Dito e feito. Da eleição à posse, Donald Trump não deixou de lado sequer um minuto seu figurino belicista, de mal com o mundo, que adotou ainda em campanha. Na semana passada, após vários outros lances de confronto aberto, o chefe da nação mais rica do planeta passou a rasgar contratos. Os EUA assumiram com ele um protecionismo exacerbado após oito décadas de liberalização contínua de mercado. Ninguém acreditava de fato que Trump cumprisse as ameaças. Mas a julgar pelo que fez com o maior acordo global de negócios, a Parceria Transpacífico (TPP), que reunia ao menos 11 países da Europa à América Latina, e que foi parar na lata do lixo, muito mais pode estar por vir.

Trump foi Trump ao dizer com todas as letras que além de rejeitar e refazer acordos comerciais “falidos” irá reprimir com todos os instrumentos os “abusos” de nações até então parceiras. Acha pouco? O acordo do Nafta está na mira. México e Canadá, tradicionais aliados, sofrem como nunca na história do relacionamento com os americanos. Trump confirmou o muro da vergonha na fronteira, ao custo de US$ 40 bilhões, e ainda exigiu que os mexicanos paguem pela obra. Como não teve, obviamente, receptividade à demanda, sugeriu o cancelamento do encontro que teria nos próximos dias com o presidente daquele país. Trump, em poucas horas de Casa Branca, foi capaz de armar o caos nas relações comerciais do mundo. Todos estão ainda a discutir como proceder daqui para frente.

Trump faz do retrocesso sua marca e os reflexos negativos, por ironia do destino, podem recair justamente sobre seus conterrâneos. Analistas apontam que, no médio e longo prazo, o fim de acordos como o TPP e o Nafta deve provocar o aumento do desemprego e dos preços no mercado americano. Justamente o problema que Trump diz combater. Como num reality show, repleto de pirotecnias, o novo líder do mundo livre atua sem script. Muitos acham que de um momento para o outro ele descerá do palco. Demitido. Mas, no momento, Trump segue como a mais tenebrosa e inesperada realidade. Mesmo os concidadãos estão estupefatos com tantas derrapagens logo de saída e começam a exprimir preocupação na forma de protestos nas ruas. Trump ameaça empresas, ameaça à imprensa, ameaça países. Ameaça qualquer um que se interponha a seus objetivos.

Nessa toada, logo poderá se ver isolado e, o que é pior, empurrando os EUA para um novo e sofrido período de trevas, como aconteceu nos idos de 2008. O Brasil, paradoxalmente, tem chances até de se beneficiar nessa escalada revisionista de Trump. Por não participar de nenhum dos acordos comerciais alvos da fúria do presidente americano, viu abrir na sua frente uma avenida de oportunidades. Autoridades locais já alinhavam futuros entendimentos para avançar sobre os espaços deixados pelos demais. De todo modo, não é nada alvissareira a hipótese do atual ocupante da Casa Branca travar a globalização para atender a seus caprichos nacionalistas, pseudo-patrióticos, de caráter meramente revanchista. Muitos estão agora a se indagar: o que é isso, Mr. Trump?

(Nota publicada na Edição 1003 da Revista Dinheiro)