Na tarde da quarta-feira 24, ao fim desta entrevista para a DINHEIRO, Luiz Fernando Furlan, presidente do Conselho do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), recebeu a visita do novo cônsul-geral americano em São Paulo, Adam Shub. Furlan passou a ser o interlocutor do grupo empresarial há pouco mais de dois anos, quando João Doria trocou a vida empresarial pela política. Ser protagonista nas relações com representantes de outros países não é novidade na trajetória de Furlan. Ex-CEO da Sadia, empresa fundada por seu avô, e atual conselheiro da BRF – companhia de forte atuação internacional –, o empresário foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do governo Lula, entre 2003 e 2007, quando priorizou uma agenda de comércio internacional e de incentivo à exportação.

A pasta que ele ocupou, no entanto, deve deixar de existir de forma independente no novo governo, com a promessa de ser integrada ao ministério da Fazenda por Jair Bolsonaro (PSL), candidato que lidera a corrida à Presidência. “Como a indústria ainda é um polo extremamente importante na geração de empregos e na área de inovação no Brasil, mereceria manter um destaque”, diz ele, que comandará uma comitiva de empresários e executivos brasileiros para a cidade peruana de Cusco, a partir do dia 1º. “Antigamente, o que mais preocupava os empresários eram as questões tributárias. De um bom tempo para cá, o principal fator que inibe as decisões das empresas é o clima político”, afirma.

DINHEIRO – Qual é a avaliação do sr. sobre a economia do Brasil?

LUIZ FERNANDO FURLAN – O País tem uma estabilidade econômica que tem muito a ver com o tamanho das reservas que foram acumuladas por meio de uma série de saldos positivos da balança comercial. Quando o Brasil chegou a ter US$ 100 bilhões de saldo de balança comercial, o Henrique Meirelles, que era o presidente do Banco Central na época, achou que estava de bom tamanho. Agora, quando ele foi candidato à Presidência, US$ 380 bilhões já não eram suficientes. A verdade é que, sem comparar com a situação de outros países, o Brasil poderia comprar à vista toda a sua dívida externa pública e privada com as reservas. Com isso, há uma certa estabilidade com as variações sazonais da taxa de câmbio. Temos, hoje, uma taxa de câmbio semelhante à de 2002. Então, passaram-se 16 anos e nós estamos com a mesma taxa de câmbio de R$ 3,70 para o dólar, mesmo com todas as altas e baixas ao longo do caminho.

DINHEIRO – Essas reservas demonstram que a estabilidade do País na foi afetada, mesmo com todos os acontecimentos desses 16 anos?

FURLAN – É uma espécie de seguro que o País tem. Muitas vezes, a gente esquece daquilo que já superamos. A Argentina pediu, agora, um empréstimo de US$ 50 bilhões para o Fundo Monetário Internacional (FMI). O então presidente Fernando Henrique Cardoso pediu também US$ 50 bilhões ao FMI, mas em 1999. Hoje, nós somos credores no FMI.

DINHEIRO – Passadas as eleições, o clima entre os empresários deve melhorar?

FURLAN – Creio que sim. A última pesquisa do Lide mostra que, antigamente, o que mais preocupava os empresários eram as questões tributárias. Elas sempre apareciam em primeiro lugar. Agora, de um bom tempo para cá, o principal fator que inibe as decisões das empresas é o clima político. Mas isso está desanuviando e as companhias vão retomar os planos de investimento. Isso vem em uma boa hora, no período em que elas estão fazendo o orçamento para o ano que vem. Então, se imaginar que, na próxima semana, o horizonte estará definido, vamos ver qual será a reação. Os mercados financeiros já precificaram o resultado da eleição. O dólar se acomodou numa boa. Tinha gente que dizia que o dólar chegaria a R$ 5. Eu falei, há um mês, no exterior: “De jeito nenhum. O dólar vai se acomodar. Vai voltar ao que era 90 dias atrás”. A questão da bolsa de valores é parecida. Ela está em pouco mais de 80 mil pontos e pode ir rapidamente a 86 mil. Muita gente diz que está entrando muito dinheiro de investimento estrangeiro nas últimas semanas.

“Como a indústria é geradora de empregos e de inovação mereceria manter um destaque”Marcos Jorge de Lima pode ser o último ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

DINHEIRO – A visão externa sobre o Brasil é muito diferente da que observamos daqui?

