Quando o assunto são as contas públicas, nada é tão ruim que não possa piorar no Brasil. E o Ministério da Economia prova isso. Um dia após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionar o Orçamento de 2021, em 22 de abril, o Ministério da Economia aumentou de R$ 247,1 bilhões para R$ 286 bilhões a previsão de déficit para este ano — o oitavo balanço consecutivo de contas no vermelho. O valor, que consta do relatório extemporâneo de avaliação das receitas e despesas, sinaliza que a União terá de emitir mais títulos da dívida para honrar as contas. Na prática, é como se um assalariado que gasta mais do ganha tomasse empréstimos de longo prazo para adiar a falência.

E, como todo endividado sabe, a bola dá dívida nunca para de crescer se não houver freio nas despesas. De acordo com Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o rombo das contas públicas poderá chegar a R$ 300 bilhões neste ano. A tragédia fiscal projetada por ele equivale a 4% do Produto Interno Bruto (PIB), o que fará com que a dívida pública chegue a 88,7% do PIB até o fim do ano. Hoje, esse percentual está em 90% devido aos gastos extraordinários relacionados à pandemia. Poderia ser maior, não fossem as devoluções de aportes do Tesouro Nacional. O governo prevê receber do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) R$ 100 bilhões ainda este ano. Em março, R$ 28 bilhões foram devolvidos à União. Outros R$ 62 bilhões deverão entrar nos cofres do Tesouro ao longo de 2021.

“Com os contingenciamentos esperados, acreditamos que o déficit primário poderá piorar parte do valor de aumento das despesas, ou seja, chegar a cerca de R$ 300 bilhões”, afirmou Vale, em relatório. Para 2022, ele prevê um rombo de R$ 200 bilhões, o equivalente a 2,5% do PIB, com dívida pública bruta voltando a crescer e chegando a 92,1% do PIB.

Há também o risco de avanço na taxa Selic este ano, fator que eleva consideravelmente o desembolso com os juros da dívida pública, sufocando ainda mais o governo. Para se ter uma ideia, caso a taxa atinja 5%, valor considerado plausível pelo mercado em um horizonte que vislumbre 2022, o governo teria um incremento anual de R$ 95,4 bilhões apenas em juros da dívida, segundo estimativa da Tendências Consultoria.

Se a situação ainda pode piorar, quer dizer que agora é não está tão ruim? Sim. E é nisso que a equipe econômica de Paulo Guedes tem tentado se prender. Com o acerto em torno do Orçamento de 2021, os olhares já começaram a se voltar para o desenho do Orçamento de 2022, que foi enviado ao Congresso Nacional e, para ser aprovado, terá de responder algumas questões importantes. Iremos atingir a vacinação em massa? A economia terá reagido? A renda e o emprego terão voltado?

Se engana quem pensa que o caos do Orçamento deste ano foi um acidente de percurso. A Lei de Diretrizes Orçamentárias enviada dia 27 de abril pelo governo ao Congresso Nacional simplesmente ignorava qualquer efeito da pandemia nas contas e despesas públicas. Segundo o relatório preliminar dos parlamentares, “O PLDO [projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias] 2022 não aborda, de forma separada, os riscos que podem afetar receitas, despesas e dívida pública em razão dos efeitos da Covid-19”. O alerta é de servidores das comissões de Orçamento da Câmara e do Senado.

GASTOS EXTRAORDINÁRIOS No acumulado de 2020, o governo contabilizou R$ 524 bilhões em gastos que não haviam sido previstos e que foram necessários para tentar conter os efeitos da pandemia — agravada pela demora do próprio presidente em reconhecer a gravidade da doença e buscar vacinas. Agora, para 2021, a previsão é de R$ 103 bilhões em gastos extraordinários. “Esse é um dos problemas estruturais mais difíceis do governo atualmente”, disse o economista Davi Lelis, sócio da Valor Investimentos. “A economia brasileira é um grande barco sem motor, sustentado por boias”.

Para que o mesmo erro de percurso não ocorra em 2022, a conta do que poderia vir a ser despesa extraordinária precisaria ser feita agora, em um esforço conjunto entre os Poderes Executivo e Legislativo, tendo como principal foco o interesse o povo. O mesmo povo que todos eles juraram servir perante à Constituição. Mas, na terra onde tudo sempre pode piorar, temos que lembrar que o fundo do poço tem subsolo.