Na física, a definição de buraco negro é basicamente uma região com potencial tão denso quanto destrutivo, que atrai para dentro de si toda a luz que o rodeia e tem efeitos imprevisíveis. Essa parece também uma boa definição para a junção do Executivo e do Legislativo à medida que se aproximam as eleições. Com o fantasma da impopularidade arrastando correntes nos corredores do Palácio da Alvorada e do Congresso Nacional, eles usam aquela máxima muito popular (mas pouquíssimo eficiente) de que situações desesperadas pedem medidas desesperadas. E assim tomam decisões como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 16. Um erro crasso do ponto de vista fiscal, econômico e de eficácia altamente questionável.

Além de jogar despesas bilionárias para cima do já maltratado teto de gastos, a proposta cava um selo de calamidade pública para se desviar da legislação eleitoral, lança dúvida sobre a responsabilidade fiscal do Brasil e, pelas próprias armadilhas que esconde, pode não ter o efeito esperado no controle da inflação.

Esse texto-buraco-negro ( ou PEC do Desespero) engoliu tudo o que tinha no Congresso sobre inflação e virou uma proposta só. O problema é que se tornou algo tão grande quem ninguém sabe aonde vai dar. Em resumo, o texto trata de alguns pontos gerais. São eles: o aumento de R$ 200 no pagamento do Auxílio Brasil, o reajuste do Auxílio Gás e a criação do chamado Voucher Caminhoneiro (ou Pix Caminhoneiro) de R$ 1 mil para quase 700 mil profissionais. Dentro do texto também está nova revisão do ICMS para combustíveis (e compensação para os estados que tiverem perdas, trecho que havia sido vetado por Bolsonaro), repasse para os governadores para subsidiar a gratuidade do transporte público para idosos, além de ajuda financeira para as unidades federativas que zerarem o ICMS que incide no etanol. Em uma conta superficial, o Senado estima que numa tacada só o governo federal vai liberar gastos na ordem dos R$ 40 bilhões.

PÃO E DIESEL Pix Caminhoneiro vem no momento que motoristas se dizem insatisfeitos com o presidente. (Crédito: Valter Campanato)

SACO SEM FUNDO O problema é que o governo não tem de onde tirar esses R$ 40 bilhões. Então a solução foi enfiar na PEC um pedido de estado de emergência — um selo dado pelo Congresso Nacional para que o governo possa liberar recursos como estes sem a necessidade de ter uma fonte de dinheiro que justifique tal movimento. E para deixar ainda mais passível de interpelações sobre o caráter eleitoreiro do texto, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) colocou data de término dos benefícios para o fim deste ano, após o período eleitoral.

Segundo ele, as medidas são “emergenciais transitórias”, e passariam a valer em 1° de agosto. Em sua fala no Parlamento, ele usou dados imprecisos para justificar seu texto, como ao tratar do plano de zerar fila de espera de beneficiários do Auxílio Brasil. “Além dos R$ 200 que vão valer até 31 de dezembro, a partir de julho estaremos cadastrando 1,6 milhão de famílias”, disse o senador. O problema é que, em abril, a fila de espera era de 3 milhões de famílias. O Auxílio Gás, que atualmente é de R$ 60 a cada dois meses, passará para R$ 120 por bimestre ao custo de mais de R$ 1 bilhão. Já o Auxílio Brasil passará com a aprovação do texto dos atuais R$ 400 para R$ 600. A previsão é de um desembolso de R$ 26 bilhões. Para cobrir a despesa do Voucher Caminhoneiro, se aprovado em R$ 1 mil, o governo terá de desembolsar outros R$ 5,4 bilhões. “Como os recursos são limitados, a ideia é focar nos mais fragilizados dessa cadeia de transporte de cargas”, disse à agência Senado Notícias.

Segundo os cálculos do economista Caio Ferrari Ferreira, professor do Ibmec, o impacto nas contas públicas chegará a R$ 50 bilhões para zerar a fila do Auxílio Brasil, com maior comprometimento da situação fiscal do País. Isso quer dizer o óbvio: que a medida vai ter efeito oposto ao esperado pelo governo, já que eleva a incerteza, o câmbio e, consequentemente, a inflação. “Aumentar os gastos para expandir o consumo num momento em que o BC sobe juros para segurar o consumo só prejudica a imagem do País e aumenta perspectiva de calote”, afirmou. Ferreira afirma também que é grave o contorcionismo legal para conseguir desviar da legislação eleitoral e lançar programas desse tipo em ano de pleito. “E ainda estamos reconhecendo o estado de emergência no substitutivo”, afirmou. Só não ficou claro se a emergência é econômica ou eleitoral.