FURLAN – O estrangeiro vê o Brasil sem a paixão do noticiário diário. Ele olha primeiro para o grande mercado que nós temos. Depois, para a capacidade que construímos de processar matérias-primas, e mesmo para os centros tecnológicos que temos aqui. Muitas vezes essa enxurrada de notícias ruins obscurece o que existe de bom. Então, acredito que o mercado vai se acomodar. Vai ter muita influência, também, a formação da equipe do novo governo, porque dirigir uma grande organização, ou um país, não é como um jogo de tênis, em que você entra na quadra e resolve. É um jogo de equipe. Dizem por aí que até vai ser anunciado muita coisa da composição econômica de bate-pronto, dois dias depois da eleição.

DINHEIRO – Como o sr. avalia a proposta do candidato Bolsonaro de extinguir o Ministério do Desenvolvimento?

FURLAN – O ministério tem duas interfaces complexas. A primeira delas, que é no mercado interno, chama-se Ministério da Fazenda. A outra é na área externa, o Itamaraty. Cada um tem a sua agenda e, de uma certa forma, disputa espaço com desenvolvimento, indústria e comércio. Em alguns países, essa figura do Ministério da Economia (que combina as atribuições do Ministério da Fazenda e as do de Desenvolvimento) existe. Na Argentina, por exemplo, o Ministério da Economia subordina agricultura, indústria, comércio e algumas outras coisas. Mas cada país tem a sua peculiaridade. Como a indústria ainda é um polo extremamente importante na geração de empregos e na área de inovação no Brasil, mereceria manter um destaque.

DINHEIRO – E quanto à integração do Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura?

FURLAN – O comitê de gestão do Lide, reunido aqui na sexta-feira 19, manifestou-se contrário à união de agricultura e meio ambiente. Até porque as questões de meio ambiente vão muito além da agricultura. Por exemplo, as emissões de efeito estufa, mineração e petróleo não têm nada a ver com isso. E como ficam as questões ambientais relativas às cidades, às zonas urbanas? O que tem a ver com agricultura? Hoje, o comércio internacional reflete barreiras relativas a questões ambientais. Então, há muita correlação também com o comércio internacional. O fato de o Brasil ter assinado o Acordo de Paris foi muito bem visto internacionalmente. E, diferentemente de outros grandes países, a principal fonte de poluição do Brasil são as queimadas. Na China, nos Estados Unidos e em outros países, o problema é lidar com o carvão, com o petróleo. O nosso caso é o mais fácil de resolver. Adotar um programa de redução de queimadas é muito mais fácil do que mudar a matriz energética chinesa e americana. É só ter metodologia para ensinar agricultores que queimam para matar pragas que isso causa danos para a terra, porque destrói os nutrientes do solo. Por tudo isso, os assuntos ambientais merecem ter uma equipe específica. Não é um ônus. É um fator competitivo positivo, que nós podemos ser melhores que os outros.

DINHEIRO – A regulação brasileira de meio ambiente é bastante exigente. Isso pode ser um diferencial competitivo, sobretudo para os consumidores mais preocupados com essas questões, caso de países da Europa?

FURLAN – Ela é bem avançada. Nós tendemos a enfatizar a parte negativa: a burocracia e determinadas travas que às vezes acontecem e atrapalham as obras públicas. Mas a verdade é que, no século 21, isso passa a ser uma vantagem competitiva. Porque mais e mais os consumidores terão exigência nessa área.

“A estrada que liga aos principais portos peruanos foi construída com financiamento do BNDES”Porto de Callao, próximo da capital do Peru, Lima

DINHEIRO – Quais são as outras demandas que os empresários podem levar ao novo governo?

