Quem nunca foi pobre sempre terá dificuldade em compreender como é possível viver com pouco (às vezes nenhum) dinheiro. A falta de compreensão do que seja acordar sem saber como conseguir a próxima refeição talvez distorça também a visão dos políticos — e da sociedade como um todo — sobre o que é preciso fazer para reduzir a miséria. Por isso tantas campanhas para combater a fome, sejam elas idealizadas por celebridades (como We Are the World, no já distante ano de 1985), sejam por governos (especialmente de países pobres onde há fome), se baseiam em doações. Não é de espantar que o primeiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio proposto pela ONU seja “reduzir a pobreza e a fome”. Para atingir esse nobre objetivo, contudo, a Organização das Nações Unidas não tem uma fórmula. Talvez ninguém tenha, nem mesmo os professores de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo, vencedores do prêmio Nobel de Economia em 2019 e autores do livro A Economia dos Pobres (Editora Zahar), em que propõem “uma nova visão sobre a desigualdade”. Ainda que não tenham descoberto uma receita para reduzir a pobreza e a fome, a dupla de estudiosos é bem crítica à doação pura e simples de dinheiro, alimentos, remédios e até computadores para as escolas. Por duas razões. A primeira (não inteiramente comprovada, mas cujas evidências são inegáveis) é que a ajuda tende a corromper governos, enriquecer uns poucos e não chegar à ponta. Se esse argumento é questionável, o seguinte é ainda mais controverso. “Devemos respeitar a liberdade das pessoas — se não querem alguma coisa, não adianta forçá-las: se as crianças não querem ir à escola, deve ser porque não faz sentido ser educado”, escreveram Banerjee e Duflo. Será?

Muitos programas de distribuição de renda se baseiam em contrapartidas. O próprio Bolsa Família, criado pelo PT e que Bolsonaro quer turbinar para tentar se reeleger a qualquer custo (mesmo que seja levar o País à bancarrota enquanto deputados fazem a festa com verbas bilionárias) prevê uma “troca”. Só recebe dinheiro do programa quem leva os filhos à escola. Mas nem o Bolsa Família, nem o Auxílio Emergencial criado para compensar a falta de renda decorrente da pandemia de Covid-19 têm conseguido impedir que os brasileiros empobreçam. Nem que passem fome. Segundo o relatório Efeitos da Pandemia na Alimentação e na Situação da Segurança Alimentar no Brasil, realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UnB), entre agosto e dezembro de 2020 havia insegurança alimentar grave em 15% dos domicílios brasileiros. Estatísticas a parte, a soma de inflação (acima de 10% nos últimos 12 meses) e de desemprego (na faixa de 14%) não tem outro resultado possível que não mais gente passando necessidade. E as soluções do governo para combater tanto carestia quanto a falta de trabalho têm se mostrado inócuas. O que resta ao governo? Subornar o Congresso para institucionalizar um calote (postergando o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça) e destinar R$ 80 bilhões para levar o benefício de R$ 400 a 17 milhões de famílias. A manobra é imoral, mas pode se tornar legal se o Senado seguir a mesma toada da Câmara e aprovar a PEC dos Precatórios. O problema é que nem trocar o pagamento de precatórios por esmola resolve algo crônico no Brasil, que é a armadilha da pobreza. Na verdade, o mercado reagiu muito mal ao valor do Auxílio Brasil e sua ameaça ao teto de gastos. Pois, paradoxalmente, se tudo vai mal na economia, pode ir bem para os políticos. Reproduzo aqui um trecho do livro de Banerjee e Duflo que explica melhor:

“Boas instituições econômicas estimularão os cidadãos a investir, acumular e desenvolver novas tecnologias, e resultado disso é que a sociedade prosperará. Instituições econômicas ruins terão efeitos opostos. Um problema é que os governantes, que têm o poder de moldar instituições econômicas, não consideram necessariamente interessantes para si próprios permitir que seus cidadãos se desenvolvam e prosperem. Eles podem estar pessoalmente melhores com uma economia que imponha muitas restrições sobre quem pode fazer o quê (as quais relaxam seletivamente a seu favor), e o enfraquecimento da concorrência pode, na verdade, ajudá-los a permanecer no poder.” Bolsonaro já sabia disso.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO