Um dos principais símbolos dos crimes de corrupção que vieram à tona a partir de 2015, com a operação Lava Jato, a Odebrecht vive, desde então, uma verdadeira saga para se livrar de seu passado nebuloso, assegurar sua sobrevivência e reconstruir sua história. Pressionado pelas restrições de crédito e por uma dívida de mais de R$ 90 bilhões, o grupo baiano deu início a um plano de desinvestimentos há pouco mais de dois anos, com o objetivo de arrecadar R$ 12 bilhões. O conglomerado se desfez de operações como a Odebrecht Ambiental, comprada, em 2017, pelo fundo canadense Brookfield, por R$ 2,9 bilhões. Outros negócios foram colocados à venda e deixaram claro que o futuro da empresa passa pela redução considerável de seu tamanho.

Durante todo esse tempo, um “artigo”, no entanto, parecia estar fora desse balcão: a participação de 38,3% na Braskem e de 50,1% em seu capital votante. Maior petroquímica da América Latina, a companhia se tornou o ativo mais valioso do grupo, à medida que a Odebrecht Engenharia e Construção, que, até então ocupava esse posto, perdia relevância sob o impacto dos escândalos. Contrariando as expectativas do mercado, que apontavam para uma inevitável pulverização do capital da Braskem, a Odebrecht fazia questão de reafirmar a intenção de manter sua joia da coroa.

Investidor: à frente da gestora Access Industries, o bilionário ucraniano Leonard Blavatnik é um dos principais acionistas da LyondellBasell (Crédito:Sovfoto/UIG via Getty Images)

Esse apego, porém, parece ter ficado para trás. Em meados de junho, a Odebrecht anunciou que fechou um acordo de exclusividade com a holandesa LyondellBasell para discutir uma transação envolvendo o controle da Braskem. “Acreditamos que a potencial combinação das forças complementares, portfólios de produtos e áreas operacionais criariam um valor significativo aos nossos acionistas, clientes e colaboradores”, escreveram as duas companhias, em um comunicado conjunto, ressaltando que não há garantias de que as tratativas, tocadas sob confidencialidade, resultarão, obrigatoriamente, em um negócio. Em fato relevante, a Braskem destacou que foi informada sobre a negociação, o que incluiu a promessa de que, caso ela seja concretizada, serão garantidas as mesmas condições aos demais acionistas da empresa.

A lista inclui a Petrobras, outra gigante no epicentro da Lava Jato e que vem seguindo o mesmo roteiro de venda de ativos. A estatal tem uma fatia de 36,1% na Braskem e afirmou, em nota, que irá analisar os termos da oferta. A julgar pelos movimentos recentes da companhia, tudo indica que ela irá aderir a um eventual acordo. Com a notícia, as ações da Braskem chegaram a ter uma alta de mais de 20% no pregão da sexta-feira. “Os múltiplos médios da Braskem são muito inferiores aos das suas rivais internacionais”, diz Luiz Francisco Caetano, analista da Planner Corretora. “Por isso, os investidores enxergam um alto potencial de reprecificação da ação nessa transação.”

A negociação é alvo de especulações desde outubro do ano passado, quando o jornal americano Wall Street Journal publicou uma reportagem sobre o interesse da LyondellBasell na companhia brasileira. Conforme apurou a DINHEIRO, ainda não há uma proposta com valores na mesa. Entre as possibilidades está um acordo envolvendo troca de ações e dinheiro. Hoje, a fatia do grupo baiano na Braskem vale cerca de R$ 14,5 bilhões, levando-se em conta o valor de mercado da Braskem, de R$ 38 bilhões. Segundo o jornal Valor Econômico, a Odebrecht busca um prêmio entre 25% e 40% e planeja deter uma participação de 10% na nova operação.

