O empresário pernambucano Flávio Rocha, dono de uma das maiores redes varejistas de moda do País, a Riachuelo, com faturamento de R$ 4,2 bilhões no ano passado, se tornou uma das vozes mais ativas no mundo empresarial brasileiro nos últimos anos. Sua posição crítica contra o inchaço estatal e contra o excesso de intervenção do governo na economia estampou seu nome em posição de destaque na imprensa nacional. Nos últimos meses, no entanto, Rocha se viu sob os holofotes também do noticiário judicial, acusado de caluniar e difamar uma procuradora que aponta irregularidades de sua empresa na área da terceirização. “Existe, claramente, um cerco burocrático que se manifesta de forma ameaçadora”, diz Rocha. Acompanhe, a seguir, sua entrevista:

DINHEIRO – O sr. se tornou réu na Justiça Federal do Rio Grande do Norte, na semana passada, sob acusação de caluniar e difamar pela internet uma procuradora do Trabalho, que investiga irregularidades na contratação de terceirizados em sua empresa. Qual a sua posição sobre essa polêmica?

FLÁVIO ROCHA – De fato eu abri uma discussão que considero absolutamente relevante, não na condição de acionista ou de dono de empresa. Falei autorizado por todos os elos da cadeia de um setor de extrema relevância, que é o maior empregador do Estado do Rio Grande do Norte e que estava sob séria ameaça. Havia um caminho jurídico que colocava em risco dezenas de milhares de empregos. Então, fiz um post na internet com a minha opinião, mas não imaginava que isso estava atravessado na garganta de tanta gente. Isso deflagrou uma onda de solidariedade de todos os setores, principalmente dos trabalhadores. Fui realmente acionado, mas ainda não fui notificado, e estou surpreso porque as minhas colocações foram absolutamente amenas, falando de teses, de ideias. Se houve algum excesso, até já me retratei. Mas existe, claramente, um cerco burocrático que, no Rio Grande do Norte, se manifesta de forma ameaçadora.

DINHEIRO – Esse episódio irá mudar sua postura como empresário?

ROCHA – Não. Eu acho que esse episódio foi muito construtivo do ponto de vista de antecipar uma ameaça a todas as reformas que são essenciais para o País, e para iniciar um novo ciclo de desenvolvimento. Existe um movimento anti-reformista assumido, no sentido de deter ou impedir a implementação da reforma trabalhista, que é uma conquista do trabalhador. É ele quem paga o preço mais caro pela degradação do ambiente de negócios no Brasil, cujo grande protagonista tem sido o fechamento deste cerco burocrático e normativo.

DINHEIRO – O sr. acredita que existem interesses por trás dessa ação?

ROCHA – Difícil dizer. Essa ação foi particularmente dolorosa para mim porque atinge o meu propósito de vida. O pensador Mark Twain dizia que os dois dias mais importantes da vida são o dia em que você nasce e o dia em que você descobre o porquê. Eu descobri meu propósito de vida quando fiz uma viagem para a região da Galícia, na Espanha, em 2009. É uma região com muita similaridade com o Nordeste brasileiro. Tem uma clara vocação têxtil. Lá eu vi implementado o poder transformador da cadeia têxtil. Estávamos lá, no auge da crise econômica mundial, iniciada em 2008, depois da quebra do Lehman Brothers. A Espanha estava sofrendo com uma taxa de 25% de desemprego, a economia da Europa estava devastada e, por contraste, a economia da Galícia vivia o pleno emprego. Tudo isso graças à indústria têxtil.

Ex-presidente Lula, que lidera a intenção de voto na corrida eleitoral do ano que vem (Crédito:WILTON JUNIOR)

DINHEIRO – Mas não existe, de fato, uma recorrência maior de exploração de trabalhadores no setor têxtil?

ROCHA – A cadeia da costura é estratégica para a economia. A costura recebe apenas 5% dos investimentos do setor têxtil, mas gera 80% dos empregos da cadeia. E a costura não tem compromisso com escala. Você pode espalhar a produção em várias pequenas oficinas, enquanto a fiação e a tecelagem têm de ter uma escala grande para ser eficiente. Uma oficina de costura, com 30 ou 50 funcionários, consegue atingir o patamar máximo de eficiência. Nós estamos projetando transformar o perfil econômico do Rio Grande do Norte com trezentas oficinas.

DINHEIRO – Se o setor é tão importante, por que as empresas têxteis sempre estão no foco das fiscalizações de irregularidades trabalhistas e trabalho escravo?

