A Netshoes voltou ao centro do mercado brasileiro nesta semana com o acirramento da disputa entre o Magazine Luisa e a Centauro pela compra da empresa. O Magazine Luiza havia feito proposta de compra no início do mês de US$ 2 por ação, somando aproximadamente US$ 62 milhões. O negócio já havia sido aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) quando a Centauro, na semana passada, fez uma nova proposta de US$ 2,80 por ação, somando US$ 87 milhões. Em resposta, no domingo empresa da família Trajano elevou a negociação para US$ 3 por ação, totalizando US$ 93 milhões. Em uma segunda tentativa, a Centauro elevou a aposta para US$ 3,50 na noite desta terça-feira (29), avaliando a Netshoes em US$ 108,7 milhões.

Na matéria abaixo, publicada originalmente em maio de 2018, a DINHEIRO explica como a Netshoes saiu de uma das apostas do mercado nacional para um cenário de sucessão de dívidas e descontamento dos investidores.

Há pouco mais de um ano, em 14 de abril de 2017, o paulistano Marcio Kumruian, cofundador e CEO da Netshoes, estava em lua de mel com os investidores estrangeiros. A abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) da maior loja de comércio eletrônico de vestuário esportivo da América Latina na bolsa de valores de Nova York (Nyse) havia sido um sucesso, atraindo grandes fundos estrangeiros, como o Tiger Global Management, o Temasek Holdings e o Ruane, Cunniff & Goldfarb. As ações eram negociadas a US$ 18 e o valor de mercado da companhia estava em US$ 376,2 milhões. De terno e gravata, algo pouco usual para um empresário acostumado a vestir roupas esportivas, Kumruian só ouvia elogios. O presidente da Nyse, Thomas Farley, por exemplo, ressaltou a sabedoria com que o brasileiro gerenciava as finanças da companhia. Cinco trimestres depois, com um prejuízo acumulado de R$ 230 milhões, o clima azedou.

Na semana passada, após a divulgação dos resultados do primeiro trimestre, a ação da companhia caiu 60%, para US$ 2,14. O valor de mercado da Netshoes, que chegou ao pico de US$ 779,2 milhões, em 25 de maio do ano passado, derreteu para US$ 66,5 milhões, em 16 de maio de 2018 (confira o quadro abaixo). O que parece ter sido a gota d’água para os investidores foi uma mudança na contabilidade da empresa. Até dezembro de 2017, a Netshoes antecipava com os bancos as contas parceladas no cartão de crédito. O dinheiro ia para o caixa como receita em troca de um custo maior com a despesa financeira.

Alegria passada: Kumruian (ao centro), toca o sino da bolsa de Nova York, no ano passado. Lua de mel com os investidores durou pouco tempo (Crédito:Divulgação)

Ao acabar com essa prática de antecipação de recebíveis, o caixa da empresa diminuiu de R$ 396 milhões para R$ 60,7 milhões, o que fez os investidores questionarem a saúde financeira da companhia. “A tese da Netshoes era abrir o capital lá fora porque o mercado americano está acostumado com empresas que dão prejuízos. Mas os investidores estrangeiros aceitam números ruins de negócios americanos e não de uma companhia brasileira”, diz Douglas Carvalho, sócio-fundador da Target Advisor, consultoria especializada em fusão e aquisição. “Foi um erro de avaliação muito grande, além de eles não estarem entregando o crescimento que prometeram.”

Apesar das dificuldades, a Netshoes aposta que com inovação pode buscar uma saída e mostrar que será capaz de conseguir gerar resultados no futuro. A empresa terminou a migração para uma nova plataforma de comércio eletrônico neste mês. Ela começou ser desenvolvida internamente em 2016 para permitir mais agilidade nas atualizações e mais controle da tecnologia. A expectativa é a de que ela também facilite a personalização do site de acordo com os interesses de cada cliente. “Estamos migrando de um negócio que é vender os produtos que estão disponíveis para vender serviços e experiência para o consumidor”, diz André Luiz Shinohara, diretor de marketing e vendas da Netshoes. “É um planejamento que vamos atingir em médio e longo prazo, mas é importante plantar uma semente desde já.”

Dentro dessa renovação tecnológica, a Netshoes lançou em março deste ano o canal de streaming TV NSports, para transmitir esportes e campeonatos que não encontram espaço nas mídias de massa, mas que atraem o interesse de um bom número de praticantes no Brasil. “Existem diferentes segmentos e esportes sem espaço na grande mídia”, diz Shinohara. “Agora, estamos em um momento de entender o perfil dos interessados e divulgar as suas transmissões.” Por enquanto, são 50 mil inscritos que acompanham principalmente os jogos da Superliga de vôlei, da Liga Nacional de Futsal e da Liga Feminina de Basquete. Há negociações para adquirir direitos de eventos de atletismo. A intermediação com as ligas e federações, além da produção das transmissões, ficam à cargo da agência ESM, de Guilherme Figueiredo, ex-grupo Globo.

A estratégia da Netshoes nesse primeiro momento é conectar as pessoas com a nova plataforma de streaming para depois rentabilizar. Mas, para o futuro, a perspectiva é ter lucro com esse negócio. “Pode ser por meio de venda de espaço publicitário, apoio institucional de marcas a esportes específicos e a integração da transmissão com a venda de produtos”, diz Shinohara. “Toda empresa que está no mundo digital precisa respirar tecnologia.” Isso, na Netshoes, se traduz na busca de novas funcionalidades e serviços para o consumidor. Por isso, a inovação passa por uma equipe ágil e capaz de desenvolver produtos e serviços que serão as próximas ondas do mercado. Só é preciso saber se os investidores terão paciência de esperar.