O executivo Octavio de Lazari Junior, 54 anos, assumiu o comando do Bradesco, em março passado, com algumas missões muito claras: manter a tradição do banco da Cidade de Deus, em Osasco, guiar a instituição financeira em meio às turbulências econômicas e eleitorais pelas quais o Brasil passa, e tornar o Bradesco cada vez mais digital. Em uma longa entrevista ao programa MOEDA FORTE na TV Dinheiro, Lazari, com mais de 40 anos de experiência no mercado financeiro, fala sobre a nova fase do Bradesco e não foge de nenhum assunto, sejam eles spread, concentração bancária, políticas do Banco Central, eleições, reformas e até a campanha da Fiesp que ataca os juros praticados pelos bancos brasileiros. “O spread vai cair a partir do momento que o País voltar a crescer e as pessoas tiverem mais emprego”, diz Lazari. Acompanhe os principais trechos e assista a íntegra da entrevista no site da DINHEIRO. Acompanhe:

DINHEIRO – O sr. assumiu o banco em março e já estreou com o pé direito. Os resultados do primeiro trimestre foram muito bons para o banco…

OCTAVIO DE LAZARI JUNIOR – É verdade, tivemos um resultado muito bom. Foram R$ 5,1 bilhões de lucro, um crescimento de praticamente 10% e um retorno sobre o capital de 18,6%. Mas eu diria que esses números são uma fotografia final. O importante é olhar o balanço como um todo. O balanço está muito bem equilibrado. Não há uma bala de prata que vai fazer o resultado melhorar. Todas as linhas de negócio precisam convergir e apresentar crescimento. E assim foi com o banco de atacado, com o banco de varejo, com o banco de investimentos, com a asset management, com a área de cartões, com o consórcio, com a seguradora. Contribuiu também a redução das despesas. Fizemos um ajuste muito profundo na redução de despejas, na redução de provisão, tivemos um crédito melhor e a inadimplência diminuiu. O resultado está vindo de todas as áreas do banco.

DINHEIRO – O sr. disse que reduziu custos, a inadimplência caiu e o crédito melhorou. De que forma isso foi feito?

LAZARI – Compramos o HSBC a algum tempo atrás e fizemos um trabalho de sinergia muito importante. Todas as áreas fizeram a lição de casa para a redução de custos. Agora, precisamos caminhar para a busca de resultados buscando sinergia de receitas.

DINHEIRO – Mas essa redução de custos passa pelo fechamento de agências e pelo desligamento de profissionais?

LAZARI – Passa, não tenha dúvida nenhuma. No ano passado, fechamos 500 agências. Mas não foi um fechamento que fez o banco sair de uma determinada praça. Normalmente, fechamos e abrimos um posto de atendimento avançado. Neste ano, devemos fechar ou mudar cerca de 200 agências. No ano passado foi mais forte porque fizemos o ajuste com o HSBC. Tínhamos agências sobrepostas, com paredes grudadas.

DINHEIRO – O sr. disse que a inadimplência melhorou. De que forma?

LAZARI – O banco vem fazendo um grande trabalho de análise de crédito. O cadastro positivo vai entrar em breve e vai ajudar muito na avaliação de crédito. Com várias ações tomadas ao longo do tempo e, sobretudo, com análise de modelos creditícios mais parrudos, conseguimos fazer a inadimplência cair. Mas isso tudo não funciona se não tiver mais emprego, melhores salários…

DINHEIRO – O banco passou a emprestar mais para a pessoa física e diminuiu o crédito para a pessoa jurídica. Por quê?

LAZARI – Esse é um movimento típico do que acontece numa economia como a que estamos vivendo no Brasil. As grandes empresas, que buscam mais recursos para aumentar a capacidade de produção, estão buscando capital de giro para repor seus estoques. E as empresas estão fazendo IPOs para buscar recursos que vêm de acionistas em vez de tomar recursos nas linhas naturais de crédito dos bancos. O BNDES, por exemplo, chegou a financiar cerca de R$ 200 bilhões por ano e hoje está desembolsando R$ 70 bilhões, R$ 80 bilhões. Houve uma retração de investimentos no Brasil. Temos de reconhecer, nos últimos cinco anos, passamos a pior crise que o Brasil pode ter vivido. Foi muito pior do que em 2008. Então, isso bate no empresário, ele fica mais preocupado.

DINHEIRO – E a pessoa física voltou a buscar mais crédito?

LAZARI – Por conta de tudo o que já te falei, de termos uma análise de crédito mais qualificada, e as pessoas começarem a ficar mais tranquilas com os seus empregos, elas buscam mais. Mas o crescimento do crédito de pessoa física está acontecendo nas carteiras em que devem acontecer. No consignado, no qual a taxa de juros é mais atrativa. No crédito imobiliário, no qual batemos recordes consecutivos em janeiro, fevereiro e março. Em março chegamos a bater R$ 1,1 bilhão em crédito imobiliário. Você já vê construtoras animadas dizendo que viraram a página do passado e olhando para frente. Do outro lado, também as pessoas voltaram a comprar veículos. O que quero dizer é que as pessoas estão procurando linhas de crédito que são mais consistentes com as necessidades delas e com taxas de juros menores.

