Alexandre Peter Sieh, 28 anos, é engenheiro eletrônico formado pela Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Daniel Vidal, 25 anos, cursou engenharia elétrica na USP, em São Carlos, interior de São Paulo. Os dois, no final de janeiro, pegaram um avião com um grupo de 18 brasileiros, com destino a Kawazaki, uma cidade a 30 minutos de Tóquio.
 

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Linha de frente: Afonso Hennel (à esq.) e Ricardo Freitas, ambos da Semp Toshiba, com Dario Thober, do Centro de Pesquisas 
Von Braun (à dir.). Eles estão por trás dos esforços para criar condições de o Brasil ter uma fábrica de semicondutores

Desembarcaram no país asiático no auge do inverno japonês, com temperaturas próximas de zero. Ficaram hospedados em um prédio de sete andares, com mais de 300 apartamentos. Acordavam cedo e pegavam um ônibus que os levava até o local de trabalho. No trajeto de 20 minutos, conversavam com seus companheiros sobre a rotina e as dificuldades de se adaptar à cultura e à culinária japonesas. Alexandre e Daniel não podem ser considerados decasséguis, brasileiros que vão para o país nipônico trabalhar em linhas de montagem da indústria local, realizando tarefas repetitivas. Eles fazem parte de um grupo altamente qualificado de engenheiros que passaram seis meses aprendendo e colocando a mão na massa no Centro de Microeletrônica da Toshiba, a terceira maior produtora de semicondutores do mundo. “Essa é a centelha inicial que pode culminar em uma fábrica de chips no Brasil”, declarou à DINHEIRO Afonso Antonio Hennel, presidente da Semp Toshiba, fabricante brasileira de eletroeletrônico com faturamento de R$ 2 bilhões no ano passado. 
 

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Chip nacional: processador que foi desenvolvido por equipe 
de engenheiros brasileiros treinados no Japão

 

É a Semp Toshiba, parceira há 33 anos dos japoneses da Toshiba, que está por trás de um dos projetos mais ambiciosos da área de semicondutores no Brasil. Só para manter e pagar os salários dos jovens engenheiros brasileiros no período em que estiveram no Japão, ela já investiu US$ 3 milhões. Calcula-se que, nos últimos anos, a empresa tenha gasto R$ 50 milhões em pesquisa e desenvolvimento, dinheiro que foi parar nas mãos de instituições de pesquisa brasileiras. Entre elas, o Centro de Pesquisa Von Braun, laboratório sem fins lucrativos, da qual a Semp Toshiba  é uma das principais patrocinadoras. É lá que trabalham os 20 especialistas que viajaram para o Japão. De volta ao Brasil, eles já estão desenvolvendo projetos de design de chips que podem ser utilizados em diversas aplicações no mercado brasileiro. “Essa é a parte mais estratégica de um microprocessador”, diz Dario Sassi Thober, diretor do Von Braun. “É onde estão as principais propriedades intelectuais e representam até 50% do custo de um chip.” A intenção imediata da Semp Toshiba é criar um centro de design de chips, na qual os parceiros japoneses serão sócios. Trata-se da primeira etapa da fabricação de um chip. Uma fábrica de semicondutores não está descartada, mas é ainda um projeto de longo prazo – de cinco a dez anos. Mas a barreira inicial foi quebrada. Antes de conseguir que a Toshiba recebesse o grupo de brasileiros, Hennel havia ouvido duas negativas dos japoneses. Foi convencido que o primeiro passo era treinar a mão de obra. “De que adianta uma fábrica, se não temos engenheiros para operá-la?”, diz Hennel. Os investimentos para isso são colossais. Uma nova planta de semicondutores pode custar de US$ 3 bilhões a US$ 5 bilhões, dependendo do tamanho e da tecnologia instalada. A AMD, a segunda maior fabricante de chips para computadores do mundo, investiu US$ 2,5 bilhões em sua fábrica, inaugurada em 2006, em Dresden, na Alemanha. 
 