ROCHA – Por que existia um vácuo jurídico por falta da Lei da Terceirização. Mesmo assim, isso não impediu que várias redes confeccionistas se alimentassem de pequenas oficinas que existiam há décadas lá. Quando veio a Lei da Terceirização, decidimos tocar esse projeto porque já não havia dúvida jurídica. Estávamos com sessenta oficinas, apesar de o projeto original prever trezentas. Daí recebemos uma autuação de R$ 38 milhões, que é, mais ou menos, o resultado anual desta operação no Rio Grande do Norte. Fomos autuados sem termos afrontado nenhum artigo da lei. Nesse caso, é o próprio agente da lei que está contra a lei. Fomos autuados por danos morais, em torno de uma tese jurídica, uma tese exótica, chamada de subordinação estrutural, que é a negação do que o legislador determinou na Lei da Terceirização. Apenas para esclarecer, se a subordinação estrutural fosse aplicada na região do ABC paulista, por exemplo, simplesmente extinguiria a indústria automobilística. Se for aplicada em qualquer cidade do Brasil, extingue a indústria da construção civil. Se for exigida de qualquer montadora ou de qualquer construtora o que está sendo exigido de nós lá, significa que uma Fiat em Betim vai ter que assumir todo o seu cinturão de 50 fornecedores e se tornará um gigante inadministrável, com 400 mil carteiras assinadas, eliminando a grande modernidade da economia matricial. Mas eu tenho a certeza que a serenidade da Justiça do Trabalho vai se sobrepor a essa interpretação que coloca em risco todo o setor. Estou confiante que a Justiça vai corrigir esse excesso, essa tese exótica, que é uma contradição da lei .

DINHEIRO – Por que o sr. decidiu se retratar de sua declaração?

ROCHA – Eu mesmo já me retratei porque a minha intenção foi me manifestar sobre os riscos a dezenas de milhares de empregos e o futuro do setor têxtil. Na região do Seridó, por exemplo, onde estão essas sessenta oficinas, a transformação é visível. Havia cidades de 15 mil habitantes que não possuíam sequer um trabalhador com carteira assinada. Cidades que, com mais de seis anos de seca, vivem apenas de Bolsa Família, Fundo Rural ou de penduricalho e cabides de empregos nas prefeituras. Ou seja, zero de atividade produtiva. Então, assim como eu vi na Galícia, o setor têxtil seria redentor para o Estado.

DINHEIRO – Com a reforma trabalhista, esses tipos de problema não existirão?

ROCHA – A reforma trabalhista tem, segundo estudo do Banco Mundial, potencial de fazer o Brasil galgar 31 posições no ranking de competitividade. Sair desse humilhante centésimo vigésimo lugar para octogésimo alguma coisa. Porque, realmente, o cerco trabalhista tem sido o grande fator de perda de competitividade e desestímulo ao investimento. Isso é particularmente perceptível na indústria. Esse é o grande fator que está matando o promissor ciclo de industrialização no Brasil. A indústria ainda está restrita a 9% do PIB. Estamos, precocemente, entrando em uma economia de serviços e varejo, que respondem por 75% dos empregos. A lei é totalmente anacrônica e inadequada à economia brasileira. A legislação trabalhista aqui, feita nos tempos de Getúlio Vargas, tinha uma perspectiva de que a única chance de emprego formal era na indústria, com sua rigidez de horários. No varejo e serviços, essa rigidez é completamente nociva.

DINHEIRO – A reforma trabalhista que entrou em vigor na semana passada é suficiente ou precisará passar por novos ajustes?

ROCHA – Não, a reforma é suficiente. E gostaria de poder aqui saudar o trabalho do magnífico Rogério Marinho (deputado federal e relator da reforma trabalhista), que recebeu do governo uma reforma tímida, e transformou em uma reforma real, com todo esse impacto na competitividade. A garantia das conquistas sociais não se dá pela caneta do regulador, se dá pela prosperidade. E o contrassenso é que justamente o grande inimigo da prosperidade é esse excesso normativo, esse cerco burocrático que aqui se determinou. Nos últimos dez anos, o trabalhador chinês triplicou sua renda em dólar. Enquanto que no Brasil, no mesmo período, caiu 10%. Hoje, um trabalhador chinês, apesar de todo esse mito de condições degradantes, ganha mais do que um brasileiro, na média. Isso se deve ao fato de que a relação entre capital e trabalho deve ser gerida pela sabedoria suprema do livre mercado, que permite flexibilidade. Aqui, o ambiente enrijecido por leis extremamente detalhistas e ultrapassadas está determinando a estagnação da produtividade e da competitividade do Brasil.

DINHEIRO – O presidente Michel Temer conseguirá aprovar outras reformas, como o da Previdência, antes de terminar o mandato?