DINHEIRO – Mas um dos grandes problemas do Brasil é a questão do spread. Por que os juros continuam tão caros para os consumidores e para as empresas?

LAZARI – Precisamos fazer uma diferenciação e olhar isso sob dois aspectos. Quando você olha o crédito imobiliário, o crédito consignado e o financiamento de veículos, as taxas de juros são extremamente bem comportadas, o mercado é disputado, e os spreads são baixos nessas operações. Se você pega um financiamento imobiliário, o spread do banco é de 1,5% no máximo. No de veículo, é de 4% a 5%. Mas existem algumas linhas de crédito que geram toda essa preocupação ou até essa satanização das operações de crédito que são o cheque especial e o cartão de crédito. Lógico que devemos lembrar que a inadimplência no Brasil é alta e isso prejudica muito. Mas não é só a inadimplência que acaba encarecendo. Existem vários outros custos, que estão embutidos no spread, que precisam ser levados em conta e que ninguém vê.

DINHEIRO – Quais?

LAZARI – Para cada agência que abrimos, temos que contratar dois homens armados para estar lá dentro. O Bradesco hoje tem 14 mil homens armados dentro de suas agências. Isso está no spread. Temos um índice de judicialização muito grande, nas esferas civil e trabalhista. Isso está no spread. Você tem, infelizmente, problemas de explosões de caixa eletrônicos. Para você ter uma ideia, quando se explodem menos de 15 caixas por semana, nós comemoramos. A média é de 17 a 20 caixas eletrônicos explodidos por semana. ‘Ah Octavio, mas o dinheiro que está no caixa eletrônico não é tudo isso, é R$ 30 mil, R$ 40 mil’. Mas o problema não é esse. É o trauma que causa nos funcionários e na população, é o dano patrimonial que tem de reconstruir a agência. Onde está esse custo? Isso está no spread. É o custo Brasil que está inserido aí. Todavia, as operações em que estamos buscando o crescimento são operações com spreads mais serenos para os nossos clientes. O cheque especial representa nos ativos de crédito dos bancos brasileiros menos de 1%. No Bradesco, representa 0,7%, isso é nada. É lógico que essa taxa do cheque especial vai cair. Estou dizendo isso há meses, não tenho dúvida.

“O BNDES hoje está desembolsando R$ 70 bilhões, R$ 80 bilhões. Houve uma retração de investimentos no Brasil”O banco de fomento chegou a desembolsar R$ 200 bilhões na economia. Hoje, não é nem a metade (Crédito:Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images)

DINHEIRO – Como esse spread vai cair?

LAZARI – Vai cair a partir do momento que o País voltar a crescer, a inadimplência começar a cair e as pessoas tiverem mais emprego. Quanto mais a taxa de inadimplência for reduzida, é natural o spread cair. Agora, os bancos, com o auxílio do Banco Central, tomaram medidas importantes. No cheque especial, quando o cliente ficar 30 dias com o cheque especial tomado, vamos chamar o cliente, explicar para ele que não é bom. Vamos fazer um parcelamento ou uma operação de crédito pessoal com uma taxa muito mais baixa. Ou seja, vamos ajudar na educação financeira para que as pessoas não fiquem penduradas no cheque especial. Isso é uma iniciativa da Febraban que o Banco Central concordou e vamos fazer isso. Os bancos não têm interesse nenhum em que as pessoas fiquem inadimplentes.

DINHEIRO – O sr. acha injusto, então, que digam que o spread alto é fruto da concentração bancária?

LAZARI – Em 1978, quando entrei no mercado financeiro, tínhamos entre 250 e 300 bancos no País. E tínhamos uma vida muito mais tranquila. Hoje, temos cinco grandes bancos no País, dois públicos, dois privados e um estrangeiro, e mais outros 100 bancos por aí. Eu nunca vi uma competição tão acirrada como a que temos hoje. Ela é muito mais forte. Se pensarmos nas outras indústrias no Brasil e no mundo. Quantas empresas de telefonia existem no mundo? Em qualquer segmento de mercado, você pode procurar esses exemplos. Talvez seja um próprio reflexo do mundo capitalista, no qual as empresas precisam crescer, ganhar escala para manter empregos, avançarem, fazer investimentos. Não importa se você tem dez, vinte ou trinta bancos. Como é a competição nos outros países? Olha a Europa, a Austrália, Canadá… Quantos bancos eles têm? E nem por isso os spreads são elevados. O problema não é por aí. O País entrando em ritmo de crescimento, tirando os penduricalhos que acabam sendo pagos pelo spread, conseguiremos ter uma taxa de juros e um spread mais palatáveis para nossos clientes.

DINHEIRO – Dados do Banco Central mostram que 72,9% dos empréstimos estão concentrados nos cinco grandes bancos. A Fiesp tem atacado os bancos por conta do spread. Como o senhor enxerga isso?

