Há 15 anos na Cyrela, o judeu ortodoxo Efraim Horn, filho do fundador da construtora e incorporadora brasileira, Elie Horn, enfrentou o maior desafio de sua trajetória profissional nos últimos três anos. O empresário assumiu a presidência da companhia em meados de 2014, junto com o seu irmão Raphael. De cara, ele se deparou com a missão de conduzir a tradicional empresa em meio a uma das piores crises econômicas do Brasil. O cenário atingiu em cheio o setor imobiliário, que sofreu com a queda da demanda e o aumento expressivo dos cancelamentos de contratos – os chamados distratos.

Com a Cyrela não foi diferente. A companhia viu sua receita líquida encolher pela metade de 2014 até o ano passado. Seu lucro líquido também foi caindo ano a ano até chegar ao prejuízo de R$ 95 milhões em 2017 (leia mais no quadro ao final a reportagem). “Reconhecemos o momento da economia e abrimos mão de vários negócios que não eram necessários, selecionando muito mais os terrenos”, diz o copresidente da empresa, Efraim Horn. Além de ter adaptado a operação à nova realidade, um dos grandes méritos da construtora foi ter mantido uma boa estrutura financeira no período recessivo. No primeiro trimestre deste ano, a relação entre a dívida líquida e o patrimônio líquido da Cyrela ficou em 16,8%, uma alavancagem considerada baixa.

Visão: para Efraim Horn um dos focos da empresa daqui para frente será a inovação (Crédito:Claudio Belli/Valor)

Para efeito de comparação, a concorrente Even registrou 46,8% nesse indicador no mesmo período. “A Cyrela passou todo o ciclo de altas e baixas dos últimos anos mantendo a saúde financeira”, diz Renan Manda, analista do banco Santander. “Agora, ela está em uma posição muito confortável para a retomada.” Depois de guiar a empresa pela crise, o novo desafio de Efraim e Raphael Horn é dar o próximo passo para conduzir a Cyrela em uma nova trajetória de crescimento, em um momento em que o setor começa a dar os primeiros sinais de recuperação. As taxas de juros dos financiamentos imobiliários estão menores, o número de distratos começa a cair e a demanda já dá indícios de uma melhora consistente (leia mais aqui).

Alto padrão: uma aposta da empresa é o segmento de luxo. Para isso, fechou parceria com estúdios importantes, como o italiano Pininfarina, que desenha a Ferrari, e fez um dos prédios da Cyrela, entregue neste ano

Com a dinâmica mais otimista no mercado, a Cyrela planeja superar o Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 3,05 bilhões dos 39 lançamentos realizados em 2017, embora não revele as metas previstas para este ano. No primeiro trimestre, foram lançados seis imóveis, contra três em igual período do ano passado. A maior parte dos novos empreendimentos previstos para este ano – cerca de 80% – será no Estado de São Paulo. O restante se dividirá entre Porto Alegre e Rio de Janeiro. Do total, dois terços serão de alto e médio padrão, com ao menos um novo imóvel de luxo, aos moldes do prédio feito em parceria com o estúdio Pinifarina e entregue este ano. Os outros empreendimentos serão voltados à baixa renda, dentro do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) e por uma joint venture com a Cury, construtora com foco no segmento.

A comercialização dos imóveis em estoque também tem melhorado e deve seguir em alta . “Abril e maio foram meses muito bons para as vendas”, diz Paulo Gonçalves, diretor de finanças corporativas da Cyrela. A melhora nas vendas vai ajudar em uma das prioridades da empresa para o ano: reduzir o estoque, que hoje está em um patamar bem distante do ideal. A companhia detinha no primeiro trimestre R$ 6 bilhões em estoque, sendo que mais de 40% são de empreendimentos prontos. “A Cyrela está com um nível de estoque elevadíssimo e principalmente de imóveis prontos, que além de não gerar caixa, geram custos”, diz Felipe Silveira, analista da Coinvalores. A expectativa é reduzir o valor para R$ 4 bilhões até 2020, chegando a um índice saudável, equivalente a 12 meses de vendas. Até o prazo, a Cyrela também planeja atingir um retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) de 15%, resultante de um patrimônio de R$ 4 bilhões e de um lucro de R$ 600 milhões.

Um dos alicerces dos planos da Cyrela é a inovação. A empresa está trabalhando com 20 startups que desenvolvem soluções para o mercado imobiliário e enxerga uma oportunidade imensa no uso de tecnologia. As parcerias, que não envolvem aportes, já têm dado resultado. Há um ano, por exemplo, a construtora fechou um acordo com a Nuveo, que desenvolveu um software de inteligência artificial para automatizar o pagamento de IPTUs. A solução é usada em mais de 5 mil unidades em estoque. “Antes, a gestão de pagamento era muito complexa”, afirma Juliano Bello, diretor administrativo da empresa. O uso do sistema gerou, até aqui, economia de R$ 1,5 milhão.

Outros exemplos são a parceria com a Agenciou, para a comercialização de imóveis prontos, e o uso da realidade virtual nas vendas. “O cliente consegue se enxergar dentro do imóvel e analisar os mínimos detalhes”, diz Efraim. Mesmo com as iniciativas, há um consenso entre os analistas ouvidos pela DINHEIRO que a recuperação da empresa será gradual. Mas eles entendem que a Cyrela está bem preparada para aproveitar o novo ciclo do setor. “É a hora da virada e sairá na frente quem está com o balanço forte”, diz Manda, do Santander. “É o caso da Cyrela, que está com baixo endividamento e gerando caixa”. Esse já é um primeiro passo importante para a companhia voltar a seus melhores dias.