Desde o começo do movimento fintech como conhecemos – que teve seu início com o surgimento da Paypal – vimos o nascimento de diferentes novos entrantes no mercado, dispostos a mudar a forma como os clientes consomem produtos e serviços financeiros.

As fintechs iniciaram suas atividades atuando dentro de nichos bastante específicos, resolvendo os problemas do consumidor, proporcionando experiências acima da média com custos abaixo de mercado em subsegmentos como empréstimos, investimentos, pagamentos, dentre outros. Esse movimento representou um novo passo na indústria financeira e ficou conhecido como “unbundling” (ou serviços financeiros fragmentados), o qual questionava e propunha uma ruptura ao modelo de ofertas que eram feitas anteriormente de forma totalmente verticalizada dentro dos bancos, modelo também conhecido como “bundling” (que, neste contexto, podemos chamar de serviços financeiros agrupados).

Para ilustrar melhor a ideia do “unbundling”, a empresa de consultoria norte-americana CB Insights criou um gráfico em 2015 que se tornou bastante popular, no qual mostrava uma tela de internet banking com os diferentes produtos ofertados por um determinado banco e, para cada produto específico, havia fintechs oferecendo uma única solução que batia de frente com aquela ofertada pelo banco. Assim, os consumidores passaram a ser capazes de aproveitar os produtos daqueles provedores que faziam mais sentido para eles de forma fragmentada.

Com o passar do tempo, as fintechs foram ocupando um espaço crescente no mercado financeiro, tornando-se, em alguns casos, companhias com grande número de usuários e elevado valor de mercado. Ao longo dessa jornada, essas fintechs começaram a perceber oportunidades em outros subsegmentos e a serem demandadas pelos seus clientes para ofertarem uma gama maior de soluções com a mesma experiência e o mesmo atendimento de excelência com os quais foram acostumados. Esse próximo passo das startups financeiras nessa direção ficou conhecido como “rebundling” (que podemos chamar de serviços financeiros reagrupados).

Para perseguir uma estratégia de rebundling, as fintechs podem se aliar ou integrar entre si ou com instituições financeiras tradicionais para realizar ofertas conjuntas e complementares. Outro caminho seria o desenvolvimento interno de novos produtos (os quais a fintech pode passar a ofertar após se submeter à um processo regulatório específico) ou adquirir outras startups.

No cenário internacional, tivemos recentemente o anúncio de que a Zopa, fintech pioneira no modelo de P2P lending (empréstimo digital peer to peer), acabou de adquirir uma licença para operar como banco no Reino Unido. Após esse movimento, a empresa informou que começará a ofertar uma conta remunerada, e, em um segundo momento, cartões de crédito. Já a Transferwise, que começou ofertando serviços de remessa internacional e hoje já oferece um cartão e conta que permitem a seus usuários carregarem múltiplas moedas, recebeu licença da FCA (autoridade financeira britânica) para distribuir produtos de investimento.

Além destes exemplos, temos também o caso da Starling Bank e Revolut (dois neobanks europeus), que têm feito diversas integrações com terceiros para expandir o portfólio de soluções disponíveis ao cliente final.

Junto com o amadurecimento do ecossistema local, o “rebundling” chega ao Brasil

Recentemente, foi noticiado que o Nubank teria enviado uma pesquisa aos seus clientes perguntando sobre o interesse em uma solução de seguro de automóveis em um dos dois formatos: um com valor fixo de R$130,00 mensais; e outro com uma parte fixa de R$85,00 e uma variável de R$0,05 por Km rodado. Apesar da pesquisa, a empresa disse que isso é apenas uma ideia e não quer dizer que será lançada. Contudo, vale lembrar que em 2018 o Nubank também fez uma pergunta sobre o interesse dos seus usuários em cartões de débito e saques da conta corrente e, alguns meses depois, essas funcionalidades foram implementadas pela companhia.

Um movimento de rebundling por uma fintech do porte do Nubank não seria uma surpresa. Em meados de 2019 o CEO da companhia, David Vélez, disse que havia planos de aquisições e parcerias com outras empresas para ampliação do seu leque de soluções. Isso porque a atual oferta limitada de produtos é algo que impede com que alguns clientes centralizem sua vida financeira no Nubank, tornando-o sua instituição principal. Vale lembrar que a fintech iniciou seu funcionamento em 2013, operando apenas o produto de cartão de crédito, e hoje já dispõe de um programa de fidelidade (Nubank Rewards), conta remunerada e empréstimos.

Outra grande fintech que deve seguir um caminho semelhante é a Creditas, que oferece empréstimos com garantia de imóvel ou veículo. Nascida com a premissa de trazer um produto pouco explorado pelos bancos tradicionais, a empresa posteriormente deu um passo além e adquiriu em 2019 a Creditoo, especializada em crédito consignado, solução popular no mercado financeiro. Considerando a natureza de longo prazo de seus produtos, seria natural começarem a ofertar um produto de conta corrente e outros que possam aproveitar melhor todo tempo de relacionamento junto aos seus clientes, enquanto estes ainda estão vinculados à operação de crédito tomada na plataforma.

Nessa linha, vemos também os casos da Juno (fintech inicialmente focada em emissão de boletos e gestão de marketplaces) que virou instituição de pagamentos e começou a oferecer uma conta, e a Warren, voltada à investimentos, que desde abril de 2020 dispõe de uma conta remunerada para seus clientes.

O rebundling é um movimento natural que aponta não só para a ampliação da experiência do usuário em plataformas fintechs, que os clientes aprenderam a amar, mas também para um processo de consolidação do setor no futuro, em que essas plataformas passarão a apresentar ainda mais respostas (suas ou de parceiros) para as diferentes necessidades do cliente.

Assim, algumas fintechs vão se tornando cada vez mais indistinguíveis dos bancos aos olhos do consumidor, aumentando a competição junto às instituições tradicionais e abrindo múltiplas alternativas para pessoas e empresas no mercado financeiro.

 

*Bruno Diniz é especialista em fintech, autor do livro O Fenômeno Fintech, cofundador da Spiralem (consultoria especializada em inovação para o mercado financeiro), Líder na América Latina pela Financial Data and Technology Association (FDATA) e professor no curso sobre Fintechs na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e no MBA da Universidade de São Paulo (USP ESALQ).