David Vélez, ceo do Nubank: “Ainda temos o sentimento de que estamos só no começo”

O empresário colombiano David Vélez começa a entrevista para a DINHEIRO com uma frase que soa como um mantra para quem está revolucionando o setor bancário brasileiro. “Você não pode perder a humildade”, diz ele, que criou, em maio de 2013, o Nubank, uma startup que nasceu com um cartão de crédito sem anuidade, virou uma conta-corrente moderninha e quer usar a tecnologia para competir com todo o sistema financeiro, inclusive os grandes e tradicionais bancos brasileiros. “Ainda temos o sentimento de que estamos só no começo”, afirma Vélez. Nesta semana, a fintech recebeu um investimento de US$ 180 milhões da chinesa Tencent, uma gigante asiática que vale US$ 328,4 bilhões e que, ao lado do Alibaba, domina o mercado de pagamentos móveis na China, graças ao aplicativo WeChat, uma espécie de WhatsApp mais robusto.

Com o aporte recebido, o Nubank, que agora vale US$ 4 bilhões, passa a ter captado US$ 420 milhões em investimentos desde que nasceu em uma simples residência na rua Califórnia, no bairro do Brooklin, em São Paulo. O local, que em menos de um ano se tornou apertado para os 33 funcionários, é um exemplo do trabalho de Vélez. Desde a compra de móveis ao pagamento dos pintores, que manchariam de roxo as paredes do recinto, tudo era responsabilidade do fundador. “Somos muito cuidadosos com nossos recursos”, diz ele.

Essa simples história evidencia uma mescla de características que fazem de Vélez um empreendedor diferente da maioria: inovação, coragem, cuidado e humildade. Esse é um dos principais ativos de Vélez. Os lendários investidores da Sequoia Capital, que injetaram recursos em gigantes como Google, WhatsApp e PayPal, lideraram uma rodada de captação de US$ 2 milhões em seed money para o Nubank, ainda em 2013.
O fundo, que já havia contado com Vélez em seu quadro de funcionários, realizava seu primeiro investimento no País e mudava sua estratégia de negócios. “Eles não tinham a cultura de investir em empresas que ainda estavam no começo e que tentavam competir com indústrias mais tradicionais. Nós fomos os primeiros”, diz Vélez. A mesma coisa aconteceu com outros fundos internacionais, como o Dragoneer Investment Group e o Founders Fund. Além, é claro, da própria Tencent, que resolveu confiar na startup, hoje instalada em um moderno prédio próximo a avenida Rebouças – um local mais confortável para seus mais de 750 funcionários.

O aporte chinês foi dividido em duas partes, sendo que metade foi destinada ao caixa da companhia e o restante aos investidores. O dinheiro, porém, está longe de ser a principal preocupação do Nubank neste momento. Com 5 milhões de clientes e mais 500 mil na fila de espera para obter um cartão, a companhia registrou receita de
R$ 503 milhões no primeiro semestre do ano, alta de 112% em relação ao mesmo período de 2017. “Não tínhamos qualquer necessidade de arrecadar capital”, afirma Vélez. “O que nos seduziu foi o fato de podermos ter um parceiro com grande conhecimento tecnológico.” De fato, a Tencent tem expertise de sobra no setor financeiro.

Em 2017, a companhia foi responsável por 39% dos pagamentos móveis realizados na China, um setor que movimentou US$ 15,4 trilhões, quase 40 vezes mais do que o valor processado nos EUA, conforme um estudo do jornal americano The Wall Street Journal. Por enquanto, Vélez ainda não abre o jogo sobre como pretende usar a nova parceria em seus negócios. O discurso continua o mesmo. “Queremos seguir o nosso caminho de criar uma plataforma de serviços financeiros completa.” O que se sabe, contudo, é que essa parceria não significa que os cartões roxos da Nubank vão desembarcar na Ásia. Mas Vélez confidenciou à DINHEIRO que partirá para a conquista da América Latina. “O investimento da Tencent nos dá mais credibilidade para nos posicionarmos como a fintech que vai guiar o futuro dos serviços financeiros na América Latina”, diz o fundador.

O Nubank está longe de ser um caso isolado de uma startup brasileira que atraiu tanto os olhares quanto os milhões de dólares de fundos de investimento do mundo inteiro. Nesta seara estão empresas como 99, Movile, Yellow, Guiabolso e PSafe. Juntas com a fintech do cartão roxo, essas, que são as maiores startups do País, já arrecadaram mais de US$ 1,3 bilhão em injeções de capital desde quando foram fundadas. “São empresas que tinham um modelo de negócios consistente e um plano de escalabilidade em grandes proporções”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. “O investidor vê que essas operações podem ficar maiores e apostam.” Para se ter ideia da dimensão do valor, ele é próximo do montante recebido por todas as startups da América Latina durante os anos de 2016 e 2017. No período, de acordo com dados da Associação Latino-Americana de Private Equity e Venture Capital (Lavca), foram investidos US$ 1,44 bilhão em negócios na região.