LAZARI – Vivemos numa sociedade democrática e temos de respeitar qualquer tipo de manifestação. Mas acho que esse não é o tipo de movimento que vai fazer o País crescer, que vai fazer com que a sociedade evolua. Em vez de ficar disputando, temos de juntar forças, seja a indústria, o comércio, o campo, os bancos, para que possamos construir uma agenda positiva para esse País. Não acredito que, na base da disputa, você vai encontrar melhores alternativas para o nosso País. O problema no nosso País não são os bancos. Estamos aqui para ajudar, para fazer o País crescer. Temos que pensar na sociedade brasileira como um todo, isso sim vai fazer com que tenhamos sucesso.

“Temos de fazer a reforma da previdência porque não temos como conviver com esse déficit todos os anos”A reforma da Previdência não andou no Congresso neste ano. Mas em 2019 terá de ser discutida novamente (Crédito:Wilson Dias/Ag. Brasil)

DINHEIRO – Como o senhor tem avaliado o trabalho de Ilan Goldfajn no comando do Banco Central?

LAZARI – O Ilan é um profissional extremamente capacitado, muito inteligente. O trabalho da equipe econômica tem sido muito bem direcionado e contundente. Ele está atacando os pontos que, de fato, precisam ser atacados. Estão aí as respostas para isso. Saímos de juros de 14,25%, estamos em 6,5% e devemos ir para 6,25%. A inflação está absolutamente controlada, abaixo do piso da meta. Todos os instrumentos de política monetária que o Banco Central poderia usar para poder melhorar o País, colocar o País no trilho de crescimento, ele está usando. Só cabem elogios para o trabalho que o Banco Central vem fazendo.

DINHEIRO – Qual é a sua expectativa em relação as reformas que precisam ser feitas, ainda mais em um ano eleitoral?

LAZARI – O País já tomou consciência disso, e quando falo País, digo o Banco Central, o Conselho Monetário Nacional, o Congresso Nacional, de que o Brasil não pode continuar como está. Temos uma agenda que precisa ser feita. A mãe de todas as reformas, a reforma da Previdência, infelizmente não andou, mas ela é absolutamente necessária. Temos de fazer a reforma da previdência porque não temos como conviver com esse déficit provocado pela previdência todos os anos. Uma parte da previdência terá de ser privada. As pessoas vão ter que se preocupar com o seu futuro porque o Estado não pode custear tudo isso. Independentemente do candidato que despontar e vencer as próximas eleições, a agenda para o País está dada. Ele sabe exatamente o que precisa ser feito. A reforma da previdência, a simplificação tributária… Não dá para uma empresa ter de 30 a 40 impostos. O custo só para gerenciar isso é muito grande. Isso acaba sendo cobrado no preço dos produtos e serviços que as empresas vendem.

DINHEIRO – A eleição de 2018 se assemelha a de 1989, quando tínhamos muitos candidatos. Como o sr. está analisando o quadro político?

LAZARI – Realmente, não há nenhum candidato que esteja avançado na preferência popular. Tanto é que o número de votos brancos e nulos ainda é maior. O que estamos olhando é que, independentemente de quem seja, essa pessoa terá de colocar o País no trilho de crescimento.

DINHEIRO – Falando em inovação, como o sr .enxerga o avanço das fintechs?

LAZARI – Para nós, elas podem ser a solução para muitas coisas que precisamos desenvolver e entregar para o nosso cliente. Para esses novos entrantes como as fintechs e as insurtechs, que são empresas que acabam se especializando em um tipo de produto, criamos o inovaBra. Estamos com mais de 40 empresas incubadas nesse espaço para que sejam nossas parceiras. Outro aspecto é o nosso banco totalmente digital que é o Next, voltado aos millennials. Você abre conta pelo celular e faz tudo pelo celular.

DINHEIRO – O Next já tem quantos clientes?

LAZARI – Atingimos 100 mil clientes. Noventa por cento são millennials, que têm uma jornada totalmente diferente. O Next tem uma linguagem voltada para esse público, ele é a porta de entrada para um cliente do mundo bancário. Quando esse cliente começar a ganhar mais, ele vai migrar.

DINHEIRO – As agências bancárias ainda têm futuro? Não vão acabar?

LAZARI – Acho que é o modelo que vai mudar. Tem muita gente que ainda prefere o olho no olho, falar com o gerente, entender o melhor investimento que pode fazer. Fico muito feliz, enquanto presidente do Bradesco e como ser humano, de saber que o ser humano ainda prefere o ser humano para falar de suas dificuldades, esclarecer os problemas, e sair mais tranquilo das nossas agências. O modelo de negócio das agências físicas vai continuar. O que vai acontecer é diminuir. Não precisa de uma agência de 1 mil metros quadrados, porque 90% das operações são digitais, mas precisamos de uma agência com 200 metros quadrados ou 300 metros quadrados com gente especializada.

DINHEIRO – Voltando a falar em inovação, na Europa o open banking já é obrigatório. Como o senhor enxerga isso?

LAZARI – O Banco Central já vem trabalhando nisso por conta de todo o movimento que aconteceu na Europa. É uma evolução natural do que vai acontecer. O que a gente sempre diz é que, gostamos de competição, mas queremos igualdade de condições. Ou seja, que sejam respeitadas as mesmas exigências para os grandes bancos e para as outras empresas também.