Em alta: sob o comando de Fernando Musa, que assumiu como CEO em maio de 2016, a Braskem saiu de um valor de mercado de R$ 18 bilhões, na época, para os atuais R$ 38 bilhões (Crédito:Felipe Gabriel)

“Eles ainda estão fazendo o cálculo do ativo”, disse uma pessoa próxima às empresas. “Nos próximos meses, os holandeses irão fazer o due dilligence, pois precisam avaliar os aspectos estratégicos, os riscos e os buracos do negócio”, afirmou a fonte, ressaltando que a conclusão de todo o processo para um possível acordo, o que inclui o tag along aos minoritários, pode levar mais de um ano. Outra questão que será colocada em pauta é o fato de a Odebrecht ter cedido a participação na Braskem como garantia de empréstimos feitos junto aos bancos Bradesco, Itaú Unibanco, Santander, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no valor de R$ 12 bilhões.

GIGANTE HOLANDESA Com sede em Roterdã, a LyondellBasell foi fundada em 2007, quando a holandesa Basell comprou a americana Lyondell Chemical, por US$ 12,7 bilhões. Dois anos depois, em meio a uma dívida de mais de US$ 20 bilhões, a “novata” pediu proteção contra falência, da qual saiu um ano depois, quando abriu capital na Bolsa de Valores de Nova York. Entre seus investidores, estão os fundos BlackRock e Vanguard. Uma das principais acionistas é a Access Industries, gestora de investimentos do bilionário ucraniano Leonard Blavatnik, que comprou, em 2011, a gravadora Warner e tem participações em empresas de tecnologia e química, além de empreendimentos imobiliários.

Avaliada em US$ 42 bilhões, a holandesa fechou 2017 com uma receita de US$ 34 bilhões. E vem investindo para ampliar a capacidade em suas 55 unidades de produção, o que inclui onze joint ventures em países como México, Arábia Saudita, Austrália e China. Em um eventual acordo para combinar seus negócios com a Braskem, o acesso ao mercado sul-americano seria justamente um dos grandes benefícios para a LyondellBasell. Com forte atuação na América do Norte, Europa e Ásia, a empresa tem uma presença tímida na região, com apenas uma fábrica em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo.

Expansão: unidade da Lyondellbasell em Houston (EUA). A holandesa vem investindo para ampliar sua capacidade de produção (Crédito:Divulgação)

As vantagens não estariam restritas ao continente. A partir das operações combinadas das duas companhias, a nova operação assumiria a ponta global na produção, por exemplo, de polipropileno. Hoje, a estatal chinesa Sinopec lidera esse ranking, com uma capacidade anual de 6,1 milhões de toneladas. LyondellBasell e Braskem ocupam, respectivamente, a segunda e a terceira colocações, com 5,3 milhões e 4 milhões. “O acordo melhora substancialmente a posição da LyondellBasell em propileno na América do Norte”, diz Jonas Oxgaard, analista da consultoria americana Sanford C. Bernstein.

A “demora” para colocar o controle da Braskem à venda parece se justificar. Hoje, a Odebrecht tem nas mãos um ativo muito mais valorizado, o que vai ao encontro da sua necessidade fazer caixa. Essa urgência ficou explícita em maio, quando o grupo buscou um empréstimo de R$ 2,6 bilhões para quitar os juros de títulos emitidos no exterior, vencidos em abril. “A ideia é que o valor do acordo será injetado na construtora e no pagamento de pendências”, diz uma fonte próxima à empresa. Com Fernando Musa como CEO desde maio de 2016, a Braskem saltou de um valor de mercado próximo de R$ 18 bilhões, na época, para a faixa atual de R$ 38 bilhões.

“A rentabilidade da operação vem tendo uma evolução notável, especialmente com a expansão geográfica e de diversificação de matéria-prima”, diz Caetano, da Planner. Há quem enxergue, porém, reflexos negativos no acordo. “Na prática, a Braskem, com seu projeto de ser uma empresa global, deixa de existir, pois ela vai ser diluída dentro de uma multinacional. A empresa está pagando o preço pela corrupção dos seus acionistas”, diz uma fonte do setor, que destaca ainda que o transação cria uma dúvida sobre qual será a atuação da Odebrecht na condução de seu portfólio. “O grupo sempre deixou claro que nunca aceitaria ser apenas um gestor de investimentos. Mas, ao que tudo indica, essa parece ser a alternativa que restou à companhia.”