Os recursos financeiros recebidos por essas startups brasileiras foram essenciais para que o País finamente pudesse ver o nascimento de seus primeiros unicórnios. Mesmo sem ter sido a primeira startup a ser apelidada dessa forma, o Nubank se credencia como o caso mais emblemático no País. No começo do ano, a companhia de Vélez ainda não tinha previsão para ver seu valor de mercado ultrapassar o limite dos 11 dígitos. Em março, após um aporte de US$ 150 milhões do fundo DST Global, do megainvestidor russo Yuri Milner, dono de uma fortuna avaliada em US$ 3,7 bilhões, o Nubank passou a ter uma avaliação privada na casa dos US$ 2 bilhões. Menos de sete meses depois, esse número dobrou graças ao aporte feito pela Tencent. “A China está investindo em tudo quanto é lugar”, afirma Augusto Alvim, professor de economia da PUC-RS. “Eles sempre foram um parceiro comercial do Brasil, já que são os maiores importadores de soja do País. Nos últimos anos, o olhar foi também para a tecnologia.”

Apesar de ter conseguido fazer a Tencent finalmente desembarcar por aqui, seria equivocado dizer que a arte de atrair a atenção da China é um talento exclusivo de Vélez. Quem merece as graças por fazer isso talvez sejam os empreendedores Ariel Lambrecht, Renato Freitas e Paulo Veras. No comando do aplicativo de transporte 99, o trio conseguiu convencer importantes fundos de investimento a apostarem em um negócio que tentava competir com o Uber no Brasil. Entre os parceiros cooptados estavam fundos como o brasileiro Monashees, os americanos Tiger Global Management, Riverwood Capital e G32 Capital, e até mesmo o banco japonês Softbank, que injetou US$ 100 milhões na operação da companhia em maio do ano passado. O grande investidor, porém, a exemplo da Nubank, também veio da China. Em janeiro, poucos meses antes da injeção de capital da Softbank, a 99 conseguiu captar US$ 100 milhões da Didi Chuxing, empresa que opera com aplicativos de transporte na Ásia. Um ano depois, a rival chinesa do Uber comprou 100% das ações avaliando a empresa em US$ 1 bilhão.

Mesmo sem nunca terem revelado o quanto cada um ganhou na operação, o trio saiu com os bolsos cheios para tocar seus barcos. Ou, no caso de Lambrecht e Freitas, suas bicicletas. Com menos de seis meses de vida, a startup de compartilhamento de bikes e patinetes elétricos Yellow, fundada por eles, já captou US$ 75,3 milhões. “Um dos principais fatores para atrair os investidores foi o fato de que eu e o Ariel já tínhamos tido uma experiência anterior que resultou em um unicórnio”, diz Freitas. “Os investidores sabem que há uma chance maior de os empreendedores de primeira viagem falharem mais do que os que já são experientes.”

De fato, o renome da dupla no mercado foi essencial não apenas para que eles conseguissem captar recursos para iniciar um novo negócio, mas para que formassem uma equipe que pudesse conduzir a operação. Graças à Monashees, que já havia investido na 99 no começo da operação e que viria a se tornar uma investidora da Yellow, a dupla foi apresentada ao empresário Eduardo Musa. Com 19 anos de experiência na Caloi, sendo 13 anos dedicados ao cargo de CEO da fabricante de bicicletas, o executivo era o nome perfeito para suprir características que a dupla carecia e que são necessárias no batente da gestão de startups. Isso porque, enquanto Freitas é o responsável pela parte tecnológica, Lambrecht é tido como uma pessoa empática e que tem facilidade para identificar as necessidades do cliente. “A gente precisava de alguém que soubesse como estruturar uma empresa e entendesse de gestão”, diz Lambrecht. “O Musa entendia tudo do negócio.”

Com o time formado e apoio da Monashees, era hora de unir o útil ao agradável para fazer a Yellow decolar. Ou melhor, pedalar. Em setembro, as bicicletas amarelas conseguiram captar US$ 63 milhões em um investimento de Serie A. A rodada foi liderada pelo fundo americano de investimentos GGV Capital, o mesmo que já havia injetado capital na operação de outra empresa de mobilidade, a Didi Chuxing. “Já arrecadamos bastante dinheiro, mas sempre vamos querer levantar mais”, diz Lambrecht. “Boa parte da captação vai para a expansão da frota.” Com pouco mais de 3 mil bicicletas em operação em regiões específicas de São Paulo, a companhia espera ter 120 mil unidades rodando na capital paulista em 2019. A má notícia é que isso não deverá ser barato. A boa, é que conseguir dinheiro parece não ser um problema neste caso.

