano Wilson Center. “Resta saber se os EUA o atenderão nesses pleitos daqui em diante.”

Guru: Bolsonaro se encontrou com o pensador Olavo de Carvalho (à direita do presidente) durante sua estada em Washington. Grande parte da política externa do atual governo foi sugerida por ele (Crédito:Alan Santos/PR)

Os EUA são hoje o segundo maior parceiro econômico brasileiro, com uma diferença notável em relação à China, principal destino das exportações do País. As vendas para a terra de Trump são compostas, em sua maioria, por produtos manufaturados, ao contrário do que vendemos para os chineses. Os americanos são também os principais investidores em negócios produtivos no Brasil. Injetaram, em 2018, US$ 3,6 bilhões em compra de participações em empresas, 25% dos ingressos totais. Em discurso na Câmara de Comércio Americana, na segunda-feira 18, o ministro da Economia, Paulo Guedes, deixou claro que é possível mais. “Temos um presidente que adora Coca-Cola e Disneylândia. É uma grande oportunidade para investir no Brasil”, afirmou a uma plateia de empresários. “A impressão foi de que estão lançadas as bases para que se concretizem mais comércio e mais investimento”, diz Deborah Vieitas, CEO da Amcham Brasil, que esteve presente no evento.

GANHOS Os acordos negociados na visita trazem a oportunidade de ganhos de US$ 10 bilhões ao Brasil com o uso comercial da base de Alcântara. No campo da defesa, há possibilidade de conquistar mais recursos com a confirmação de status de aliado da Otan. “Numa estratégia de negociação, muitas vezes, é preciso ceder primeiro para conquistar algo lá na frente”, afirma Stefan Mihailov, diretor-geral para a América Latina da holandesa Trow Nutrition. “Talvez tenha sido essa a estratégia do governo brasileiro.” Se confirmada a reabertura para a carne bovina o Brasil conseguirá não apenas entrar no mercado americano como uma chancela para avançar em destinos como México e Japão.

O maior alinhamento também dá a esperança de que pleitos históricos brasileiros possam caminhar. O setor sucroenergético cobra há anos uma abertura maior para o açúcar. Enquanto 50% das exportações mundiais saem do Brasil, somente 5% das 3 milhões de toneladas do produto consumidas nos EUA vêm daqui. “Acreditamos que seria muito positivo para o setor termos garantido o livre comércio do açúcar entre os dois países”, afirma Jacyr Costa Filho, diretor da região Brasil da Tereos.

Entre representantes do agronegócio, o temor é que a aproximação com os EUA possa impactar a relação com a China, compradora de quase 80% da soja brasileira. “Os Estados Unidos vêm fazendo comércio com a China há décadas, por que nós não podemos fazer?”, afirmou Guedes. Ao aceitar comprar mais trigo americano, o Brasil abre uma frente de desgate com a Argentina, maior fornecedora do produto ao mercado brasileiro. “O Bolsonaro tem um discurso em relação à abertura que os presidentes anteriores não tinham”, diz Welber Barral, ex-secretário do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e cofundador da BMJ Consultoria. “O problema está nos detalhes.” Aí, o histórico de Trump é um obstáculo. Foi ele quem sobretaxou o aço e alumínio brasileiros em 2018. E também pressiona o governo brasileiro a excluir a chinesa Huwaei das iniciativas de introdução da tecnologia 5G no País. A Huwaei é acusada de espionar os EUA.

Mais Coca-Cola: o ministro da Economia, Paulo Guedes, pediu, em inglês, que os americanos invistam mais no Brasil (Crédito:Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press/Folhapress)

GEOPOLÍTICA A situação daVenezuela também entrou na conversa. Os EUA mantêm a posição de que uma solução militar não está descartada, mas o Brasil, acompanhando a decisão de outros membros do Grupo de Lima, se opõe a isso. Trump declarou que pretende transformar o Brasil em um aliado prioritário fora da Otan, talvez na tentativa de pressionar o País a acompanhar decisões americanas. Bolsonaro admitiu que uma iniciativa militar é uma opção, embora a intenção do governo brasileiro seja contrária a ela. O histórico de decisões de Bolsonaro confirmam o alinhamento ideológico com Trump. O presidente aprovou um decreto que facilita o porte de armas, ameaçou tirar o Brasil do Acordo do Clima de Paris e anunciou a troca da embaixada de Israel da capital Tel Aviv para Jerusalém.