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Tropa de elite: grupo de engenheiros que passou seis meses no Japão em Centro de Microeletrônica da Toshiba. 
Eles participaram de projetos reais e assumiram acordos de confidencialidade. 
De volta ao Brasil, trabalham em projetos de chips brasileiros

Para a Semp Toshiba chegar a esse estágio, foram quatro longos anos de conversas e negociações. Em 2006, Hennel ouviu da então ministra da Casa Civil e hoje candidata à Presidência, Dilma Rousseff, uma provocação: “Vocês têm uma associação com os japoneses. Por que não pensam em uma forma de economizar divisas para o País?”, disse ela. Um ano depois, a escolha do padrão japonês para implantar a tevê digital no Brasil trouxe um compromisso de estudo de uma fábrica de semicondutores no Brasil. Ter esse insumo produzido localmente seria uma forma de reduzir a sangria da balança comercial do setor de eletrônicos. No ano passado, o déficit foi de US$ 17,4 bilhões. Quase a metade disso corresponde a gastos com a importação de semicondutores e componentes para informática e telecomunicações.

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Mas o compromisso nunca foi levado a sério, apesar de cobranças públicas feitas por autoridades brasileiras. “O padrão de tevê digital já está escolhido, não dá mais para voltar atrás”, afirmou à DINHEIRO um executivo que acompanhou as negociações entre os dois governos. Hennel tem uma visão diferente. “Há um entendimento e uma intenção recíproca de fazer com que isso aconteça”, afirmou. “O timing é que talvez esteja precisando de ajuste. É preciso primeiro criar inteligência e massa crítica”, defendeu. “Senão, o negócio não vai para a frente”. Por inteligência e massa crítica, entenda-se engenheiros altamente qualificados na área de semicondutores. Estudo realizado pelas consultorias AT Kearney e IDC, em 2002, para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apontou quais os entraves para a instalação de uma fábrica de semicondutores no Brasil.

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O principal problema, na época, era a falta de mão de obra especializada. “O País tinha poucos doutores nesta área e a maioria trabalhava no Exterior”, afirma Mauro Peres, gerente-geral do IDC Brasil, um dos autores do relatório. Desde então, o Brasil resolveu atuar para criar as condições necessárias aos investimentos de empresas desse setor e para não repetir os erros que cometeu quando perdeu uma fábrica de chips da Intel na América Latina. Até o final de 2010, mais de mil engenheiros vão ser treinados em design de chips pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. O BNDES tem linhas de financiamento dedicadas ao setor de semicondutores. O governo criou também a Ceitec, uma nova estatal só para produzir chips no Rio Grande do Sul, mas com tecnologia muito mais simples. Com investimentos de R$ 270 milhões e R$ 40 milhões de aporte inicial, ela foi inaugurada no ano passado. Terá capacidade de produção de 50 milhões a 100 milhões de chips por ano. Ainda é muito pouco, diante da demanda, mas é um começo. É o que está fazendo a Semp Toshiba neste momento. “Podem me chamar de idealista”, afirma Hennel, “mas estamos quebrando esse nó”.

 

Lições da Costa Rica

Por Milton Gamez

Como é que um simples grão de areia pode ser transformado num chip, o principal componente de um computador? Como será um bolachão de silício? Com essas indagações em mente, embarquei para a Costa Rica no início de 2002, rumo à fábrica da Intel, na periferia de San José. Fiquei duplamente decepcionado. Para não haver contaminação, nenhum forasteiro pode entrar na área supercontrolada onde os chips são feitos. Uma pequena janela na porta de segurança mostrava apenas um punhado de máquinas sem -graça. Mais frustrante ainda foi saber que, nove anos antes, o Brasil perdera essa fábrica para o pequeno país da América Central por um misto de incompetência do governo (os emissários da Intel foram recebidos por funcionários de terceiro escalão em Brasília) e por apresentar as piores condições para receber a estrela de um cluster de alta tecnologia. 
 

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Na disputa com Brasil, México e Argentina, a Costa Rica levou a melhor depois de investir mais em educação da mão de obra e infraestrutura, além de oferecer incentivos fiscais poderosos à Intel. O investimento de US$ 800 milhões em dez anos mudou o perfil da economia do país. De exportador de café e banana, passou a faturar bilhões de dólares com microprocessadores de última geração. O PIB mais que duplicou, para US$ 30 bilhões. A renda per capita saiu de US$ 3,3 mil para US$ 6,6 mil. O Brasil perdeu uma grande oportunidade. Será que aprendemos a lição?