Esse também não é um empecilho para outra startup brasileira que cresce a ritmos exorbitantes. Fundada em 1998, em Campinas, na região metropolitana de São Paulo, e comandada por Fabricio Bloisi e Eduardo Henrique, a Movile trabalha com os aplicativos de entrega de refeições iFood, a plataforma online de eventos Sympla, e o serviço de streaming de conteúdo infantil PlayKids. O negócio não está presente somente no Brasil. Somados, os serviços já estão disponíveis em países como Argentina, Peru, Chile, Colômbia, França, Estados Unidos e México. Para dar fôlego para isso tudo, a companhia já conseguiu aportes US$ 394 milhões em nove rodadas de captação movidas por uma só palavra: fidelidade. A Movile concentra seus aportes em apenas dois investidores, o fundo brasileiro Innova Capital e o sul-africano Naspers. Este último ganhou fama pela aposta certeira que fez na Tencent quando a gigante chinesa era apenas uma promissora startup. “São dois grandes sócios que nos dão credibilidade para sonhar”, diz Henrique. “Eles não agregam apenas valor financeiro, mas também ajudam na capacitação, treinamento, gestão de equipe… Vai além do dinheiro.”

Isso não significa que o fundo sul-africano não dê apoio financeiro. Quando o assunto é dinheiro, os empreendedores se reúnem com os fundos e explicam claramente suas necessidades por mais capital. “Apresentamos o que queremos fazer, há uma sabatina e aconselhamentos”, afirma Henrique. “Depois, juntos, decidimos o que é melhor para a companhia.” Mesmo com a facilidade de diálogo, a Movile ainda não conseguiu alcançar a alcunha tão desejada pelas startups. De acordo com Henrique, porém, isso pouco importa. “É muito pequeno comemorar isso”, diz. “Queremos ser uma empresa de US$ 30 bilhões!” Para chegar lá, o plano não é apenas conseguir convencer os parceiros a colocarem ainda mais dinheiro no negócio. A estratégia é a mesma adotada pela Tencent: criar um ecossistema de serviços que podem ser interligados. Uma das apostas neste sentido é a startup de pagamentos Zoop, que além de poder ser usada em outras plataformas, é a provedora de pagamentos do iFood.

CORRENDO POR FORA Em praticamente todas as conversas da DINHEIRO com fundadores e CEOs das maiores startups do País, um tema é recorrente: o investimento em empresas disruptivas. “Não existe uma fórmula mágica, e sim um modelo de negócios completo, interessante e inovador”, afirma David Kallas, professor do curso de administração do Insper. Mesmo correndo por fora na disputa pela coroa de rei dos aportes, outros postulantes que já arrecadaram dezenas de milhões de dólares em investimentos também não fogem à regra. No campo das fintechs, por exemplo, está a dupla Thiago Alvarez e Benjamin Gleason, este nascido nos Estados Unidos. Em 2012, os eles apostaram que seria possível fazer com que as pessoas cuidassem melhor de suas finanças. Para isso, criaram o aplicativo Guiabolso. Com mais de 4,5 milhões de usuários registrados, a plataforma é capaz de sincronizar informações bancárias do usuário em um só lugar, tornando mais simples a gestão financeira. “A ideia era melhorar a vida das pessoas ajudando-as a tomarem melhores decisões sobre o dinheiro no dia a dia”, afirma Alvarez.

A proposta romântica não foi a única carta na manga da dupla para seduzir fundos como Kaszek Ventures, Ribbit Capital, Endeavor Catalyst, entre outros, que injetaram US$ 77 milhões em aportes em cinco rodadas de captação. Alvarez e Gleason também fizeram valer suas experiências. “A primeira rodada, que chamamos de seed money, tem mais relação com o fundador e o potencial da empresa”, diz Gleason. “É uma aposta que os investidores fazem na capacidade do time.” Além de terem passado pela McKinsey & Company, ambos têm no currículo trabalhos realizados em outras consultorias, bancos e empresas. Alvarez, por exemplo, já havia sido responsável por supervisionar um orçamento de US$ 100 milhões em empregos anteriores. Gleason, por sua vez, tinha no currículo trabalhos realizados para o JP Morgan e era o diretor financeiro da América Latina do Groupon.

Um currículo forte também foi uma característica determinante para que Marco DeMello pudesse fazer da PSafe a principal startup de segurança digital do País, hoje com 20 milhões de clientes no Brasil e nos Estados Unidos e já mirando a expansão para a Europa. Antes de montar a companhia, em 2010, o empreendedor podia se orgulhar dos quase dez anos em que foi funcionário da Microsoft. “Foi muito inspirador e desafiador trabalhar com Bill Gates”, disse, em 2017, ao programa MOEDA FORTE, de Carlos Sambrana. No caso, o brasileiro chegou a contribuir com alguns projetos lado a lado com uma das maiores lendas da informática.

Em cinco rodadas de captação, a Psafe conseguiu US$ 86,1 milhões em aportes. Esse valor poderia ser maior caso não fosse um critério rigoroso de seleção de novos sócios. “A escolha do investidor é uma das coisas mais importantes na hora de empreender”, afirma DeMello. “Você precisa de alguém que seja seu parceiro, não uma dor de cabeça.” Quem se encaixou nesse perfil foi a Redpoint eventures, comandada por Romero Rodrigues. “Eles sempre nos abriram portas e nos deram acesso a parceiros estratégicos nos EUA”, diz DeMello. “Isso nos permitiu acelerar, reduzir custos e evitar erros.”