Quando tudo parece tão complicado, como nestes dias, vale lembrar aqui uma história que faz acreditar que o mundo tem jeito. E, para ficar no tema desta coluna, tem jeito porque muita gente já sabe que a igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres não é inatingível – ao contrário, é uma questão de (boa) vontade, de persistência e, de quebra, de políticas públicas coerentes em que todos saem ganhando.

Esta história que parece fábula mistura meninas, árvores e formigas e acontece na Índia, não exatamente um bom lugar para nascer mulher. O país tem indicadores ruins em muitos quesitos da (des)igualdade de gêneros, alguns construídos em cima de tradições milenares. Casos de estupro, muitos deles coletivos e que acabam em morte, são a face mais trágica desses indicadores.

Mas numa vila no estado do Rajastão, na fronteira com o Paquistão, há exatos 14 anos um pai que perdeu sua filha ainda pequena decidiu mudar o destino das meninas à sua volta. Shyam Sunder Paliwal, o pai, plantou para ela uma árvore e conta que, nesse dia, se deu conta do quanto uma menina precisa ser apoiada e valorizada para dar conta do cenário em que vivemos – e não apenas nos confins da Índia.

Como uma das autoridades locais, ele conseguiu convencer seus pares a implantar uma ideia singular: para cada menina nascida, e são cerca de 65 por ano, 111 árvores seriam plantadas nos arredores da vila muito árida, e muito pobre. O número 111, na cultura indiana, representa o sucesso.

Naquela altura, a região em que fica Piplantri tinha 928 mulheres para cada 1.000 homens, segundo dados oficiais. Esse desequilíbrio que contraria as regras da natureza pode ser explicado de várias formas, nenhuma delas longe de ser cruel. Ainda assim, as meninas eram (continuam sendo em muitos lugares, infelizmente) um investimento para famílias pobres, que seguiam a tradição de casá-las quando chegassem à puberdade por um dote muitas vezes irrisório, mas que fazia diferença nas contas da casa. Não valia a pena sequer mandá-las para a escola.

Portanto, além das árvores para homenagear simbolicamente o nascimento de cada menina, a vila decidiu focar em duas outras medidas fundamentais: uma poupança em dinheiro depositada em uma conta que só pode ser acessada quando ela completa 20 anos, e o compromisso da família de que a menina não se casará até ter sua maioridade, frequentando a escola enquanto isso. A família dá uma parte pequena do dinheiro, e a comunidade doa o restante. Os valores são iguais para todas as meninas.

Agora, 14 anos depois, quando deveriam estar sendo casadas à força, as primeiras meninas que receberam as árvores e o dinheiro em seu nome continuam estudando – e vivendo sua adolescência. Idem as mais novas, que ganharam uma infância. Suas famílias estão convencidas do acerto de abandonar uma tradição ultrapassada e, além disso, as milhares de árvores plantadas no entorno da vila, cuidadas por todos, não mudaram apenas a paisagem: resolveram também o problema da secura local, facilitando o abastecimento de água. Mais: para que pudessem ser protegidas das formigas, elas foram cercadas de arbustos que produzem aloe vera, matéria prima cobiçada na indústria de cosméticos e de comida saudável. O bosque se tornou um pilar importante da economia local.

E como uma boa ideia sempre puxa outra, o novo objetivo da vila já está definido: os moradores se mobilizam para melhorar a qualidade da educação das meninas de Piplantri. Já que chegaram até aqui, querem agora que elas se transformem em cidadãs, sejam financeiramente independentes e empoderadas. Para quem já mudou tanta coisa em tão pouco tempo, não parece impossível.