ROCHA – É absolutamente imprescindível que sim. Acho que vai acontecer a mesma coisa que vimos na reforma trabalhista. Existe uma insegurança pela grande impopularidade do governo, mas já está provado que as reformas não são do governo, são da sociedade. A cabeça do brasileiro mudou. Essa década que nós passamos não foi uma década perdida, foi a década do aprendizado. Quando a reforma da previdência conseguir desvincular sua imagem da imagem do governo, vai se turbinar e ganhar musculatura para ser transformada na reforma que o Brasil mais precisa.

DINHEIRO – A recuperação econômica já se reflete nos números da Riachuelo?

ROCHA – Nesse primeiro semestre, tivemos o melhor resultado dos 70 anos de história. Apresentamos também um terceiro trimestre exuberante, com quase 200% de crescimento. A retomada é real e chegou para ficar. Claro que o pequeno varejo sofreu mais. Houve uma carnificina do setor, com o fechamento de mais de 200 mil lojas entre 2015 e 2016. Pelos números do IBGE, abril de 2017 foi o mês da virada, depois de 24 meses de números fortemente negativos. Isso aponta para um fim de ano muito positivo.

DINHEIRO – Como foi possível crescer em um ambiente de crise?

ROCHA – A Riachuelo teve uma transformação em seu modelo de negócios, que agora está trazendo grandes frutos. Era muito verticalizada. Tínhamos empresas com independência operacional. Hoje somos verdadeiramente integrados. Isso se traduziu em mais eficiência por metro quadrado. Estamos com a melhor performance da história. Crescemos 4% no primeiro trimestre, 8% no segundo trimestre e crescemos quase 15% em receita.

DINHEIRO – O modelo ‘fast fashion’ já não está saturado, com uma forte concorrência?

ROCHA – De forma alguma. O nosso modelo é único na expressão ‘fast fashion’, que tem sido usada de forma errada. ‘Fast fashion’ significa transformar os conflitos que existem entre fabricantes, confeccionistas, tecelagens e varejo, em grandes sinergias. Isso se faz colocando todos os elos da cadeia debaixo do mesmo guarda-chuvas acionário. Só o nosso modelo traz a integração total, indo um passo além de concorrentes como Zara, H&M, Topshop, Forever 21 e Uniqlo, que uniram a confecção e o varejo. Já nós unimos desde o primeiro fio até o pós-venda.

Oficina de costura no Rio Grande do Norte, fornecedora para redes como a Riachuelo (Crédito:Paula Giolito)

DINHEIRO – O Brasil pós-crise será um país mais liberal?

ROCHA – O inchaço desmesurado do Estado tirou a competitividade. Aqui no Brasil o carrapato ficou maior do que o boi. O Estado já responde por quase 50% do PIB, se considerarmos o déficit fiscal e os monopólios estatais. A incrível burocratização e engessamento das regras, com a regulação exagerada, cria uma situação tóxica para o setor produtivo. Uma vez recuperada a competitividade, teremos um forte crescimento. O Brasil é um mercado de 9 bilhões de peças de roupa. A Riachuelo responde por 200 milhões de peças. Temos cerca de 2% do mercado. E somos os líderes. Em todo o mundo, a média dos líderes de mercado é de 15%.

DINHEIRO – Esse cenário de crescimento e recuperação leva em conta um ano de eleição, com Lula e Bolsanaro liderando?

ROCHA – A liderança de Lula e Bolsonaro é cenário transitório. A real mudança está acontecendo na raiz, na cabeça do eleitor. Os eleitores estão melhores e aprenderam muito com os tropeços dessa última década. Hoje sabem que não se resolve os problemas via Estado inchado, via Estado interventor. Estamos saindo de um ciclo de protagonismo estatal para entrar em um ciclo de valorização do indivíduo. Essa mudança se traduzirá nas urnas. Ainda não apareceu o rosto do próximo presidente. Mas o próximo presidente será um liberal reformista. Será um presidente comprometido com o binômio da prosperidade, que é democracia e livre mercado. Eu sonho em morar em um País normal. Um Estado hipertrofiado resulta em capitalismo de conluio, que é a negação da essência do capitalismo. Traz o triste modelo de capitalismo de partido, que é o pior que pode acontecer. Partidos se apropriando de empresas, de diretorias.

DINHEIRO –Qual a sua avaliação da equipe econômica?

ROCHA – Nós devemos a essa equipe, liderada por Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn, o verdadeiro milagre que está acontecendo na economia. A inflação caindo de dois dígitos para 2%, a taxa de juros despencando, o índice de confiança subindo, o varejo retomando, a Petrobras, que tava moribunda, retomando. Isso mostra o poder das ideias boas sendo bem aplicadas. O ideário que rege o País hoje está absolutamente correto.