FURLAN – O comitê de gestão do Lide escolheu três temas prioritários para contribuir com o novo governo. Praticamente houve um empate triplo entre eles: tecnologia, reforma tributária e educação. Esses são os temas que nós achamos que deveriam ser prioritários no Brasil. Vamos nos reunir no comitê que foi criado para juntar as opiniões de todos e as propostas nesse sentido. Principalmente coisas que possam fluir nos primeiros tempos do novo governo. Uma delas tem a ver com redução da burocracia. Que tem relação também com reforma tributária e com inovação. São coisas que se entrelaçam. Outros temas vão demorar mais. Dependem de mudanças no Congresso. Por exemplo, na área de inovação, muitos pesquisadores reclamam que precisam de um determinado número de reagentes importados e depois demora 60 dias para liberar na alfândega, e ainda paga imposto. Às vezes, o produto se deteriora durante esse período. Há entraves burocráticos para quase tudo. Tem muita burocracia no Brasil. Nós pretendemos oferecer algumas sugestões. Já ouvimos diversas tendências de reforma tributária. Já recebemos o deputado federal Luiz Carlos Hauly, que é o relator da reforma tributária na Câmara, e o Bernard Appy, o responsável pela reforma tributária na época do Antonio Palocci como ministro da Fazenda.

DINHEIRO – Surpreende o sr. a reforma da Previdência não ter ficado entre as prioridades dos empresários?

FURLAN – O pessoal aqui é prático. É uma questão complicada. A Previdência trabalha no Brasil com uma proporção de mais ou menos 80 a 20, em que 80% das pessoas recebem 20% do dinheiro e 20% das pessoas recebem 80% do dinheiro. Então, onde tem que mexer é no 80% do dinheiro que é funcionalismo público, e de outras que conseguem privilégios, como os militares. O governador de São Paulo diz que, para cada Coronel na ativa, ele tem 40 aposentados.

DINHEIRO – O encontro internacional do Lide será no Peru. É um país que avançou muito mais que o Brasil em acordos comerciais, não?

FURLAN – Muito mais. Qualquer país avançou mais que o Brasil. Nós temos só três acordos. Sabe com quem? Israel, Egito e Palestina. Para a Palestina não sei o que se vende. Alguns candidatos à Presidência diziam que iriam fomentar acordos bilaterais. O Peru entrou nessa aliança do Pacífico e eles formaram um bloco com a Colômbia. Foram muito mais dinâmicos do que nós em acordos bilaterais.

DINHEIRO – O Brasil não preparou nenhum acordo com esse bloco, por meio do Mercosul?

FURLAN – No Mercosul, parece que só tem na fila a entrada da Bolívia, que é um país de produtos básicos. Os produtos de pesca e frutos do mar do Peru são muito avançados. Eles têm tradição nesses produtos. Existe também a parte de tecidos muito finos de alpacas. Se você vai comprar um artigo de alpaca é quase tão caro quanto cashmere.

DINHEIRO – Quais setores são mais interessantes para buscar comércio com o Peru?

FURLAN – Há muitas empresas brasileiras que se especializaram em concessões e na área de investimentos de infraestrutura, o que o Peru precisa. A estrada que liga aos dois principais portos peruanos, como o de Callao, foi construída com financiamento do BNDES. Acho que a agricultura brasileira também fez grandes progressos. O comércio bilateral ainda é bastante módico, principalmente devido à dificuldade logística. Até 2016, a balança era favorável ao Peru, e recentemente virou um superávit a nosso favor. Ou seja, não é uma relação desequilibrada.

DINHEIRO – O BNDES pode ser estratégico para o comércio internacional do Brasil?

FURLAN – O programa de financiamento no exterior tem esse viés de ser estratégico para o País. Ao mesmo tempo, você financia a exportação de produtos brasileiros que vão no pacote. Alguns casos são criticados porque não respeitaram esse interesse estratégico. Além disso, o financiamento tem de ser pago. Não é uma doação. No fim das contas, tem de existir viabilidade econômica.

DINHEIRO – Mas qual é o sentido estratégico desses investimentos?

FURLAN – Um bom exemplo é o da Turquia, onde as empresas de infraestrutura têm uma atividade hoje muito maior no exterior do que no próprio país. Lá no leste europeu, as empresas se expandiram se especializando em infraestrutura. O Brasil teve uma época que atuou muito na África e também no Oriente Médio. No futuro, vejo que nós vamos ter uma atividade internacional neutra em termos de tendência política. Negócio é negócio. Não adianta ser de direita ou de esquerda, verde, amarelo ou vermelho. É business. É como se na Rua 25 de Março (tradicional rua de comércios em São Paulo) o vendedor te perguntar para que time você torce, para saber se vai te vender um produto ou não. Não quero saber, nem de religião nem de nada, na hora de fazer negócios. O Brasil deveria ser pragmático em suas relações comerciais. Defendo o pragmatismo.