O alinhamento de ideias ameaça afetar o Brasil. No caso de Jerusalém, países islâmicos ficaram irritados com a decisão, pondo em risco exportações de US$ 11,5 bilhões. Depois de voltar dos EUA, Bolsonaro viajou para o Chile. O presidente do Senado chileno, Jaime Quintana, afirmou que não se encontrará com o brasileiro em protesto contra suas posições de ataque a “minorias sexuais e índigenas.” Em abril, Bolsonaro parte para Israel e teme-se que ele aproveite a visita para dar mais um passo na mudança da embaixada. Em seguida, vai à China, tentar consertar os estragos causados por suas falas anteriores contra o país asiático.

Na visita a Trump, Bolsonaro cometeu mais um deslize. “A maioria dos imigrantes não tem boas intenções”, disse, ao defender, em entrevista à Fox News, o muro de Trump na fronteira com o México. Ao perceber a gafe, pediu desculpas. Mas o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente e figura de destaque no encontro, afirmou que brasileiros ilegais nos EUA “são uma vergonha.” Ideologias à parte, o principal receio dos analistas é se as promessas americanas serão cumpridas. “As juras de amor têm de ser tratadas com cautela”, afirma Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da FGV. “Há o risco da assimetria e, sobretudo, o risco de o vínculo ser estritamente pessoal com Trump, cuja permanência no poder ainda não está garantida para o ano que vem.”


“Brasil ofereceu muito a curto prazo, mas tem a ganhar no longo prazo”

Thomas Shannon foi embaixador no Brasil de 2010 a 2013 e ocupou a terceira posição do Departamento de Estado dos EUA de 2016 a 2018. Hoje, é consultor da Arnold & Porter

O que o Brasil pode ganhar se aproximando de Trump?
O acordo de salvaguardas técnicas é um grande negócio. O compromisso de apoiar o Brasil na OCDE também é uma tremenda demonstração de confiança na economia brasileira. E o status de aliado não principal da Otan tem uma conotação técnica que permite acesso a ajuda militar que vai além de treinamentos. A grande questão é: os dois países serão capazes de aumentar o nível de comércio, especialmente o de valor agregado, das áreas de manufatura e tecnologia brasileiras se distanciando das commodities? O Brasil ofereceu muito a curto prazo, mas tem muito a ganhar a longo prazo. Se ele for inteligente, pode conseguir boas vantagens no futuro.

Qual é a diferença entre o comércio com os EUA e com a China?
Commodities são, obviamente, uma grande parte da economia brasileira. Portanto, a capacidade de vender alimentos, energia e minerais para a China é importante. Mas o Brasil não quer ser apenas uma economia impulsionada por commodities, quer ter um setor industrial de classe mundial. Isso não virá dos chineses, pelo menos não em breve. Isso virá de parcerias e joint ventures com empresas americanas e europeias, para que o Brasil direcione sua economia para o próximo nível de desenvolvimento e se torne um player na economia do século 21. Acho que o Brasil lucra com o comércio com a China e com os Estados Unidos, mas o comércio americano oferece mais.

O Brasil foi um dos alvos da guerra comercial de Trump, com tarifas sobre o alumínio e o aço. Como podemos nos defender?
O mercado aberto seria uma defesa. Na minha opinião, as tarifas são uma ferramenta realmente cruel. Mas têm um impacto imediato. Então podem ser usadas para enviar mensagens claras. Uma das boas coisas dessa visita é que os dois líderes estabeleceram um relacionamento pessoal. Isso vai mudar o que Trump pensa sobre o Brasil.

O relacionamento pessoal, sozinho, é suficiente?
Eles têm que garantir que suas burocracias estejam alinhadas, porque as burocracias sempre demoram a acompanhar o relacionamento pessoal que surge. E muito do que foi concordado já vinha sendo pensado por ambos os lados há algum tempo. Muitas das realizações serão duradouras.

Os EUA vão cobrar mais do Brasil no caso da Venezuela com a indicação para se tornar um aliado prioritário fora da Otan?
O Brasil tem lidado bem com as coisas até agora, especialmente na personalidade do vice-presidente [Hamilton Mourão]. O Brasil tem sido muito claro sobre não querer fazer nada com a intervenção militar, mas preparado para trabalhar em questões humanitárias. Não acho que o presidente Trump queira tomar essa direção. Não importa qual seja o seu discurso, acho que ele está buscando alguma outra solução. A solução militar nem é uma solução, é uma intervenção. Pode causar muitos outros problemas. E você quer evitar esses problemas.

Colaborou: Moacir Drska