A economia mundial foi recheada de incertezas em 2019. Dos países emergentes aos desenvolvidos, poucos passaram incólumes a uma desaceleração global, que parecia ser um simples reflexo das tensões comerciais entre China e Estados Unidos, mas envolvia mais do que isso. Dada a quantidade de tensões, até que o mundo chegou ao fim de 2019 com parte dos principais pontos de conflito minimamente contornados (ou atenuados), o que trouxe uma sensação de melhora do ambiente. O principal sinal disso reside na trégua da guerra comercial entre China e Estados Unidos. As duas maiores potências do mundo, responsáveis por 40% dos US$ 90 trilhões da economia global, anunciaram em dezembro ter finalizado um acordo para adiar a alta das tarifas para importações. No auge da tensão, em 2019, o mundo flertava com uma nova recessão. Agora, esse risco fica mais distante. Ainda que algum resquício de incerteza siga em 2020, as expectativas indicam que a economia global cresça 2,7%, segundo o Citi. Já o Barclays estima alta global de 3,3%. “Esse movimento é excelente para a economia ativa, tira o dinheiro da economia financeira, que se fortalece no medo da recessão”, diz o coordenador do núcleo econômico da Universidad de Chile, Fernando Henrico Cuarón.

Nos EUA, ainda que o processo de impeachment do presidente Donald Trump tenha passado na Câmara, e possa reaquecer os ânimos da política interna, as chances de uma recessão no país se mostram distantes, mesmo que seja provável que a economia continue se desacelerando. O banco JP Morgan, por exemplo, estima que a alta do PIB americano vá dos 2,3% em 2019 para 1,7% em 2020. Mas não há consenso. Thiago Neves Pereira, economista sênior da Macro Gestão de Capitais prevê que o crescimento dos EUA, em 2019, será de 2,1%, ritmo que deve se manter no mesmo patamar em 2020. Antes, a expectativa era de algo em torno de 1,5%. A América de Trump dá adeus a 2019 com baixo desemprego, salários em alta, inflação controlada, juros baixos, mercado de ações e lucros corporativos vigorosos. Mas nada disso adiantará caso ele não escape do impeachment – pouco provável com sua forte maioria republicana no Senado –, ou não se confirme a trégua comercial. Esses dois cenários trariam impactos pesados. No caso da não efetuação do acordo, e aumento das tarifas de importação, haveria uma combinação de desaceleração econômica com inflação. É tudo de que os EUA não precisam, e Trump sabe disso. Então, o cenário mais provável é de assinatura da fase 1 com a China ainda em janeiro. Sagaz comunicador, a expectativa é que o presidente alie, justamente, a ameaça do impeachment com uma “vitória” nas negociações com a China para sustentar uma reeleição.

VITÓRIA CONSERVADORA Ratificado por uma nova eleição, Boris Jonhson confirma seu poder de fogo e deve aprovar o Brexit a qualquer custo (Crédito:AP Photo/Alastair Grant)

Surge uma nova Europa

Depois de um ano de muita tensão e incertezas, as coisas começaram a dar aparentes sinais de melhora na Europa, ainda que tímidas. Depois da vitória esmagadora dos conservadores nas eleições do Reino Unido, acredita-se que o primeiro-ministro Boris Johnson conseguirá finalmente aprovar a sua proposta de separação dos britânicos do bloco europeu. Mas restam dúvidas se isso será possível ou se há consenso político.

Se isso resolve o problema do Reino Unido, tudo indica que a Europa ficará mais frágil depois do Brexit. E, como diz o ditado: no olho por olho – forma como Johnson já sinalizou que fará a ruptura – todo mundo sai cego. Isso significa que a Grã-Bretanha também terminará o processo diminuída, além de mais polarizada e menos influente cultural e economicamente. Na França de Emanuel Macron reside a esperança por ideias inovadoras que ajudem o bloco a manter o seu orçamento mesmo sem a participação britânica, mas a responsabilidade de fechar as contas deve cair mesmo sobre a também francesa Christine Lagarde, que assumiu a posição de líder do Banco Central Europeu.

Outra expectativa sobre como será o comportamento da União Europeia no ano reside no país mais importante do bloco, a Alemanha, que, depois de ter escapado por pouco de uma recessão, chega ainda fragilizada em 2020. A coalizão de Angela Merkel entra em seu período final perdendo apoio. A economia do país, muito dependente da demanda externa, em especial da China, pode sofrer se medidas mais ousadas de investimentos públicos não forem ativadas. Também em torno da Europa acontecerá uma batalha que se avizinha em 2020. Após a conferência do clima da ONU, em Madri, em dezembro, quando o Brasil confirmou a sua figura de pária internacional em questões climáticas, a conferência em Glasgow, em 2020, deve ser ainda mais quente. Os países devem se digladiar sobre tarifas para a emissão de carbono. “Houve um desgaste da imagem do País em 2019”, diz Welber Barral, ex-secretário de Comeércio Exterior. “Há um risco grande da Europa adotar medidas unilaterais contra o Brasil.”

Convulsão na América Latina

Enquanto os países ricos e desenvolvidos avaliam as suas chances para 2020, está com os emergentes a possibilidade de obter trajetórias econômicas melhores. Índia, Brasil, Rússia, Turquia, Indonésia e Tailândia são exemplos de países que podem ajudar a economia global a fugir da desaceleração. O cenário, no entanto, não é tão promissor para os nossos vizinhos da América Latina, dada a turbulência social em países como Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Venezuela, que enfrentaram ondas de protestos e sentiram o reflexo disso na atividade econômica.

POPULAÇÃO VAI ÀS RUAS Onda de protestos em 2019 pode voltar a acontecer em 2020 (Crédito:Pablo VERA / AFP)

Com as incertezas sociais dando as caras em quase todos os pontos da região em 2019, o PIB somado dos 23 países cresceu 0,1%, segundo a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). Para 2020, a projeção é de 1,3%. Diante do cenário de erupção social, a secretária-executiva da Cepal, Alícia Barcena, avalia que os governos precisam mudar a estratégia. “É preciso que os países parem de criar medidas de ajustes e estimulem o crescimento para reduzir a desigualdade. Com isso, haverá um espaço enorme para o desenvolvimento e um ciclo amplo de avanço das nações”, afirmou.

A grande preocupação para o Brasil está na fronteira ao Sul, com um novo governo argentino, de Alberto Fernández, que tem sido atacado por Jair Bolsonaro. De qualquer forma, ambos precisarão negociar. A Argentina é o grande destino das exportações brasileiras industriais, em especial, de automóveis. Nossos vizinhos, ao que tudo indica, terão o 2020 mais incerto dentre os quatro grandes parceiros comerciais do Brasil, que incluem também os EUA, a União Europeia e a China. A economia argentina fecha 2019 com uma queda de 3,1%, inflação em torno de 55%, pobreza perto de 40%, desemprego de 10,4% e depreciação monetária de quase 40%. Fernández tentará fazer concessões sociais, de um lado, e buscar o equilíbrio fiscal, por outro. Um desafio que ninguém invejará para 2020.