Culpar Bolsonaro pela completa destruição da marca Brasil é pouco. A conversão do País em pária global, uma nação percebida pelas demais como ameaça sanitária, ambiental e aos direitos humanos, é uma obra coletiva – e que teve o apoio de empresários de diversos setores. Como afirmou o ex-ministro e diplomata Rubens Ricupero em recente entrevista à IstoÉ, é longa a lista de temas em que o Brasil “está completamente na contramão do que se poderia chamar de estado atual da consciência moral da humanidade”. E a irracionalidade do governo, que nos envergonha não apenas por sua conduta em assuntos como a destruição da Amazônia ou a negação da pandemia de Covid-19, é fruto também da adesão de parte do setor privado à irracionalidade do programa bolsonarista.

A insensatez de um governo genocida não se traduz apenas em sucessivos recordes de mortes. De forma igualmente sádica e irresponsável, o poder público tem destruído os setores que poderiam acelerar uma retomada no pós-pandemia: a educação, a economia criativa e o comércio internacional. Neste último campo, as decisões do governo têm sido tão prejudiciais que não basta destituir Ernesto Araújo do posto de chanceler para cessar o estrago. A percepção internacional é a de que o Itamaraty permanecerá seguindo as ordens do capitão, assim como ocorre nas pastas da saúde e do meio ambiente.

É difícil saber se a ideia de indispor o Brasil contra seus maiores parceiros comerciais, caso da China e dos países árabes, foi algo pensado por Bolsonaro. Mas tirar o Brasil da posição de país indesejado exigirá total empenho do setor privado. E não se trata de criar uma peça publicitária eficiente, um case de sucesso internacional como o das sandálias Havaianas. É preciso que a marca Brasil renasça como algo muito maior do que uma nova embalagem para um produto defasado. O Brasil precisa provar que merece respeito e admiração. Isso pressupõe reciprocidade. Para sermos bem tratados, devemos tratar os outros com civilidade, sem ofender a mulher do presidente francês ou fazer piada com a genitália de toda uma etnia. Se nossas lideranças empresariais não demonstram repudiar tais comportamentos, deveriam. Pois estão correndo o sério risco de serem identificadas como coniventes.

Quando o Brasil ainda era Império, nossa diplomacia foi confiada à nobreza. O Marquês de Aracati foi titular da pasta que no Primeiro Reinado recebia o nome de Negócios Estrangeiros. A partir de 1843, o ministério ficou a cargo de Paulino José Soares de Sousa, o Visconde do Uruguai. Nascido em Paris, ele é tido como o fundador da diplomacia profissional brasileira e um dos mentores do Barão do Rio Branco, o patrono do Ministério das Relações Exteriores. Embora defendesse os interesses dos proprietários nacionais, o Visconde do Uruguai teve papel decisivo nas negociações com a Inglaterra pelo fim do tráfico de escravos no Brasil. No que dependesse dos militares, o assunto seria resolvido a bala, como ocorreu em 1850, na troca de tiros entre a Fortaleza de Paranaguá e o cruzador britânico HMS Cormorant. Ainda naquele contexto já era inadmissível supor que “quando acaba a saliva, tem que ter pólvora”, como afirmou Bolsonaro ao comentar possíveis barreiras comerciais impostas ao Brasil pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, caso os índices de desmatamento da Amazônia permaneçam subindo. Evidentemente, a ameaça soou como piada. Mas em hipótese alguma ela pode ser confundida com o pensamento da classe empresarial brasileira. Se pretendem fazer negócios com estrangeiros, participar do comércio global de bens e serviços e se distanciar da irracionalidade de Bolsonaro, os empresários brasileiros devem adotar com urgência um projeto de rebranding da marca Brasil. E essa reconstrução precisa começar pela própria imagem que o setor privado deseja ter lá fora. Hoje, embora não perceba, esse retrato tem as cores que Ernesto Araújo pintou.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO e, a partir desta edição, alternará este espaço com o redator-chefe Edson Rossi